O Globo
Levantamento do GLOBO
apontou o Parlamento de 2023 como o menos produtivo em 12 anos. E não só na
quantidade de projetos apresentados — o que, per se, nunca seria critério para
avaliação qualitativa. Desde 2011, comparados os períodos de fevereiro até a
primeira quinzena de abril, o Congresso atual tem também o menor número de
sessões, de audiências públicas, de reuniões em comissões e de votações.
Por quê?
Não há respostas definitivas. (O intervalo amostral, não chegando a três meses, é curto.) O registro, porém, estimula reflexões. Há um novo governo. E houve o 8 de Janeiro. Não sendo Poder isolado, o Legislativo — mesmo anabolizado pelo senhorio do Orçamento — decerto terá um ritmo algo condicionado pelo passo do Executivo; e jamais andaria, ainda que comandado por um autoritário, sem que sua agenda fosse afetada pela tentativa de golpe.
O autoritário é Arthur Lira; não sendo
Rodrigo Pacheco, a porção alta de Alcolumbre, esse estadista todo que a
propaganda vende. (Ninguém entrega a CCJ para Davi pensando em entregar atividade
legislativa.) Há um desequilíbrio.
O governo Lula colabora para a menor
produtividade do Congresso ao pretender encaminhamentos infraconstitucionais
sobre temas que cabem ao Parlamento. Foi assim com os decretos que pretenderam
alterar o marco do saneamento. Ao tentar se espalhar, o Planalto trombou num
Congresso que opera com autonomia derivada do domínio de muitas chaves do
cofre.
Há um desequilíbrio. E também um governo
que pensa estar em 2003.
A combinação entre novo governo, com
dificuldades para compreender a natureza do Congresso em 2023, e novos
parlamentares, porque também nova a legislatura, e a ocorrência dos ataques
contra a República explicarão em parte a marcha lenta do Parlamento. Em parte.
Porque será preciso olhar para a atividade
— acelerada — daqueles que comandam as Casas, sobretudo Lira. Sua agenda
avança. É ao mesmo tempo autoritária e corporativista. A Câmara que produz
pouco sendo a mesma que produz (muito) em causa própria — não raro pela causa
de seu presidente.
O episódio
das medidas provisórias exemplifica o modelo. Lira, depois de
atropelar o regimento interno para suprimir ritos, não tardaria a investir
contra a Constituição. Armou a blitz mirando nas comissões mistas. Seu
objetivo, no entanto, sempre foi alterar a composição dos colegiados, de modo
que a Câmara tivesse mais cadeiras.
Sob a capa corporativista de garantir
espaços à Casa que preside, trabalha por assegurar a multiplicação de assentos
que possa distribuir. A agenda do produtivo Lira corre, enquanto o Parlamento
fica.
A culpa, entretanto, será do novo governo;
tanto o presidente da Câmara quanto o do Senado apontando as dificuldades do
Planalto em firmar apoio parlamentar. Lira, generoso que é, “não quer testar a
base do governo enquanto eles não se organizam na Casa”.
O magnânimo protegendo o governo... Como se
as dificuldades do Planalto, à parte a incompetência de seus articuladores
políticos, não fossem mormente produto da cultura que Lira encarna e dinamiza.
A cultura que Lira encarna e dinamiza impõe
uma questão: será possível ao governo ter base de sustentação como no passado?
A resposta é não. Mas a benevolência do imperador continua a vender terrenos na
Lua.
A história recente do Congresso,
especialmente da Câmara, está aí.
O Parlamento progressivamente esvaziado de
atividade política. A ideia de líder — e de liderança, portanto — aos poucos
erodida; até que se impusesse o cada um por si vigente. Não será mais possível
o mensalão. Oba! O lance agora transitando entre orçamento secreto e emenda
Pix. Líder
doravante sendo Elmar Nascimento. Hum.
Aos elmares, pois, as codevasfs — e os
tratores, na ponta, para os primos. Aos de baixo clero, a liberação, pelos
padilhas, das cotas de que são donos. Será assim, a cada votação, soltando a
grana em troca de apoio episódico, de um em um. A condição de parlamentar
transformada num fim em si mesmo. O eleito tem milhões em emendas — a isso se
resumindo o mandato. Pague-se. Vote-se. E se inicia novo ciclo.
Não se chegou aqui sem muita produção.
Os liristas da pandemia aproveitaram a
peste para minar os debates e desmobilizar comissões — a tecnologia, na forma
de sessões on-line, instrumentalizada para a cassação da palavra.
Paralelamente, ampliava-se o controle do Parlamento sobre rubricas
orçamentárias. Até que triunfasse o modelo
União Brasil de existência parlamentar. O Congresso, porque também fatia
alcolúmbrica do Senado, vertido numa grande cooperativa administradora de
fundos orçamentários.
Discutir para quê?
O Parlamento, confederação de proprietários
do Orçamento, a produzir cada vez menos porque, tendo feito cama para si,
aboletou-se à espera de que o governo lhe venha barganhar o tempo das
liberações. A pressa ficou relativa. É uma hipótese.
Nenhum comentário:
Postar um comentário