Venezuela e China provocam divisão na Cúpula do Mercosul
Valor Econômico
Se o Brasil pretende unir o Mercosul e não
aprofundar desavenças, o melhor é arranjar a entrada em vigor do acordo com a
União Europeia
A volta do Brasil à Presidência rotativa do
Mercosul marca também um retorno ao passado, com a tentativa do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva de incorporar novamente a Venezuela ao bloco. Não são
apenas velhas questões que desafiam os quatro países. O Uruguai parece ter
entrado na fase de ultimato para que se faça um acordo conjunto com a China,
cuja negativa levará o país a negociá-lo separadamente, segundo declarou
claramente o presidente uruguaio, Lacalle Pou.
“Quando vemos que não avançamos juntos, entendemos a visão de cada um de vocês. A nossa é que façamos juntos. Se não podemos fazer assim, vamos fazer bilateralmente”, disse Pou ontem, no último dia da 62ª Cúpula do Mercosul, em Puerto Iguazú (Argentina). O presidente do Uruguai, pela quarta vez, deixou de assinar o documento conjunto da reunião, defendeu mais uma vez a flexibilização das regras do Mercosul e criticou o “isolamento” do bloco, com a falta de acordos comerciais relevantes - uma constatação irretorquível.
Após quase três décadas negociando um
acordo com a União Europeia, assinado em junho de 2019, houve um curto circuito
provocado por uma “side letter” dos europeus que procurava forçar o governo do
então presidente Jair Bolsonaro a interromper a devastação ambiental
generalizada na Amazônia. Não se conhece o teor da carta, mas o Planalto aponta
que há sanções previstas pelo descumprimento de metas ambientais, algo que nem
o Acordo de Paris estabeleceu.
O presidente Lula e o presidente da
Argentina, Alberto Fernández, aproveitaram o pretexto para tentar reabrir o
acordo, um passo temerário. Ontem, na cúpula, Lula voltou a criticar a carta,
considerou-a “inaceitável” e merecedora de uma resposta “contundente”, termos
que não são próprios de linguagem diplomática. O coro foi engrossado por
Fernández, que afirmou que o Mercosul foi quem mais cedeu nas negociações e acusou:
“É lá na Europa que estão as atitudes protecionistas”.
De protecionismo Lula e Fernández entendem.
O Brasil é um dos países mais fechados ao comércio do mundo e a Argentina
restringe até mesmo as importações dentro do que deveria ser uma zona de livre
comércio, a ponto de, ao impedir e retardar administrativamente a entrada de
mercadorias brasileiras, a China ter se tornado o maior exportador para o país.
A proteção às compras governamentais para as empresas brasileiras, que seria a
única maneira de o país proteger as pequenas e médias empresas, argumento
governista, pode ser amenizada e estimular a concorrência e a competitividade
nacional. É possível, como já foi feito, estipular margens percentuais de
preferência de preços, a partir das quais todos os fornecedores estariam em pé
de igualdade.
Lula, ao tentar reintegrar a Venezuela,
pode ampliar as fissuras do Mercosul. Lacalle Pou e o presidente paraguaio,
Mario Abdo Martínez, protestaram contra a Venezuela, afastada do bloco por não
respeitar a cláusula democrática. Os dois presidentes mencionaram o último
feito da ditadura de Nicolás Maduro, a impugnar, após “investigação
patrimonial”, a candidatura da deputada María Corina Machado, opositora com
maiores chances de enfrentar Maduro nas urnas. Ela foi proibida de ocupar
cargos públicos por 15 anos. Antes, Henrique Capriles e Juan Guaidó, populares
membros da oposição, já haviam sido alijados da disputa.
Alberto Fernández minimiza as iniciativas
antidemocráticas de Maduro, ao apontar que as sanções à Venezuela são
responsáveis pelo descalabro econômico do país, um dos maiores da história em
tempos de paz. A defesa de Maduro por Lula é mais entusiasmada. Depois de
atribuir um “conceito relativo” à democracia e estender um tapete vermelho ao
presidente venezuelano em Brasília, Lula condenou a tentativa de “isolamento”
de Caracas. “Precisamos conversar com todo mundo”, disse ontem. Todos os
governos petistas dialogaram muito com Hugo Chávez e Nicolás Maduro e não os
impediram de empurrar a Venezuela para um precipício econômico e uma autocracia
- conversa fiada pura e cínica.
A Argentina pode vir a endossar as censuras
do Uruguai e Paraguai à falta de democracia na Venezuela em breve. Desunidos em
meio a nova e grave crise econômica, os peronistas podem perder a eleição
presidencial em outubro. Nem Alberto nem Cristina Fernández irão concorrer e
depositaram suas chances em Sergio Massa, o ministro da Economia, que se debate
com aguda falta de reservas e uma inflação que ultrapassou 114%. Fernández, na
cúpula, disse que seu país foi afetado “pela calamidade de uma dívida
irresponsavelmente pedida pelo governo argentino e irresponsavelmente outorgada
pelo FMI”. A Argentina está pedindo a antecipação dos desembolsos do programa
com o Fundo, única fonte de recursos que mantém o país à tona.
Se o Brasil no comando do bloco pretende uni-lo, e não aprofundar desavenças, a melhor coisa a fazer é arranjar da melhor forma possível a entrada em vigor do acordo com a União Europeia e envidar esforços para que a Venezuela cumpra a cláusula democrática do Mercosul e realize eleições livres de fato, e não o simulacro que tem se repetido tristemente ao longo dos anos.
Acordo para votar reforma tributária deve
ser encorajado
O Globo
Concessões a estados e exceções no texto
podem ser preço a pagar pela modernização dos impostos no Brasil
É um alento que a reforma
tributária, tema que desafia o Brasil há décadas, tenha enfim chance de
avançar no Congresso. É desejável haver acordo nas negociações para votar na
Câmara, nos próximos dias, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45,
relatada pelo deputado Aguinaldo
Ribeiro (PP-PB). Não que o resultado vá ser perfeito. Certamente não
será o ideal. Mas porque, uma vez aprovada, a PEC representará uma
transformação essencial no sistema brasileiro de impostos, o mais opaco,
complexo e custoso do mundo. A própria PEC abre caminho a correções futuras de
rumo, por meio de nova legislação prevista.
Qualquer discussão sobre a reforma não pode
esquecer o fundamental: ela extingue as duas principais distorções tributárias
que drenam produtividade da economia brasileira. Primeira: a cobrança de
impostos em cascata. Ninguém paga apenas a alíquota declarada nas notas
fiscais. Há tributos embutidos jamais explícitos. Os dois novos impostos
criados pela reforma — o federal CBS e o estadual/municipal IBS — ficarão fora
da base de cálculo em todas as transações, seguindo o modelo consagrado de
Imposto sobre Valor Adicionado. Isso permitirá aos empresários abater o que já
foi pago do que ainda deve ser (fim da cobrança em cascata) e deixará evidente
ao cidadão quanto imposto sai de seu bolso.
A segunda distorção é o recolhimento de
impostos no estado de origem dos produtos e serviços, e não no destino, onde o
consumo ocorre — daí deriva a guerra fiscal, com estados oferecendo isenções e
alíquotas mais atraentes a quem neles produzir. Com a cobrança no destino e a
unificação das alíquotas, essa distorção desaparecerá, havendo ganho de
eficiência para a economia.
O que historicamente travou toda tentativa
de reforma foi a resistência de estados e municípios que vislumbram perda de
arrecadação ou que desejam manter incentivos para preservar setores de sua
economia. O texto de Ribeiro propõe mecanismos de compensação para tais perdas
ao longo do tempo, e o debate recente tem se concentrado em torno deles. Outra
queixa vem do setor de serviços, que também reivindica formas de compensar suas
perdas, pois, ao contrário da indústria, não tem insumos a abater da base de
cálculo. Por óbvio, qualquer acordo não pode manter uma situação que torne
inviável o fim da cobrança em cascata.
A proposta de Ribeiro, oriunda de ideias do
economista Bernard Appy, prevê um prazo longo para a transformação do sistema
tributário brasileiro — a implantação começaria em 2026 e só estaria encerrada
em 2033. Os novos impostos conviverão com os antigos, de modo a permitir
calibragem das alíquotas sem afetar a carga tributária total. Obviamente todas
essas balizas precisarão ser respeitadas, do contrário se perpetuará a
iniquidade do sistema atual sem que o novo prevaleça.
Ribeiro abriu diversas exceções para
facilitar a tramitação num Congresso repleto de lobbies. Deixou de lado
programas de subsídio (Simples e Zona Franca de Manaus), reduziu a alíquota
pela metade ou a zero em casos como saúde e educação, permitiu cobrança maior
de produtos nocivos como álcool ou cigarro e criou regras especiais para
combustíveis, serviços financeiros e seguros. Mesmo que algumas exceções possam
ser justificáveis, elas não condizem com o espírito simplificador da reforma.
Se, porém, forem o preço a pagar pela modernização do sistema tributário
brasileiro, terá valido a pena.
Roberto Jefferson é prova da leniência do
governo Bolsonaro com armamento
O Globo
Mesmo preso, ex-deputado comprou pistola,
carabina e munição. Tudo legalmente. Aí recebeu a polícia a tiros
Talvez não haja exemplo mais eloquente da
leniência com a compra e posse de armas no governo Jair
Bolsonaro que o ex-deputado Roberto
Jefferson. Bolsonarista, Jefferson demonstrou pequena parte de seu
poder de fogo quando, em outubro passado, recebeu a tiros e granadas uma equipe
da Polícia Federal que foi prendê-lo em casa, na cidade de Levy Gasparian,
interior do Rio. Ele descumprira medidas cautelares estabelecidas no inquérito
das milícias digitais, e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes determinara
que deixasse a prisão domiciliar e fosse levado de volta à cadeia. Por sorte,
só uma policial se feriu com os disparos de Jefferson, sem gravidade.
O inventário do armamento dele é a prova de
como os controles sobre as armas foram relaxados. Jefferson se registrou em
2005 como CAC (sigla de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador). Nessa
condição, formalmente em prisão domiciliar, comprou em setembro de 2022 a
carabina Smith & Wesson calibre 5,56, espécie de fuzil, com que atirou
contra a PF. Registrou a arma também junto ao Exército, responsável pelo
controle dos CACs. Mesmo tendo sido condenado a sete anos e 14 dias de prisão
pelo STF no processo do mensalão do PT, em 2014, Jefferson continuou com seu
registro de CAC, revalidado em fevereiro de 2021. E não foi só isso.
Em 22 de dezembro de 2021, quando ainda
estava oficialmente preso no Complexo de Gericinó, sob acusação de incitação ao
crime, ameaça às instituições e homofobia, Jefferson comprou uma pistola 9 mm,
como atesta nota fiscal. A legislação leniente permitiu ainda que, depois de
incorporar a carabina Smith & Wesson a seu arsenal, adquirisse 150
cartuchos de pistola 9 mm, em Brasília.
O absurdo de permitir a um preso comprar
armas é o exemplo extremo da liberalidade que, entre 2019 e 2022, concedeu a
695.721 cidadãos o registro de CAC. Foram nada menos que 477 novos donos de
armas legalizadas por dia. No último ano de governo houve uma corrida às armas:
foram expedidas 46% de todas essas autorizações. De 117.467 até 2018, os CACs
passaram a 813.188 no final da gestão bolsonarista, um aumento de quase 600%.
Cada CAC que obteve seu registro antes do governo Lula pôde adquirir várias
armas, algumas de grosso calibre.
No recadastramento realizado pela PF desde
o início deste ano, foram contadas 933 mil armas legais. Boa parte delas vai
parar nas mãos de criminosos. Depois do recenseamento, já foram presos mais de
uma centena de suspeitos de crimes diversos que não haviam recadastrado seus
armamentos. Deve haver muito mais.
Ao assumir, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva revogou os decretos armamentistas de Bolsonaro, que também foram
julgados e declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
para que ninguém mais tente editá-los. O desafio agora é desarmar a população.
Ensino médio urgente
Folha de S. Paulo
Com resultados da consulta pública, MEC
precisa dar continuidade ao novo modelo
A reforma do ensino médio foi sancionada em
2017 e, quatro anos depois, definiu-se o cronograma de implementação que previa
a conclusão em 2024. No entanto, devido a críticas de professores, alunos e
gestores, o Ministério da Educação suspendeu a continuidade do programa em
abril deste ano.
Abriu-se consulta pública, que se encerra
nesta quinta-feira (6). Na segunda (3), o Conselho Nacional dos Secretários de
Educação entregou sugestões ao MEC. No geral, os gestores apoiam o novo modelo,
o que é bem-vindo, e as proposições obedecem ao bom senso.
A principal alteração seria na grade
curricular. Antes da reforma, os três anos do ensino médio tinham 2.400 horas
de disciplinas tradicionais obrigatórias, como matemática e português, para
todos os alunos.
No novo modelo, são 3.000 horas, sendo 1.800
para as tradicionais e 1.200 para os chamados itinerários formativos,
com matérias de escolha dos estudantes.
O Consed pede que 300 horas dos itinerários
sejam flexíveis e possam ser usadas, a partir das necessidades de cada estado,
para incremento das disciplinas obrigatórias.
Os itinerários foram o principal alvo das
críticas que levaram à suspensão do programa. A inovação, afirmam
especialistas, é necessária
para enfrentar o flagelo da evasão escolar —ao direcionar o
ensino para a vida profissional a partir de interesses dos alunos. A teoria,
porém, esbarrou na prática.
As redes de ensino ainda não contam com
estrutura (salas, laboratórios, equipamentos) nem professores suficientes, com
formação específica, para uma
extensão curricular ampla e de qualidade.
Ademais, o aumento da carga horária não
considerou a situação de estudantes que precisam trabalhar, o que pode
contribuir para a evasão —um dos problemas que o novo modelo pretende combater.
Os secretários também sugerem uma base
comum de itinerários formativos, para orientar a oferta de disciplinas
optativas.
O objetivo é mitigar desigualdades. Ao
diminuir o escopo das disciplinas obrigatórias, sem haver estrutura para as
optativas, alunos da rede pública e de regiões mais carentes podem ser
prejudicados.
Muito já foi investido na reforma e, como
os próprios gestores estaduais afirmam, não faz sentido jogar esse trabalho
fora.
Com sugestões da consulta pública e estudos
baseados em evidências, é possível aparar arestas para a implantação
consistente do modelo, pelo bem dos 7,9 milhões de jovens que atualmente cursam
o ensino médio no país. Isso precisa ser feito com urgência.
O opositor Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Ex-presidente volta ao debate público com
mistificação contra reforma tributária
Derrotado por margem mínima na disputa pelo
Planalto, Jair Bolsonaro (PL) seria candidato natural a líder da oposição, não
estivesse mais ocupado com as questões que acabaram por torná-lo inelegível. Ao
voltar agora ao debate público, o ex-presidente não exibe mais que mistificação
demagógica.
Bolsonaro
decidiu atacar a "reforma tributária do PT", que chamou de
"soco no estômago dos mais pobres" —porque, segundo sua diatribe,
"aumenta de forma absurda os impostos da cesta básica" e prevê um
imposto seletivo sobre produtos prejudiciais à saúde, hoje já sobretaxados.
Essa não é a linha de argumentação de
alguém que pretenda debater a sério o projeto que a
Câmara dos Deputados busca votar nesta semana. Trata-se tão somente
de um pretexto para fustigar o governo —infelizmente, valendo-se de um tema de
interesse nacional.
A reforma não é do PT. O texto em análise
tem como base proposta de emenda constitucional apresentada em 2019 pelo
deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que recebeu contribuições de diferentes
especialistas e forças políticas.
Mais importante, as linhas gerais do
projeto, que busca a simplificação dos tributos sobre o consumo, estão em
discussão pública desde os anos 1990. Todos os governos eleitos desde então ao
menos tentaram fazer a mudança avançar, inclusive o de Bolsonaro.
A tributação dos alimentos da cesta básica
é de fato um aspecto controverso da reforma, que procura acabar com a
infinidade de alíquotas e regimes especiais hoje existentes. A solução proposta
é devolver em dinheiro o imposto pago pelas famílias mais pobres.
Pode-se talvez questionar a viabilidade da
medida, contestada por supermercados, ou imaginar alternativas. Fato é que um
único dispositivo não constitui motivo para se opor à reforma inteira.
Bolsonaro faz ainda alegações vagas sobre
supostas perdas para estados e municípios, além de recorrer à costumeira
prática da lorota deslavada ao mencionar "o fantasma da taxação do
Pix".
O ex-mandatário revive a conduta dos tempos
de parlamentar nanico e exótico —menos danosa, diria um otimista, que a de
líder golpista. O problema é que está à frente do partido com maior número de
cadeiras na Câmara, ainda que nem todos os 99 deputados do PL venham a seguir
seu comando.
Lamentavelmente, suas chances de atrapalhar ou parecer que atrapalha a reforma não são pequenas, tantas são as resistências à mudança dos impostos. O debate, já complexo, agora fica mais tumultuado.
O esperneio estatizante do PT
O Estado de S. Paulo
Inconformado por perder no voto, PT apela para o Judiciário para tentar reverter a privatização da Copel e da Eletrobras, em franco desrespeito a decisões legislativas democráticas
Em mais uma tentativa de desqualificar a
função legislativa, o PT ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade
(Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a privatização da Copel,
companhia de energia do Paraná, que segue o mesmo modelo adotado para a
Eletrobras. Ocorre que o processo foi aprovado pelos deputados estaduais
paranaenses não apenas em um, mas em três turnos de votação, e por ampla
maioria.
Mas os petistas querem agora um quarto
turno, no Supremo, conforme deixou claro o deputado Arilson Chiorato (PT) ao
final das sessões da Assembleia Legislativa do Paraná que legitimaram a
operação do governo estadual: “A partir do ano que vem, nós vamos retomá-la (a
Copel) na Justiça, pelo governo federal”, anunciou o líder da oposição depois
de sacramentada a derrota no Legislativo local, em novembro do ano passado.
Fiava-se o deputado no apoio do governo de
Lula da Silva, que acabara de ser eleito para o terceiro mandato. Por um
instante, Lula deu a impressão de que contrariaria essa expectativa, ao pedir,
pouco depois da posse, em janeiro, que os partidos da base governista deixassem
de “judicializar a política”. Aos líderes aliados, o presidente disse: “A gente
perde uma coisa no Congresso e, ao invés de a gente aceitar a regra do jogo
democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado,
a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar”.
Para o Lula de então, esse “método de fazer política” faz com que o Judiciário
“fique legislando no lugar do Congresso”.
O Lula de agora, contudo, nada diz sobre a
judicialização da política promovida por seu partido para reverter a
privatização da Eletrobras e da Copel. Na prática, quer que o Judiciário
legisle em favor de sua agenda estatizante, rejeitada em votações legislativas
democráticas.
Não por coincidência, a ação no caso da
Copel usa argumentos semelhantes aos apresentados pela Advocacia-Geral da União
(AGU) na ação de inconstitucionalidade, que tramita também no STF, questionando
critérios da capitalização da Eletrobras. Ardilosamente, o governo alega não
estar pedindo na Justiça a reestatização. Mas, na prática, está sim.
Como já dissemos muitas vezes neste espaço,
a prática perniciosa da judicialização da política, promovida por partidos
derrotados no voto, não deveria passar sequer pela triagem dos requerimentos do
Supremo. Mas não é isso o que se vê. Os pedidos não somente são acatados, como
decisões liminares lhes conferem a legitimidade que não têm.
Foi esse o caso, por exemplo, da Adin que o
PCdoB moveu contra a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) para questionar os
dispositivos restritivos à indicação de políticos para cargos de direção em
estatais. A finalidade da lei era a de evitar o uso político dessas empresas
como um cabide de emprego de aliados do poder. Malgrado não haver qualquer
afronta à Constituição na lei – pelo contrário, tratava-se de reafirmação do
espírito constitucional de proteção da coisa pública –, a matéria foi levada à
análise do STF e obteve do ministro Ricardo Lewandowski, hoje aposentado, uma
liminar suspendendo o trecho que impedia ministros de Estado e secretários
estaduais e municipais de atuarem em diretorias e conselhos de administração de
estatais. O julgamento da ação segue suspenso.
A marcha petista para reverter, na marra,
decisões tomadas por parlamentares eleitos legítima e diretamente pela
população é, acima de tudo, antidemocrática na essência. Por esse motivo o
Judiciário deveria rejeitar liminarmente qualquer iniciativa dos partidos
derrotados, salvo se estivermos diante de flagrante inconstitucionalidade, o
que não acontece em nenhum desses casos.
No exemplo específico de Eletrobras e
Copel, foram dois longos processos de discussão. A iniciativa de privatização
da Copel remonta ao início dos anos 2000, lá se vão mais de duas décadas. Já a
resolução que inseriu a Eletrobras no Programa de Parcerias de Investimentos é
de 2017, mas sua discussão começou anos antes. Foram debatidas, votadas,
aprovadas e sancionadas. Têm de ser respeitadas.
A tragédia oculta dos jovens na pandemia
O Estado de S. Paulo
Pesquisa que mostra os impactos da covid-19
sobre os jovens no mundo indica que a negligência no Brasil foi mais grave e
exigirá esforços em diversos níveis para repará-la
Graças aos céus o vírus poupou, em geral,
as crianças e adolescentes. Passados os momentos iniciais de incerteza, ficou
evidente que os riscos da covid-19 eram proporcionais à idade. Mas o que era um
ativo sanitário acabou se provando um passivo social. O fechamento das escolas
é o maior exemplo. No pânico inicial, essa era uma precaução indisputável. Ao
longo do tempo, contudo, quando já estava evidente a baixa vulnerabilidade dos
jovens, acabou se mostrando uma opção cômoda – e irracional – para os gestores
públicos, enquanto concentravam esforços nos serviços de saúde e na recuperação
econômica. Mas as consequências, como diz o vulgo, vêm depois.
A interrupção prejudicou não só a
aprendizagem, mas o acesso à alimentação e ao lazer. O impacto foi maior para
os mais pobres, que encontram na escola o principal espaço para essas
atividades. Mas o fechamento das escolas é só o exemplo mais palpável de uma
negligência generalizada para com essa faixa da população, que, se não for
sanada, resultará em prejuízos de longo prazo.
O fenômeno foi global. É o que constata um
relatório que apresenta o primeiro estágio do grupo de pesquisa PANEX-Youth,
formado por um consórcio de universidades que se dedicará por dois anos
(2022-24) a avaliar o impacto da pandemia sobre os jovens.
No Brasil, o efeito do fechamento das
escolas foi mais grave, por quatro motivos. Primeiro, porque antes da pandemia
as taxas de aprendizagem e evasão já eram cronicamente ruins, e a conjuntura
econômica prejudicava a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Essas
condições foram agravadas, em segundo lugar, pela anomia do governo Jair
Bolsonaro nas políticas educacionais. Terceiro, já na pandemia, o negacionismo
de Bolsonaro perturbou medidas que garantiriam um retorno mais rápido e seguro
à normalidade, notavelmente a vacinação. Por fim, a pandemia agravou a
defasagem das escolas no uso de novas tecnologias, prejudicando especialmente
os mais pobres, dependentes de um ensino público mal preparado e carentes de
dispositivos digitais para prosseguir sua educação a distância. Somem-se a isso
as dificuldades experimentadas por suas famílias, como o desemprego e a fome.
Para ilustrar o tamanho da negligência,
enquanto na França (que, como outros países europeus, adotou confinamentos
muito mais duros do que no Brasil), as escolas ficaram totalmente fechadas por
7 semanas e parcialmente por 5, no Brasil ficaram, respectivamente, por 38 e 41
semanas. A interrupção aqui foi uma das mais longas do mundo e a nenhum outro
segmento foram impostas tantas e tão longas restrições.
Em geral, os lockdowns impactaram
significativamente a condução de exames e avaliações. Os cursos técnicos foram
especialmente prejudicados, por causa das dificuldades de comunicar habilidades
práticas online. As desigualdades digitais aumentaram. Em todos esses âmbitos
já havia defasagens no Brasil antes da pandemia, e ela só as agravou – mais uma
vez, com danos desproporcionais aos mais pobres.
Baseados em suas avaliações preliminares,
os pesquisadores concluem com 5 recomendações para, a um tempo, sanar as
sequelas dessa pandemia e criar resiliência para as próximas: 1) manter as
crianças e jovens no centro das políticas de prevenção; 2) priorizar a atenção
às vozes ocultas e experiências dos jovens, especialmente os mais pobres; 3)
reconhecer que as escolas desempenham um papel crucial como núcleos de cuidados
e cidadania; 4) reconhecer a importância da brincadeira e do lazer como
direitos fundamentais dos jovens; e 5) respostas mais estruturadas e sistêmicas
às múltiplas dimensões do risco nas políticas nacionais, com base em uma
avaliação rigorosa do que funcionou e do que falhou na pandemia.
São recomendações gerais e em certa medida óbvias, que, por isso, pareceriam, a um primeiro olhar, dispensáveis. Mas não são. Primeiro, porque, em geral, a negligência com os jovens mostra que não estar no grupo de risco pode ser um risco. Segundo, porque, especificamente no caso do Brasil, essa negligência foi maior e exigirá maiores esforços para repará-la.
Imoralidade ‘dentro da lei’
O Estado de S. Paulo
Tribunal de Justiça de Goiás dribla teto
salarial com aval do Legislativo e do governo do Estado
O Estadão revelou um escândalo. O Tribunal
de Justiça de Goiás (TJ-GO) proporciona a seus juízes os maiores salários do
País, com valores que ultrapassam em muito o teto constitucional. Por força de
penduricalhos e regras específicas, os 450 magistrados do TJ-GO têm remuneração
média líquida de R$ 78,5 mil. Segundo levantamento do jornal, trata-se da maior
média de todos os 84 tribunais que já apresentaram dados ao Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) neste ano.
No entanto, escândalo ainda maior foi a
resposta do TJ-GO ao Estadão. Em nota, o tribunal disse que “cumpre
rigorosamente a lei”, sempre observando “a normatização vigente para o
pagamento de seus magistrados, servidores e colaboradores”. Ou seja, a obtenção
de toda a mamata – por exemplo, em maio deste ano, quase 200 juízes goianos
receberam mais de R$ 100 mil – não foi fruto de uma manobra oculta, operada
longe dos olhos do público. O descaramento foi de tal ordem que usaram a
própria lei para incluir privilégios.
Uma das regalias foi aprovada em março
deste ano. A pedido do presidente do TJ-GO, Carlos Alberto França, a Assembleia
Legislativa do Estado de Goiás (Alego) aprovou um projeto de lei que transforma
gratificações de cargos e funções comissionadas em verbas indenizatórias,
permitindo que os valores sejam pagos acima do teto remuneratório e estejam
livres de Imposto de Renda. A lei foi sancionada pelo governador Ronaldo
Caiado.
Os resultados da nova legislação são
visíveis. Em maio do ano passado, por força do teto constitucional, foram
retidos R$ 458,8 mil. Neste ano, já com a nova lei vigente, foram retidos com
base na regra do abate-teto apenas R$ 61 mil da folha salarial de todos os
magistrados. Ou seja, o TJ-GO conseguiu burlar escancaradamente a regra
constitucional.
Segundo a Constituição de 1988, o valor do
salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – atualmente em R$
41.650,92 – deve servir como um teto para a remuneração de toda a administração
pública. Nenhum servidor pode ganhar mais que um ministro do STF. A regra
constitucional não deixa margens a dúvida. Não poderão exceder o subsídio
mensal dos ministros do Supremo “os proventos, pensões ou outra espécie
remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens
pessoais ou de qualquer outra natureza”, diz o art. 37, inciso XI. No entanto,
a lei de Goiás criou um atalho, dizendo que os valores adicionais não são
remuneratórios, mas indenizatórios. Trata-se de um acinte com a moralidade e
com a Constituição.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo contra as regras do TJ-GO. Cabe ao STF, de forma célere e efetiva, acabar com essa indecência em Goiás. Uma lei imoral e inconstitucional não pode continuar vigente. E o mesmo deve ser aplicado em todo o País. O caso em Goiás não é o único. Muitos juízes e procuradores recebem acima do teto, por força de penduricalhos pretensamente “indenizatórios” que são escandalosamente remuneratórios.
Valorização do campo
Correio Braziliense
Diferentemente do que se podia esperar, o
governo federal está priorizando o agronegócio nos primeiros seis meses de
mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como mostram o anúncio do
Plano Safra para 2023 e 2024 e a decisão de retomar a política de estoques
reguladores de alimentos
Diferentemente do que se podia esperar, o
governo federal está priorizando o agronegócio nos primeiros seis meses de
mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como mostram o anúncio do
Plano Safra para 2023 e 2024 e a decisão de retomar a política de estoques
reguladores de alimentos, que, embora represente despesas e custos com os juros
a 13,75% ao ano, significam a formação de preços mínimos para o produtor em um
momento de queda nas commodities agrícolas. Os dois movimentos fortalecem o
agronegócio brasileiro, hoje o maior exportador de proteína animal e um dos
principais fornecedores de grãos ao mercado mundial.
Para a safra, o governo anunciou a
disponibilidade de R$ 364,22 bilhões, o maior valor da história e representa um
aumento de 27% em relação ao plano anterior. Dos recursos, R$ 272,12 bilhões
vão para custeio e comercialização, enquanto R$ 92,1 bilhões são destinados aos
investimentos. Além do volume recorde, o plano prevê benefícios para produtores
que recuperarem pastagens e para os que adotarem práticas agropecuárias
sustentáveis, com redução das taxas de juros. Os recursos vão financiar a
agricultura e a pecuária com a perspectiva de sustentabilidade, o que é uma inovação
e de certa forma fortalece a preparação do agronegócio brasileiro para competir
no mercado internacional com países que tentam impor restrições ao Brasil com
conotação ambiental.
Mais do que garantir o fortalecimento da
agropecuária empresarial, o governo retomou a destinação de recursos para a
agricultura familiar, com o Plano Safra para os pequenos produtores,
totalizando R$ 77 bilhões, um volume 34% maior do que o destinado na safra
passada e também o maior da história. Com isso, o governo atende não apenas aos
grandes produtores, mas também a agricultura familiar dentro de uma política de
segurança alimentar, com redução das taxas de juros para os que produzirem
alimentos como arroz, feijão, mandioca, tomate, leite e ovos, entre outros. Há
ainda recursos para produtores rurais de baixa renda e em situação de pobreza.
O campo agradece. No total, serão destinados para a safra 2023/2024 mais de R$
440 bilhões. Isso sem contar recursos disponibilizados pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
E a atenção com o agronegócio brasileiro,
sobretudo com o pequeno ruralista, foi reforçada com a retomada, depois de seis
anos, da formação de estoques públicos, que atuam como reguladores de preços,
pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A primeira compra anunciada,
de 500 mil toneladas de milho ao custo de R$ 350 milhões, busca regularizar a
comercialização do produto, travada pela queda de preço da saca neste ano. O
valor da saca de 60 quilos caiu de um patamar entre R$ 75 e R$ 80 no ano
passado, para R$ 50 a R$ 60 no início de maio e chegou ao mínimo de R$ 32,78.
Com a operação, o governo garante preço mínimo de R$ 42,16 por saca —
considerando a divisão do valor pelo total de sacas previstas — e evita o risco
de desabastecimento do produto em granjas e na indústria.
Estoques reguladores protegem os pequenos produtores das quedas bruscas de preços e a população nos momentos de elevação rápida no valor dos produtos. Tanto o valor destinado para a safra quanto a recomposição dos estoques públicos, que certamente contarão com outros itens, afastam a descabida perspectiva de que o governo Lula trataria o agronegócio com viés ideológico em função da posição dos produtores rurais nas eleições. Não, definitivamente, não há e nem poderia haver viés ideológico do governo no trato com o setor agropecuário. O que o país precisa neste momento é exatamente de uma integração de todas as forças para assegurar a retomada firme do crescimento econômico.
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