Valor Econômico
Indivíduos com menor renda pagam taxas de
juros mais elevadas, independentemente da classificação de risco do cliente
No artigo publicado no mês anterior
neste Valor Econômico,
abordei a temática da expansão e simplificação da portabilidade dos serviços
bancários como um meio de estimular a competição entre instituições financeiras
e, consequentemente, de contribuir para a redução dos altos custos de crédito
no país. Neste novo artigo, exploro com mais detalhe o mercado de crédito
pessoal no Brasil.
Realizei o estudo “Consumer Loans, Heterogeneous Interest Rates, and Inequality”, em colaboração com Marco Bonomo (Insper), Fernando Chertman (Banco Central), Amanda Fantinatti (FGV-SP), Andrew Hannon (Universidade de Cambridge) e Cézar Santos (IDB). Foi utilizada uma amostra representativa de 1,36 milhão de pessoas no Brasil, que contrataram diversos tipos de empréstimos bancários no período entre 2013 e 2019. Os dados para nossa análise foram obtidos do excelente Sistema de Informações de Crédito (SCR) do Banco Central do Brasil.
Neste estudo, focamos em duas modalidades
de empréstimos que, em conjunto, representam 50% dos empréstimos de recursos
livres concedidos a pessoas físicas. Essas modalidades são: o crédito pessoal
não consignado, o qual, para simplificação, chamamos de crédito pessoal, e o
crédito pessoal consignado, ao qual denominamos crédito consignado. O crédito
pessoal está disponível para todos os indivíduos, enquanto o crédito consignado
é uma modalidade na qual as parcelas são descontadas diretamente da folha de
pagamento ou benefício previdenciário do contratante. A maioria dos tomadores
de crédito consignado é composta por aposentados e funcionários públicos.
Durante o período analisado, constatamos
que as taxas médias de juros nas operações de crédito pessoal apresentaram um
patamar cinco vezes mais elevado em relação ao crédito consignado. Enquanto o
crédito pessoal registrou uma taxa média de 140% ao ano, o crédito consignado
apresentou uma taxa média de 28% ao ano. Além disso, observamos uma
significativa disparidade na variabilidade das taxas de juros entre as duas modalidades.
Medida pelo desvio padrão, a variabilidade no crédito pessoal foi 17 vezes
maior do que no crédito consignado. Quanto aos empréstimos em atraso há mais de
90 dias, os dados revelaram que a taxa de inadimplência no crédito pessoal é
três vezes superior (6%) em comparação ao crédito consignado (2%).
Essas discrepâncias podem ser explicadas
pelo fato de que o crédito consignado possui uma garantia mais robusta para os
bancos, uma vez que os pagamentos são descontados diretamente do salário dos
trabalhadores ou dos benefícios de aposentadoria.
Por meio de análises de regressão
multivariada, demonstramos que as taxas de juros nas duas modalidades de
crédito variam consideravelmente de acordo com a renda das pessoas. Mesmo
levando em consideração variáveis de controle relacionadas aos empréstimos,
como prazo e valor, assim como atributos individuais dos consumidores, como
idade, gênero, raça, ocupação e educação financeira, além do score de crédito
ou probabilidade de inadimplência, constatamos que os indivíduos de baixa renda
são confrontados com taxas de juros significativamente mais altas em comparação
com os indivíduos de alta renda.
Pode-se argumentar que essa relação inversa
entre as taxas de juros dos empréstimos e a renda dos indivíduos decorre de um
maior risco associado aos indivíduos de baixa renda. No entanto, nossos
resultados revelam que, mesmo ao considerar regressões que se concentram em um
mesmo score de crédito, os indivíduos com menor renda pagam taxas de juros mais
elevadas, independentemente da classificação de risco do cliente. Isso indica
que a disparidade nas taxas de juros não pode ser atribuída exclusivamente a
diferenças no perfil de risco dos indivíduos.
Com o objetivo de estimar uma taxa de juros
de mercado livre de risco para empréstimos no Brasil, utilizamos uma abordagem
em que descontamos a probabilidade esperada de inadimplência da taxa de juros
de captação dos bancos, assumindo que a taxa de recuperação do crédito
inadimplido é nula. Em seguida, subtraímos essa taxa livre de risco da taxa de
juros contratada, o que chamamos de “cunha de juros”.
A cunha de juros para as duas modalidades
de crédito e por faixas de renda são mostradas no gráfico. Para indivíduos que
recebem entre 1 e 2 salários mínimos, observamos que a cunha de juros do
crédito pessoal é de 93 pontos percentuais, enquanto que para as pessoas que
ganham mais de 20 salários mínimos esta cunha de juros é de 56 pontos
percentuais - ou 60% menor. No caso do crédito consignado, a cunha é de cerca
de 20 pontos percentuais para indivíduos que ganham entre 1 e 2 salários
mínimos, e de 17 pontos percentuais para aqueles que ganham mais de 20 salários
mínimos.
Compreendemos que existem diversos motivos
para as disparidades nas taxas de juros entre diferentes faixas de renda, que
vão além do escopo do nosso estudo. No entanto, é fundamental debater as causas
e os efeitos dessa heterogeneidade no cenário brasileiro, dada a nossa alta
desigualdade social. Nossa pesquisa revela impactos significativos no consumo e
bem-estar, especialmente para as famílias mais pobres, decorrentes de
iniciativas que efetivamente e sustentavelmente reduzam o custo dos empréstimos
pessoais no país.
*Tiago Cavalcanti é professor
titular de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP
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