Folha de S. Paulo
Prefeitos, alguns governadores e muitas
empresas querem manter situação atual ou privilégios
A votação da reforma
tributária encrencou nos últimos dias porque pelo menos dez
governadores querem mudar a maneira pela qual será distribuída a
receita do novo imposto estadual unificado sobre o consumo de quaisquer bens e
serviços. Isto é, o IBS, Imposto
sobre Bens e Serviços, que vai substituir ICMS e ISS.
Tarcísio
de Freitas (Republicanos-SP) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO)
lideram a pressão. A dúvida é saber se o problema é mesmo esse, o método de
repartição, ou se querem adiar ou derrubar a reforma. Caiado, aliás, não quer
mudança estadual alguma.
Lobbies empresariais marcam parlamentares
corpo a corpo e agradecem a oportunidade de ter mais tempo para cavar um favor
ou até derrubar a reforma, como
também o querem associações de prefeitos.
Nas audiências públicas sobre o assunto, no Congresso, montes de representantes empresariais disseram que eram "a favor da reforma", desde que o caso deles fosse tratado de modo especial. Parecia piada.
Sim, setores que pagam menos vão pagar
mais. Esse é um objetivo da reforma. De resto, dada a mixórdia que é o sistema
tributário, é rara a empresa que sabe com precisão quanto está pagando (pois
paga imposto embutido em insumos que consome, sem saber bem quanto e não tem
crédito, compensação).
Por ora, está em jogo a aprovação dos
princípios essenciais da reforma: um só modelo nacional de imposto sobre
consumo, sobre valor agregado, não cumulativo, com alíquotas uniformes ou
quase, com poucas exceções, fim de benefícios locais para setores econômicos
(fim da guerra fiscal).
Ainda haverá definição grande e importante
na lei complementar de 2024 que vai regulamentar a mudança, a começar pelo
tamanho das alíquotas. Daí também o motivo de receios.
A arrecadação e a distribuição do IBS
ficariam a cargo de um Conselho
Federativo, constituído por estados, grande novidade na Constituição e na
federação brasileira. A reforma tributária define regras que vão pautar os
procedimentos do Conselho, de repartição de receita entre estados e municípios,
e de transição para o sistema novo, que vai levar décadas.
São Paulo quer que cada estado continue a
cuidar da arrecadação e, dadas as novas regras, repassem o que devem a outras
unidades da federação. Isso complica o sistema, dificulta a compensação
(créditos) de impostos para empresas e, no limite, pode resultar em calotes.
Mas certos estados temem levar um golpe
também —ao menos é o que dizem dois secretários de Fazenda. Por quê? O Conselho
vai regular assuntos infralegais, tomar decisões coletivas sobre querelas e
poderá propor leis para tratar de tributação. Esses estados acham que podem ser
criadas regras que os prejudiquem e que "tirem sua autonomia". Mais
não explicam.
Um objetivo
central da reforma tributária é mesmo tirar a autonomia de estados e
prefeituras de concederem favores a empresas, de financiar negócios via
impostos e de criar regras confusas. Tudo isso cria ineficiências
econômicas.
Uma decisão de investimento produtivo não é
fundamentada no princípio do maior retorno se leva em conta o tamanho da
isenção especial de imposto que vai ganhar ou se é baseada em tentativas de
driblar as loucuras da lei a fim de pagar menos tributos.
O quanto possível, os impostos devem ser
uniformes, não importa o setor, e não podem prejudicar o cálculo da decisão
produtiva mais rentável, em termos econômicos.
A reforma é fundamental para o país. Um
espanto, tem o apoio de tributaristas, empresários, economistas e ex-altos
funcionários públicos, da esquerda à direita, a elite civilizada, que assinaram
uma carta em defesa da mudança, uma conjunção rara de se ver. Quem não
assina? Quem quer manter o seu caso especial e bolsonaristas.
Um comentário:
Sempre eles.
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