O Estado de S. Paulo
Não temos um método claro que permita ao cidadão sopesar o acerto ou desacerto das decisões tomadas por sucessivos governos
Merece copiosas congratulações o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, pelo afinco que tem dedicado à boa gestão das contas
do governo e ao fato de ter colocado a reforma tributária no topo da agenda
pública.
Infelizmente – e quanto a este ponto não cabe referência alguma à gestão do ministro Haddad – é que não temos debatido em profundidade o outro lado da moeda: a questão do gasto público. Temos ótimos especialistas na matéria, mas, salvo melhor juízo, não temos conseguido fazê-la chegar aos corações e mentes do povão. Com vistas a tal objetivo, parece que nem temos um método claro, compreensível, que permita ao cidadão sopesar o acerto ou desacerto das decisões tomadas por sucessivos governos. Como leigo na matéria, o que proponho fazer neste artigo é um exercício singelo, que requer apenas um mapa e instrumentos escolares de desenho.
Tomemos como referência o Estado de São Paulo
e a mescla de dinheiro público e privado aplicada na construção de estádios
(“arenas”, como se diz hoje em dia) de futebol. Se, partindo da capital,
traçarmos uma circunferência com 200 quilômetros de raio, teremos: na capital,
o Itaquerão (o estádio do Corinthians), o Morumbi (do São Paulo) e o Allianz
Parque (do Palmeiras), e a Arena Barueri, ao que parece em tratativas para
definir a que clube caberá. Deixo de lado o antigo e simpático estádio da
Portuguesa de Desportos, edificado décadas antes da era das “arenas”, por não
ter informações atualizadas sobre sua situação atual. Em Campinas, temos dois,
o do Guarani e o da Ponte Preta; em Santos, a Vila Belmiro, de tantas
histórias, e não nos esqueçamos de Bragança Paulista, que projetou notavelmente
o Red Bull Bragantino no Brasileirão de 2023. Excluo também Volta Redonda, uma
vez que os clubes do Rio é que costumam mandar seus jogos lá.
Numa contagem rápida, chegamos a oito arenas. Oito! Vejam só a dimensão dessa carência! Já pensaram se um dia as autoridades esportivas mandarem para cá oito clássicos, para serem realizados ao mesmo tempo? Um Corinthians vs. Santos no Itaquerão, um São Paulo vs. Palmeiras no Allianz Parque, um Fla vs. Flu no Brinco de Ouro da Princesa?! A imprensa internacional não nos poupará. Cairemos na chacota por sermos um país pobre e desprovido de técnicos habilitados para planejar uma coisa tão simples.
Mas, vejam bem, a falta de tirocínio às vezes
opera no sentido contrário. Temos dois aeroportos, o internacional, em
Guarulhos, e o doméstico, em Congonhas. No que toca ao volume de tráfego,
suponho que correspondam às necessidades de uma supermetrópole como São Paulo.
Se houver previsão de chuva forte, um viajante que se dirija ao exterior
precisará ser precavido, saindo de casa com bastante antecedência. Mas, enfim,
dá-se um jeito. O caso de Congonhas parece-me mais complicado, não pelo volume
do trânsito, mas pela mais que óbvia existência de uma excelente alternativa.
Viracopos, ora pois! Adivinho que alguns leitores já estão esbravejando.
Construir uma ferrovia até Viracopos? Já imaginou a fortuna e a corrupção que
tal projeto envolverá? Ora, caríssimos, pensem no lado positivo da coisa. Ao
chegar de táxi à estação ferroviária sediada aqui na capital, o passageiro
poderá embarcar de imediato. A funcionária da companhia aérea já lhe entregará
o bilhete de embarque, com o número do assento que vocês já terão escolhido
pela internet. Sua bagagem irá direto para a aeronave! Ah, mas é muito longe,
dirão alguns. Não, não é. O Aeroporto Internacional de Belo Horizonte dista 42
quilômetros da capital mineira, a mesma distância do aeroporto de Estocolmo.
Não sei se o da capital sueca já tem metrô ou trem, o de Belo Horizonte, com
certeza não. Ou seja, o projeto Viracopos poderá ser implementado em pouco
tempo e com alta qualidade.
Peço vênia para considerar mais um aspecto.
Sabemos todos que São Paulo tem muitas áreas de lazer, mas entre meus
conhecidos nem um pensa que as temos em quantidade suficiente. Áreas
ajardinadas, com simpáticos quiosques, bancos de madeira, pistas para bicicletas
e mesmo pequenos recantos para música (sem exagerar no volume, por favor!),
quantas temos? Um breve sobrevoo da cidade em helicóptero poderia aduzir
informações valiosas sobre a localização de tais áreas. Estará a zona leste tão
bem suprida como a zona oeste? A distribuição delas está justa, ou, quem sabe,
contém um viés de classe, beneficiando mais a classe média alta que a baixa e
as camadas de baixos rendimentos?
Toda vez que reflito sobre este assunto,
vem-me à mente uma monstruosidade branca, de puro cimento, que atende pelo
pomposo título de Memorial da América Latina. Já ouvi de vários arquitetos que
essa questão nem deve ser discutida, uma vez que o projeto do memorial contou
com a assinatura de um dos maiores gênios da forma arquitetônica! Um gênio
universal, orgulho do Brasil nos quatro cantos do mundo. Pode ser, mas, se tal
responsabilidade caísse em meu colo, eu o demoliria sem pestanejar. E lá
ergueria um aprazível parque ajardinado, com quiosques e bancos de madeira.
*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é
membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
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