O Globo
Parcela significativa dos brasileiros
acredita que as eleições presidenciais foram fraudadas
Peço desculpas ao leitor por retomar o
assunto 8 de Janeiro, mas a pesquisa AtlasIntel divulgada no começo da semana
traz dados preocupantes que merecem comentário. Ao contrário das pesquisas
Quaest e Datafolha, que mostraram apoio bastante baixo à invasão das sedes dos
três Poderes, a da AtlasIntel mostrou sustentação relevante. E também traz
pistas que podem explicar por que isso acontece.
Enquanto a pesquisa Quaest registrou apoio de apenas 6% à invasão do Congresso, Palácio do Planalto e STF, a Atlas mostrou 15% de concordância com a ocupação dos três Poderes. A diferença entre as duas pesquisas, 9 pontos percentuais, é grande, acima da margem de erro, e merece análise.
Se a diferença fosse menor, mais perto das
margens de erro, poderia ser explicada pela precisão das diferentes
metodologias. Enquanto a Quaest faz entrevistas presenciais domiciliares, a
AtlasIntel usa uma metodologia de recrutamento digital.
Até pouco tempo atrás havia um entendimento
consolidado de que as entrevistas domiciliares eram mais precisas e constituíam
o “padrão ouro” do mercado. Porém, nas últimas eleições, a metodologia da
AtlasIntel tem surpreendido, apresentando resultados mais precisos que os
obtidos com entrevistas presenciais, usadas tanto pela Quaest como pelo Ipec
(antigo Ibope).
Outra possível explicação para a diferença
nos números seria a formulação das perguntas. Enquanto a Quaest pergunta se há
apoio à “invasão”, termo mais condenatório, a AtlasIntel pergunta se há
concordância com a “ocupação”, termo mais neutro (apesar disso, logo na
pergunta seguinte, a AtlasIntel adota também “invasão”).
Seja o que for, 15% de concordância com os
eventos violentos do 8 de Janeiro é um apoio expressivo — um em cada seis
brasileiros. E não se limita a isso. Quando se pergunta de maneira mais
nuançada se a “invasão” foi justificada, incríveis 29% consideram que sim, em
alguma medida; 15% acham parcialmente justificada; e 14%, completamente
justificada.
A pesquisa tenta entender as causas desse
apoio e como são vistas as consequências dos atos. Impressionantes 38%
acreditam que Bolsonaro ganhou a eleição presidencial de 2022, e não Lula —
acreditam que houve fraude. Entre os eleitores de Bolsonaro, a crença na fraude
eleitoral é de 85%! Vinte e um por cento dos brasileiros acreditam que a
principal razão de os manifestantes terem ocupado o Congresso foi a fraude
eleitoral — entre os eleitores de Bolsonaro, esse entendimento chega a 44%.
Para 28% dos brasileiros e 57% dos eleitores de Bolsonaro, a democracia
brasileira não correu risco algum no 8 de Janeiro. Por fim, 43% dos brasileiros
e 75% dos eleitores de Bolsonaro acreditam que as punições aos participantes do
8 de Janeiro foram exageradas.
As celebrações em Brasília quiseram
passar a imagem de ampla união nacional em defesa das instituições
democráticas, contra o golpismo do 8 de janeiro de 2023. Mas a ausência de
parlamentares e governadores na cerimônia e os números capturados pela pesquisa
AtlasIntel mostram um cenário diferente, um Brasil dividido na avaliação do que
foi o episódio.
Parcela significativa dos brasileiros
acredita que as eleições presidenciais foram fraudadas, que a invasão das sedes
dos Poderes foi, em alguma medida, justificada e que a Justiça foi parcial no
julgamento dos acusados. Considero esse entendimento perigoso e equivocado, mas
ele existe, está aí. Podemos ignorar essa opinião e celebrar, de olhos
fechados, uma unanimidade imaginária que condena o 8 de Janeiro e celebra as
instituições democráticas como são hoje. Mas não escutar a discordância de
tantos brasileiros não nos levará longe.
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