O Globo
Dois documentários jogam luz sobre cunhados que disputaram herança política de Getúlio
Nos 60 anos do golpe de 1964, novos
documentários jogam luz sobre os principais alvos dos militares: João Goulart e
Leonel Brizola.
Herdeiros políticos de Getúlio Vargas, os
dois gaúchos derrotaram o golpismo em 1961, quando Jânio Quadros renunciou e os
generais tentaram impedir a posse do vice-presidente. Brizola peitou os
conspiradores, montou a Cadeia da Legalidade e conclamou o povo a resistir. A
mobilização dividiu o Exército e garantiu a volta de Jango, seu cunhado.
Três anos depois, os generais foram à forra.
Arrancaram Jango da Presidência e cassaram o mandato de Brizola, deputado mais
votado do país e virtual candidato ao Planalto em 1965.
Além de interromper o projeto trabalhista, o golpe separou os dois aliados. Brizola quis resistir, e Jango preferiu partir direto para o exílio. Vencidos, ambos escolheram se refugiar no Uruguai. Apesar da proximidade física, passariam mais de uma década sem se falar.
“Jango no exílio”, de Pedro Isaías Lucas,
mostra como a distância do Brasil abateu o ex-presidente. Proibido de voltar ao
país, ele se sentia humilhado ao ver os filhos serem alfabetizados em espanhol.
Chegou a arrendar um hotel em Montevidéu para abrigar outros perseguidos, mas
se recusava a ouvir planos de insurreição armada no Brasil. “Tu procuras o
Brizola. Eu não estou interessado nisso”, disse a um ex-aliado que foi
visitá-lo.
No melhor depoimento do filme, a historiadora
Denize Goulart descreve o sofrimento que acompanhou o pai: “O exílio é uma
solidão indescritível. Uma dor, uma tristeza que vai corroendo”.
Jango se tornaria o único ex-presidente
brasileiro a morrer no exílio. O Exército tentou impedir que seu enterro, em
São Borja, virasse um ato contra a ditadura. O povo ignorou as ameaças, lotou
as ruas e cobriu o caixão com uma bandeira da Anistia.
“Brizola”, de Marco Abujamra, começa com
cenas da volta do ex-governador ao país. A narração da época informa que ele
havia passado 5.489 dias no exterior — o mais longo exílio já imposto a um
político brasileiro.
O filme reconstitui a tensão que marcou a
campanha da Legalidade. O jovem governador gaúcho se entrincheirou no Piratini
e liderou resistência pelo rádio. Os generais planejaram bombardear o palácio.
Foram sabotados por sargentos legalistas, que retiraram as peças dos aviões.
Brizola quis lutar de novo em 1964, mas
esbarrou na recusa de Jango ao confronto com os militares. “Eles empurraram a
porta, não encontraram nada. Empurraram outras duas portas, não encontraram
resistência nenhuma. E assim foram ocupando toda a casa”, lamenta o
ex-governador, em depoimento gravado em 1987 e reproduzido no documentário.
No exílio, as desavenças só aumentaram.
“Jango adota uma postura mais cautelosa, típica da sua personalidade
conciliadora. E Brizola adota uma postura mais agressiva, típica da sua
personalidade incendiária”, resume o historiador Américo Freire.
O filme sobre o ex-presidente mostra que ele
foi questionado inúmeras vezes pela inação. Sempre respondeu que quis evitar o
derramamento de sangue. “Não resisti porque ia perder, e isso ia virar um
Vietnã”, ouviu dele um jovem Tarso Genro.
Jango e Brizola só voltariam a se ver 12 anos
depois do golpe, em Montevidéu. O gelo foi quebrado no fim de 1976, quando o
ex-presidente apareceu para visitar a irmã, Neusa Goulart Brizola. Não houve
tempo para outra conversa. Jango morreu em dezembro daquele ano, sem ver o
ocaso da ditadura no Brasil.
“Jango no exílio” entrou em cartaz na
quinta-feira. “Brizola” estreia em 7 de abril, no festival É Tudo Verdade.
Um comentário:
Adoro documentários.
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