Filósofos liberais como John Stuart Mill, argumentaram que o nacionalismo pode levar a um conformismo cultural que limita a diversidade de pensamento e a liberdade de expressão, essenciais para o desenvolvimento dos indivíduos, quando uma nação exige uma lealdade cega e uniformidade cultural, isso pode sufocar o pluralismo e a individualidade, que são fontes de criatividade e inovação, Mill, em sua obra "Sobre a Liberdade", argumenta que a verdadeira liberdade individual só pode ser alcançada quando há espaço para a livre expressão de ideias e opiniões, sem medo de censura ou perseguição, os ideais nacionalistas promovem a conformidade cultural e a supressão de vozes discordantes, entrando em conflito com esse princípio básico dos direitos humanos.
Já Immanuel Kant promoveu a ideia de um "imperativo categórico", que implica a universalização de princípios éticos, o que seria incompatível com a visão nacionalista, essa é centrada na ideia força de que sua pátria é superior às demais existentes, e essa premissa basilar entra em conflito imediato com a noção de que todos os direitos e deveres devem ser aplicados universalmente, independentemente da nacionalidade, ou qualquer tipo de subdivisão factual. Kant acreditava em uma ordem moral que transcendia fronteiras nacionais, para ele, a paz perpétua seria alcançada por meio da formação de repúblicas cosmopolitas e pela plena cooperação internacional.
Essas visões antagônicas ao nacionalismo e suas nuances mais extremas, é que fomentam rivalidades e conflitos entre nações, criando sempre a figura da ameaça externa, quando não, também interna, a fim de galvanizar seus interesses políticos locais e extirpar qualquer sombra de discordância. Tudo isso levanta questões éticas profundas, sobre como os nacionalismos podem justificar a discriminação e tratamento desigual com base no simplório estrato de nacionalidade, tratando o “não nacional” como um ser inferior ou de segunda classe.
Porém, não só os liberais ressaltavam o perigo do extremismo nacionalista, também os socialistas apontaram esse mal para nossa sociedade, e a importância de remédios efetivos na superação do capitalismo e integração efetiva entre os povos. Nesse prisma, Karl Marx, nos oferece a crítica fundamental ao nacionalismo, ele argumentava que este podia ser usado pela classe dominante para distrair a classe trabalhadora dos conflitos de classe, criando divisões entre os trabalhadores de diferentes nações, ele acreditava que o verdadeiro conflito fundamental estava entre as classes sociais, não entre nações, e via o nacionalismo como uma ferramenta de manutenção do status quo, e a chamada lealdade à nação servia como uma espécie de cortina de fumaça que obscurecia o verdadeiro conflito entre a classe trabalhadora e a dominante, em sua visão, o nacionalismo era usado como uma ferramenta para manter a exploração das massas em benefício das elites e do capital.
Infelizmente como fenômeno político o nacionalismo continua a ser uma força poderosa na política contemporânea, se renovando mundo afora, tomando novas formas, mas com a mesma premissa excludente e anticivilizatória, hoje é evidenciado por lideranças de extrema-direita como Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil. O "trumpismo" destacou o ressurgimento do nacionalismo populista nos Estados Unidos, centrado na retórica do primeiro a América, que se traduziu em políticas de isolacionismo, protecionismo, xenofobia, racismo, negacionismo e autoritarismo. No caso brasileiro, o “bolsonarismo” promoveu uma instrumentalização política baseada numa suposta identidade patriótica, acirrando a polarização interna, alimentando discurso de ódio e fazendo crescer atos de racismo, misoginia, xenofobia, ataques a minorias e aos direitos sociais da população.
O fenômeno que observamos nas Américas não foi um caso isolado, mas sim uma manifestação de uma tendência global de ascensão da extrema-direita, que se caracteriza por um discurso e práticas fascistas, esse movimento representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, conquistados com muita luta e sacrifício pela sociedade ao longo da história, nesse contexto, uma solução se apresenta como uma alternativa necessária e urgente para combater esse nacionalismo excludente e autoritário, sendo este o internacionalismo, que se baseia no bem comum e não em interesses particulares, observando uma perspectiva global e solidária para enfrentar os desafios que afetam a humanidade na totalidade.
A visão internacionalista por sua natureza desempenha um papel crucial na mitigação dos malefícios do nacionalismo, ao promover a cooperação global, ele pode enfrentar desafios como as mudanças climáticas, pandemias e desigualdades econômicas de maneira mais eficaz do que abordagens isolacionistas, um exemplo recente é a colaboração global na produção e distribuição de vacinas contra a COVID-19, iniciativas como a COVAX buscaram garantir que as vacinas fossem acessíveis globalmente, enfatizando a necessidade de cooperação internacional para superar desafios de saúde pública que transcendem fronteiras nacionais.
Um dos maiores exemplos de sucesso do internacionalismo na história foi a erradicação da varíola no mundo, uma doença que matou milhões de pessoas ao longo dos séculos, graças a uma ação global coordenada pela OMS, que envolveu a vacinação em massa, a vigilância epidemiológica e a cooperação entre países, a varíola foi declarada oficialmente erradicada em 1980, após mais de uma década de esforços conjuntos, esse feito extraordinário demonstrou o poder da solidariedade e da ciência para salvar vidas e melhorar a saúde pública em escala global.
O internacionalismo também pode contribuir para a promoção dos direitos humanos, da democracia, da justiça e da paz, ao fortalecer as instituições multilaterais, como a ONU, a OMS, a UNESCO, a OIT, dentre outras, que buscam garantir o respeito aos valores universais e aos princípios éticos que devem nortear a convivência humana, essas instituições desempenham um papel fundamental na defesa dos direitos humanos, na prevenção e resolução de conflitos, na promoção da educação, da cultura, do trabalho, do desenvolvimento sustentável, entre outros objetivos comuns a todos. Por meio do diálogo, da negociação, da cooperação e da assistência técnica, essas instituições buscam construir pontes entre os países e os povos, superando as diferenças e os interesses nacionais em prol do bem-estar coletivo da humanidade.
Também a análise das estruturas de classe ajuda a contribuir para a discussão sobre o internacionalismo, como vimos, Karl Marx compreendia as fronteiras nacionais como criações artificiais que serviam aos interesses da classe dominante, o ser humano é uno, então não há de existir a noção de estrangeiro, todos somos ao final um mesmo povo, adornado com belas diferenças culturais, sua visão de uma comunidade global sugere a eliminação não apenas das fronteiras nacionais, mas também supressão das classes sociais que, segundo ele, eram inerentes ao sistema capitalista.
Ao abraçar uma perspectiva internacionalista, vislumbramos um mundo onde as diferenças nacionais desapareceriam em favor de uma colaboração global baseada na solidariedade entre toda sociedade humana, a importância de transcender as fronteiras nacionais em busca de uma sociedade mais justa e igualitária é imprescindível, a realidade atual de interdependência entre as nações, impulsionada pela globalização, torna evidente a necessidade de enfrentar questões como pobreza, desigualdade, mudança climática e conflitos de forma cooperativa e solidária e multilateral.
Embora a implementação prática do internacionalismo seja complexa, a importância de transcender as fronteiras nacionais em busca de uma sociedade mais justa e igualitária é imprescindível, em última análise, representa uma abordagem prática para contrabalançar os efeitos nocivos das diversas formas de nacionalismos, ao promover a cooperação global, o internacionalismo oferece um caminho para enfrentar os desafios compartilhados da humanidade e construir um futuro mais inclusivo, sustentável e pacífico para todos os povos, para todos, todos, sem exclusões.
*Cláudio Carraly, advogado, ex-secretário
executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
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