Valor Econômico
Em muitos casos, a profusão de MEIs que vêm
sendo abertos pode ser apenas uma forma disfarçada de emprego convencional
O surgimento de novas empresas é tido como um
importante indicador do dinamismo de uma economia, pois sugere a força do
empreendedorismo. Sob essa ótica, o Brasil vem apresentando um desempenho muito
expressivo ao longo dos últimos 15 anos. Em 2009, foram abertas 750.248
empresas, número que saltou para 3,9 milhões em 2023. De fato, foi um pulo
muito grande. O que estimula a curiosidade e, por consequência, a busca pelo
entendimento do que está por trás desse quadro. Ao colocar uma lupa nos dados,
é fácil notar que o surgimento de novos microempreendedores individuais (MEIs)
explica quase inteiramente essa disparada na criação de empresas no Brasil.
Em 2009, os MEIs representavam 8,4% das empresas abertas. Com o passar dos anos, os MEIs passaram a ocupar um lugar de amplo destaque, correspondendo, a partir de 2019, a algo como 75% do total das empresas abertas anualmente no país. Dessa forma, caso sejam retirados os MEIs da amostra, o total de novas empresas no Brasil seria de 980,9 mil em 2023, frente às 687,3 mil abertas em 2009. Ou seja, um avanço bem mais modesto.
Em função da impressionante expansão do
montante de MEIs, uma primeira pergunta desponta naturalmente: com que
finalidade foram constituídos os MEIs? O instituto do MEI foi criado em 2008
pela Lei Complementar 128, como um sistema pelo qual, em tese, trabalhadores
por conta própria, normalmente com ocupações modestas, poderiam se formalizar e
adquirir um CNPJ, com esquema pesadamente subsidiado de pagamento de impostos e
contribuição previdenciária. A ideia, claro, era levar a formalização, e seus
muitos benefícios, a grandes contingentes de trabalhadores autônomos na
informalidade.
No MEI, o procedimento de formalização é
gratuito e simplificado, com inscrição imediata no Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas (CNPJ). O MEI passa a poder emitir nota fiscal e incorre em baixo
custo mensal de tributos e contribuições previdenciárias (ISS, ICMS, INSS), com
valor fixo e recolhimento em uma única guia. No caso do INSS, a contribuição
mensal é de 5% do salário mínimo vigente, com cobertura previdenciária,
limitada a um salário mínimo, que inclui benefícios como aposentadoria, salário
maternidade e auxílio-doença, além de pensão por morte e auxílio-reclusão para
dependentes.
Como se vê, caso seja avaliado sob o prisma
da adesão, o MEI é um grande sucesso. No entanto, embora tenha tido muita
aceitação, fica a questão: a introdução do modelo MEI atendeu às expectativas?
Meus colegas Janaína Feijó, Silvia Matos, Fernando Veloso, Fernando Barbosa
Filho e Paulo Peruchetti creem que não.
Segundo a análise dos pesquisadores, há
fortes indícios, em diferentes fontes de dados, de que boa parte desses MEIs
não corresponde de fato a microempreendedores na acepção precisa da palavra.
Dessa forma, trata-se de pequenos negócios que têm dificuldade de ganhar escala
e contribuir para o aumento da produtividade no país. Em muitos casos, a
profusão de MEIs que vêm sendo abertos pode ser apenas uma forma disfarçada de
emprego convencional, propiciando redução nos encargos incorridos com tributos
e contribuições previdenciárias.
Para piorar o cenário, em vez de se estar
trabalhando por um aprimoramento no MEI, as principais forças políticas
sinalizam ampliação do programa. Assim, o que está em tramitação no Congresso é
o aumento do limite de faturamento anual dos MEIs dos atuais R$ 81 mil para a
faixa de R$ 144,9 mil (incluindo também a possibilidade de contratação de até
dois funcionários).
Na verdade, a experiência vivida com o MEI
parece fazer parte da cultura político-institucional brasileira. Outras
políticas públicas com vantagens tributárias expressivas também acabam gerando
situações análogas às do MEI. Exemplos não faltam. Para ficar no debate atual,
Executivo e Legislativo vêm negociando a continuidade do programa de
desoneração da folha de pagamentos de 17 setores produtivos e do Perse
(Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos).
A desoneração da folha de pagamentos foi
implantada como medida temporária em 2012, tendo sido prorrogada desde então.
Sem entrar no mérito do programa, a ideia à época era evitar uma piora no
mercado de trabalho naquele período percebido como crítico. O momento crítico
passou e a desoneração da folha ganhou vida própria. De certa forma, algo
parecido ocorreu com o Perse. Instituído em 2021 em razão da paralisação por
causa da pandemia de covid, o Perse teve como objetivo aliviar prejuízos do
setor de eventos. A pandemia terminou, mas o programa ficou.
Esses programas acabam custando ao Erário, em
termos de renúncia fiscal anual, algumas dezenas de bilhões de reais. Por isso,
embora tenham motivação clara e objetiva quando são criados, precisam de
acompanhamento criterioso durante sua execução. Na maioria das vezes, a
impressão de um programa que soa como perene é a que prevalece.
Assim, diante da realidade
político-institucional brasileira, no que se refere aos programas que embutem
tratamento diferenciado na tributação das empresas, algumas medidas precisam
ser introduzidas. Em primeiro lugar, toda legislação relativa ao assunto em
questão deve contemplar a frequente prestação de contas do programa. Com isso,
é possível levantar e detalhar os resultados auferidos, bem como constatar se o
fato gerador que motivou a aprovação da política ainda permanece. Em segundo
lugar, caso a motivação para a confecção original do programa ainda esteja
presente e caso ainda haja interesse em sua manutenção, a exposição de motivos
com a proposição de aprimoramentos também deve ser um documento a ser anexado à
prestação de contas. Afinal, com o aprendizado adquirido na execução do
programa, as lições tiradas podem vir a ser incorporadas.
Certamente, a periodicidade na entrega da
prestação de contas e da proposição de aprimoramentos não é a tão sonhada “bala
de prata”, mas, pelo menos, pode ajudar na transparência e no frequente debate
público sobre os programas.
*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre
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