quinta-feira, 14 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Sequestro de ônibus expõe dilemas da segurança pública

O Globo

Polícia fez trabalho exemplar, mas atirador deveria estar preso por não usar tornozeleira eletrônica

Graças à atuação exemplar da polícia, o sequestro de um ônibus na Rodoviária do Rio na terça-feira, apesar de ter deixado uma vítima em estado grave, não se tornou uma tragédia de proporções maiores. No veículo, com destino a Juiz de Fora, 16 passageiros — entre eles crianças e idosos — foram mantidos reféns durante três horas por um passageiro de 29 anos que, antes de embarcar, atirou noutro passageiro ao confundi-lo com um policial. O atirador é um criminoso condenado que, segundo a polícia, fugia do Comando Vermelho, principal facção do crime organizado no Rio. A vítima foi atingida no coração, no pulmão e no baço e, infelizmente, continuava internada nesta quarta-feira. Apenas mais um passageiro foi ferido por estilhaços.

Do início ao fim, a ação da polícia seguiu todos os protocolos recomendados. A rodoviária, por onde circulam 30 mil passageiros diariamente, foi desocupada após a chegada dos agentes, e o trânsito interrompido no entorno. Policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), a tropa de elite da PM, e de outros quartéis cercaram o terminal. Atiradores ficaram a postos em pontos estratégicos, mas não precisaram disparar.

As negociações foram tensas, e o sequestrador atirou várias vezes contra os policiais. Depois de três horas, porém, ele se entregou, e os reféns foram libertados. O criminoso foi levado para uma delegacia, como manda o manual. O desfecho contrasta com o trauma do sequestro do ônibus 174, em junho de 2000 — uma tragédia de erros. Na ocasião, uma professora mantida como refém acabou morta, e o bandido morreu asfixiado no carro da polícia.

A ação bem-sucedida, no entanto, não encobre as falhas graves que permitiram ao criminoso consumar o sequestro. Ele não deveria estar ali, mas numa penitenciária. Já havia sido preso em 2019 por assaltar passageiros de um ônibus no Rio com uma arma falsa. Foi condenado a nove anos e quatro meses em regime fechado. Depois de dois anos, acabou beneficiado com a progressão de pena para o regime domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica. Uma vez livre, deixou de usá-la. Por seis vezes, a Secretaria de Administração Penitenciária alertou a Vara de Execuções Penais sobre a situação irregular, mas a Justiça só decidiu devolvê-lo à cadeia depois do sequestro.

Outra questão evidente é a facilidade com que o bandido entrou no ônibus armado. Ainda que, diferentemente dos aeroportos, a lei que obriga o uso de detector de metal antes do embarque em ônibus não esteja regulamentada, o assunto deveria ser discutido entre autoridades e gestores do terminal. Qualquer passageiro armado, exceto agentes da lei, traz risco óbvio a um local por onde circulam milhares de pessoas.

O caso que deixou o país sobressaltado expõe mais uma vez os dilemas enfrentados pelo Brasil para combater a violência. É verdade que a polícia fez um ótimo trabalho. Mas o importante é impedir que episódios assim aconteçam, porque o desfecho poderia ter sido outro. Ainda que os reféns tenham sido libertados em segurança, um profissional que viera ao Rio fazer treinamento para assumir um novo cargo na Petrobras foi baleado e luta pela vida. Não é aceitável que bandidos perigosos circulem livremente por aí quando deveriam estar encarcerados. Pode-se discutir a leniência da legislação penal, que abre brechas a situações desse tipo. O mínimo a exigir, porém, é que as leis em vigor sejam cumpridas.

Renegociação de concessões oferece oportunidade de recuperar rodovias

O Globo

Governo estima em R$ 110 bilhões investimentos se prorrogar contratos. Mas não deve manter serviços ruins

Num governo que costuma demonizar as privatizações, é bem-vinda a ideia do Ministério dos Transportes de renegociar concessões de rodovias federais como forma de acelerar investimentos privados e destravar obras paralisadas. A otimização de contratos envolve 14 concessões que somam mais de 7.500 quilômetros de estradas em vários estados. Pelas contas do governo, as renegociações proporcionariam investimentos de R$ 110 bilhões (70% nos primeiros seis anos). Elas dependem ainda de aval do Tribunal de Contas da União (TCU).

A intenção do ministro dos Transportes, Renan Filho, é prorrogar esses contratos por até 15 anos, exigindo em contrapartida que as concessionárias iniciem ou retomem obras previstas. Teriam de realizar intervenções para evitar deslizamento de encostas e ações ambientais como reflorestamento ou construção de passagens para animais. Ao menos em parte das rodovias, seria preciso adotar o sistema de cobrança eletrônica que dispensa praças de pedágio. Cogita-se também incluir a instalação de pontos de carregamento para veículos elétricos.

No entender do Planalto, a renegociação seria mais vantajosa que novas licitações, por trazer mais agilidade. Novas concessionárias levariam, segundo o governo, até três anos para iniciar as obras, enquanto as atuais poderiam começá-las num prazo menor.

A ideia faz sentido, mas não se deve prorrogar um serviço ruim. É preciso estudar o que não deu certo nos inúmeros contratos com problemas para evitar repetir os erros. Não adianta estabelecer tarifas de pedágio demagógicas que não sustentam as obrigações de manutenção e investimentos ou exigir a realização de obras de grande porte a preços irreais.

Infelizmente, foi o que aconteceu com muitos contratos, transformando estradas em cemitério de obras. No trecho da BR-040 entre Rio de Janeiro e Juiz de Fora, as intervenções da nova subida da serra de Petrópolis, de 20,7 quilômetros, começaram em 2013 e foram paralisadas três anos depois em meio a divergências com a União. Como comparação, a duplicação do trecho de 22 quilômetros de serra da Rodovia dos Tamoios, em São Paulo, iniciada em 2015, foi entregue em 2022.

O poder público não costuma ser bom administrador de rodovias. Isso fica claro na pesquisa anual da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Em 2023, das dez estradas com melhor avaliação no levantamento, sete eram mantidas por concessionárias privadas. Entre as dez piores, todas eram administradas por governos (oito estaduais e duas federais).

É evidente que o poder público não tem recursos para manter as rodovias num padrão aceitável — ou elas não estariam em situação calamitosa. Por isso as concessões são o caminho desejável. Mas elas precisam ser feitas em bases realistas. Caso contrário, as obras correm o risco de não ser entregues, e o serviço ao usuário ficará comprometido. É nisso que o governo precisa pensar antes de renegociar contratos que fracassaram.

Petrobras lucrativa e bem gerida é o melhor para o país

Valor Econômico

Com tributos e bons dividendos que a estatal tem pagado, o governo conta com preciosos bilhões de reais a mais para executar programas sociais voltados aos mais pobres

Todos têm algo a perder, e ninguém a ganhar, com a polêmica sobre a distribuição de dividendos da Petrobras, incendiada por declarações do presidente Lula. Ao afirmar que a estatal deveria investir mais e distribuir menos lucros aos acionistas, Lula abre mão de algo como R$ 13 bilhões, correspondentes à partilha dos R$ 43 bilhões reservados, que iriam ajudá-lo a atingir a meta de déficit fiscal zero. Os acionistas deixam de receber um dinheiro que acreditavam que seria repartido. A diretoria da Petrobras desgastou-se com uma decisão de conselheiros que seguiram a orientação do acionista majoritário, o Tesouro, evidenciando um nocivo divórcio entre o conselho de administração e os diretores, ruinoso a médio prazo. A contabilidade resume o saldo prático da divergência: R$ 100 bilhões de redução de valor de mercado da empresa em relação a seu pico, atingido em 19 de fevereiro.

Como acionista majoritário, o presidente Lula pode indicar que quer mudanças na política da empresa - Tesouro e BNDESPar detêm 36,6% do capital. Entretanto, a Petrobras não é uma estatal pura, tem acionistas privados e ações em bolsas no país e no exterior. Há um conjunto complexo de regras de governança que a regula e que determina como as decisões devem ser tomadas. O método dos dois últimos presidentes, Jair Bolsonaro e Lula, passou por cima dessas regras, depreciando o ritual legal que todos os diretores e conselheiros têm de seguir, provocando turbulências que atrapalham os negócios e roubam energia e foco da empresa.

Bolsonaro queria reduzir os preços dos combustíveis a qualquer custo e trocou o presidente da empresa cinco vezes, sem sucesso em seu objetivo. O presidente Lula esbravejou contra a paridade de preços internacional que guiava os reajustes e nomeou um presidente, o ex-senador petista Jean Paul Prates, que deixou de seguir a fórmula automaticamente. Agora, em vez de simplesmente dizer que a Petrobras precisa investir mais, atirou nos dividendos, na gula do mercado, esse “dinossauro voraz”, e enfeixou suas críticas com a nota final da insensibilidade de todos em relação aos pobres, como se a Petrobras estivesse, por exemplo, retirando recursos dos programas sociais ao distribuir mais dividendos - e não reforçando-os.

Ambos os presidentes têm outra coisa em comum. Bolsonaro conseguiu no fim das investidas driblar o regulamento interno da Petrobras, ferir a Lei das Estatais e nomear funcionários do governo para o conselho da empresa. Lula fez igual, com uma facilidade: nas vésperas de se aposentar no Supremo, Ricardo Lewandowski eliminou as restrições da Lei das Estatais que impediam a ocupação de cargos na direção e conselho por políticos e membros dos ministérios. A maioria do conselho é na prática uma repartição do governo no interior da empresa.

Depois do gigantesco esquema de corrupção na Petrobras desvendado durante os governos petistas ao longo da Operação Lava-Jato, a governança da empresa foi muito aprimorada, construindo meios para cercear o aparelhamento político e amortecer os apetites do acionista majoritário nas decisões. É importante que essas regras sejam respeitadas, inclusive pelo presidente da República.

O plano de investimentos da Petrobras para o período 2024-2028 prevê a aplicação de US$ 102 bilhões em várias áreas, um valor 31% superior ao plano anterior. Serão necessários mais recursos para investimentos, mas isso os quadros da Petrobras sabem tanto ou mais que o presidente. Os R$ 43 bilhões, pomo da discórdia, foram para uma reserva destinada a pagar dividendos futuros, juros sobre capital próprio ou recompra de ações. Para mudar a destinação do dinheiro, a irritação do presidente ou imprecações contra o mercado não bastam. A assembleia de acionistas é a única que tem poderes para isso. A próxima, marcada para 25 de abril, pode decidir nessa direção, manter a decisão do conselho ou ainda optar por guardar metade do dinheiro e distribuir a outra metade.

Pelo peso que tem na economia, é importante resguardar a saúde financeira da empresa e sua atratividade para acionistas e investidores, promovendo sua credibilidade, algo que o tumulto atual arranha. Apenas em tributos, a estatal pagou R$ 85,9 bilhões em 2022 e R$ 52,3 bilhões no ano passado. O recolhimento da Petrobras foi superior em 2022 ao das receitas correntes de todos os Estados da federação tomados individualmente, com exceção de Minas, Rio e São Paulo. Em 2023, foi inferior apenas às receitas arrecadadas por estes três Estados mais Paraná, Bahia e Rio Grande do Sul. Em 2022, distribuiu à União R$ 55,8 bilhões em dividendos.

O melhor caminho para a Petrobras é deixá-la produzir com cada vez mais eficiência e lucratividade. Seu papel é suprir o mercado e distribuir ganhos a seus acionistas - a maior parte deles para o acionista majoritário, o Tesouro. Com tributos e bons dividendos que a estatal tem pagado, o governo conta com preciosos bilhões de reais a mais para executar todos os programas sociais voltados aos pobres que o presidente Lula quiser.

Ingerência em empresas é prejudicial ao país

Folha de S. Paulo

Investidas de Lula sobre a Petrobras e a Vale explicitam intervencionismo que resultou em desastres no passado recente

A Petrobras, estatal, é a maior empresa brasileira em valor de mercado na Bolsa de Valores. A Vale, privatizada em 1997, é a terceira, logo atrás do Itaú Unibanco. Em comum, as duas gigantes encabeçam setores centrais para investimentos e exportações do país —e são alvo da cobiça do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Nos últimos dias, acumularam-se sinais alarmantes de mandonismo governamental nos rumos das duas companhias. O mais recente deles é a carta de renúncia de um membro do Conselho de Administração da Vale, José Duarte Penido.

No documento, afirma-se que o processo sucessório no comando da mineradora "vem sendo conduzido de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa e sofre evidente e nefasta influência política". Inexistem detalhes no texto, mas não é segredo que o Planalto buscou alojar o ex-ministro Guido Mantega no posto.

O insucesso da empreitada, tudo indica, não arrefeceu o ímpeto de tutelar a Vale —o que já ocorreu em administrações petistas anteriores. Não é difícil tomar como tentativas de intimidação as frequentes críticas de Lula à gestão da ex-estatal, que incluíram cobrança de alinhamento ao "pensamento de desenvolvimento do governo".

Incertezas quanto ao alcance de tais pressões espantaram investidores. Algo semelhante se deu com a Petrobras, também a partir de movimentos obscuros de Brasília.

Na semana passada, a petroleira surpreendeu ao anunciar a decisão de limitar ao mínimo obrigatório a distribuição de dividendos relativos a 2023. Soube-se que a medida, compatível com as preferências doPlanalto por mais investimentos, contrariou a recomendação da diretoria da empresa.

Sucederam-se reuniões a portas fechadas, intrigas palacianas vazadas à imprensa, especulações sobre a queda do presidente da companhia e, como de costume, declarações destrambelhadas de Lula.

Em entrevista ao SBT, o mandatário saiu-se com a tese de que a Petrobras não pode pensar apenas em seus acionistas, mas em "200 milhões de brasileiros que são donos dessa empresa".

O arroubo demagógico —acompanhado de surradas diatribes contra o mercado e os juros— só alimentou os temores de que o governo petista vá impor mais de sua agenda política e ideológica à gestão da estatal, como se nada tivesse aprendido com os escândalos de corrupção e prejuízos bilionários do passado recente.

Melhoras da governança nos últimos anos tornaram Petrobras e Vale menos vulneráveis às vontades dos governantes de turno. Entretanto os riscos de intervenção política espúria em decisões econômicas, como se vê, persistem.

Interesse do aluno

Folha de S. Paulo

Estudantes estão de acordo com princípios no novo ensino médio, aponta Datafolha

Pesquisa Datafolha que levantou as preferências dos estudantes do ensino médio sobre sua formação escolar ilumina um grande desafio de qualquer política pública —a passagem da teoria à prática.

A reforma dessa etapa do ensino, instituída em 2017, apresenta problemas notórios na implementação, relacionados à precariedade da infraestrutura das escolas e à formação de professores.

Estudo da Unesco de 2023 revelou que 56% dos alunos e 76% dos professores estavam insatisfeitos. No entanto o Datafolha mostra que a essência do projeto é no geral bem-vista pelo alunado.

Segundo a sondagem, encomendada pela ONG Todos pela Educação, 35% dos jovens entre 14 e 16 anos gostariam de aliar um currículo comum a todos ao aprofundamento em disciplinas de seu interesse, e 29% querem combinar a base comum com curso técnico.

Assim, quase dois terços deles desejam um currículo flexível com foco em aptidões ou no mercado de trabalho —desenho que já constava da proposta original de 2017 e também presente no projeto com mudanças que o governo federal enviou ao Congresso, com atraso, em outubro do ano passado.

Entre os que afirmam conhecer o novo ensino médio (8%), a proporção sobe a 79%, dos quais 38% desejosos de aprofundar conhecimentos de seu interesse e 42% de cursar o profissionalizante.

Neste último caso, quando questionados se fariam o ensino técnico integrado ao médio mesmo com carga horária menor para disciplinas do Enem e de vestibulares, 77% ainda escolheriam cursá-lo.

A despeito das cifras expressivas, há gargalos na educação profissionalizante a ser enfrentados —só 8% dos estudantes do ensino médio no Brasil cursam a modalidade, ante 44% na média da OCDE, 29% no Chile e 24% na Colômbia.

Em vez de propostas radicais que visam revogar a reforma, muitas delas de cunho partidário ou corporativista, a sensatez e o corpo discente indicam que há nela pontos desejáveis para melhorar o aprendizado e combater a evasão, uma das maiores mazelas da educação brasileira. A teoria é boa, basta colocá-la de fato em prática.

A ‘nefasta influência política’ na Vale

O Estado de S. Paulo

Ao renunciar denunciando interferência na Vale, conselheiro deixa claro o que até os office-boys da empresa já sabem: Lula exige a genuflexão do setor produtivo à sua vontade

Se ainda restava alguma dúvida sobre o objetivo da gestão Lula da Silva de tomar de assalto as grandes empresas brasileiras para bancar seus projetos delirantes, a carta-renúncia de um conselheiro independente da Vale a sepultou definitivamente. Não que fosse necessário, porque o País ouviu do próprio Lula que seu objetivo é submeter as empresas ao “pensamento do governo”. Para ele, as políticas sociais, e não o lucro, é que deveriam balizar os investimentos do mercado – aquele que, segundo o demiurgo petista, “não tem pena das pessoas que passam fome”.

Alegando considerar sua presença como conselheiro independente “ineficaz, desagradável e frustrante” diante da ostensiva manipulação do processo de escolha do novo presidente da Vale, o conselheiro José Luciano Duarte Penido pediu para sair, apesar de ainda ter mais de um ano de mandato a cumprir. Penido, um executivo experiente, com passagens em grandes corporações, foi contundente ao condenar as pressões do governo para colocar na direção da Vale um preposto de Lula.

“Apesar de respeitar as decisões colegiadas, a meu ver o atual processo de sucessão do CEO da Vale tem sido conduzido de forma manipulada, não atende aos melhores interesses da empresa e sofre evidente e nefasta influência política”, declarou Penido em sua carta-renúncia. Não houve referência direta a Lula, mas nem precisava: até os office-boys da companhia sabem do que se trata.

É notório o interesse de Lula da Silva em infiltrar um feudatário na Vale e fazer dela uma financiadora de seu, em suas próprias palavras, “pensamento desenvolvimentista”. Há meses o nome de seu fiel escudeiro e ex-ministro Guido Mantega circula como seu preferido. O mesmo Mantega que presidiu o conselho de administração da Petrobras na segunda gestão petista, em que a companhia amargou o maior endividamento do mundo – e isso não é força de expressão – ao ser colocada a serviço do lulopetismo desvairado.

A interferência do governo na Petrobras, embora deletéria, é rotineira, e está longe de se circunscrever ao mandarinato lulopetista – basta lembrar das diversas vezes em que o governo de Jair Bolsonaro trocou a direção da Petrobras até encontrar alguém que obedecesse às ordens do capitão. Isso acontece porque, apesar da grande participação do capital privado, a empresa, na prática, é controlada pelo governo.

Já a Vale, privatizada em 1997, tem mais de 90% de seu capital em mãos privadas. Além disso, é uma corporation, ou seja, seu capital é diluído e nenhum dos acionistas tem mais de 10%. Logo, nesse caso, a interferência de Lula é pura truculência, derivada de sua certeza de que, privadas ou estatais, todas as grandes empresas brasileiras devem ser caudatárias de seu populismo, ameaçando todo o setor produtivo nacional.

Lula dá reiteradas demonstrações de que não admite ser contrariado em seus objetivos intervencionistas. Está absolutamente convencido de que o Estado paternalista e dirigista é a solução para o País. Por isso vê com tanta naturalidade a utilização do caixa de estatais para projetos que, muitas vezes, nada têm a ver com a estratégia dessas empresas. E se as estatais e empresas mistas não são suficientes, que os tentáculos do Estado se prolonguem em direção às empresas privadas.

Longe de ser classificada como uma política de convencimento, a tática que vem sendo adotada pelo governo é a de domínio hostil, com o uso do poder do Estado como mecanismo de pressão. Tem sido assim na Vale e na Eletrobras, por exemplo.

É bom recordar que os problemas que a Petrobras enfrentou no passado recente não foram consequência somente da corrupção lulopetista que lhe saqueou os cofres, embora este seja um dos maiores riscos da ingerência política. O que elevou sobremaneira a dívida da empresa em relação a seu patrimônio foi uma gestão ruim, voltada ao atendimento dos anseios do governo e do Partido dos Trabalhadores. É isso, e apenas isso, o que Lula quer fazer com a Vale.

A Justiça que tarda, falha e põe vidas em risco

O Estado de S. Paulo

Se a Justiça tivesse cumprido seu papel e tomado medidas tempestivas num caso incontroverso, o sequestro no ônibus do RJ por um criminoso condenado não teria acontecido

Na terça-feira, o Brasil acompanhou atônito o sequestro de um ônibus no Rio de Janeiro. Tudo indica que o sequestrador, Paulo Sérgio de Lima, suspeitou que um passageiro fosse um policial e atirou contra ele, ferindo-o gravemente. Em seguida, rendeu 16 passageiros.

Felizmente, não se repetiu a sucessão de erros da polícia que, em 2000, resultou na tragédia do sequestro do ônibus 174, no Rio. À época, no momento em que o sequestrador deixava o ônibus com uma refém, um policial fez um disparo que acabou matando a passageira. Detido, o criminoso chegou morto ao hospital por asfixia. Desta vez, a polícia logrou a rendição sem vítimas.

Mas, se neste caso a polícia agiu com técnica e competência, o incidente expôs as falhas de outro braço do Estado: a Justiça. Nada disso teria acontecido se o Judiciário tivesse cumprido seu papel.

Lima cumpria pena após ter sido condenado a nove anos e quatro meses de prisão por um assalto em 2019. Após um ano e seis meses preso, ele foi beneficiado com o regime semiaberto, e dois anos depois, à prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Até aí, tudo indica que a execução da pena legitimamente seguia o sistema de progressão. Mas então começou o festival de erros.

Desde agosto de 2022, Lima violou sistematicamente as regras de uso da tornozeleira. No dia seguinte à primeira violação, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) notificou a Vara de Execuções Penais (VEP). Neste momento, o juiz deveria ter intimado o advogado do apenado a prestar esclarecimentos, mas nada fez.

O criminoso ignorou todos os pedidos para comparecer à Central de Monitoramento da Seap, que comunicou as violações à VEP nada menos que cinco vezes ao longo de um ano e sete meses. Em março de 2023, o Ministério Público requisitou a regressão do regime. Mas só na última terça-feira à noite, após o sequestro, o juiz acolheu o pedido, com uma nota infame em que diz que só então “teve oportunidade de decidir”.

Nesse caso, o Executivo, através da Seap, cumpriu seu papel. Mas a própria Seap admite ignorar o paradeiro de 1,8 mil apenados porque as tornozeleiras foram danificadas. Entre os foragidos há condenados por crimes como homicídio, roubo e tráfico. Se é que estão oficialmente foragidos, pois não está claro quantas dessas violações já foram analisadas pela Justiça.

O Brasil tem um dos maiores e mais caros Judiciários do mundo, consumindo cerca de 1,2% do PIB, bem maior que nos EUA (0,14%), na Itália (0,19%) e na Alemanha (0,32%), por exemplo. Ademais, os juízes são brindados com todo tipo de regalias – e vivem se queixando de que esses privilégios são insuficientes. Apesar disso, no Brasil, uma sentença de primeira instância demora 1.606 dias para sair, enquanto na Itália leva 564; no Reino Unido, 350; e na Noruega, 160.

Diz-se que o Brasil prende muito e prende mal. A segunda parte é inequívoca e, por isso mesmo, a primeira é relativa. O Brasil prende muito e pouco. Muito, porque 40% dos presos são provisórios, às vezes há anos, e muitos dos condenados respondem por crimes de baixo potencial ofensivo, que deveriam ser punidos com penas alternativas. Ao invés disso, estão se graduando nas “escolas do crime” em que se transformaram os presídios. Mas o Brasil também prende pouco. A resolução de assassinatos é da ordem de 35%, enquanto a média global é de quase 65%.

Os índices de Confiança na Justiça da FGV mostram uma persistente percepção da maioria da população de um Judiciário lento, caro, ineficiente, hermético, corrupto e pouco independente. Com frequência, essa Justiça, através de sua instância máxima, o Supremo Tribunal Federal (STF), acusa o Legislativo de “omissão” em temas controversos, como se a opção por manter determinada legislação já não fosse uma resposta. Mais grave, no entanto, é a omissão do Judiciário quando legitimamente provocado, como nos inúmeros julgamentos represados há anos, às vezes décadas, nas gavetas do STF. Mas verdadeiramente graves são casos incontroversos, como a violação da execução penal de um condenado. Em casos como esses, a negligência de uma Justiça que tarda e falha pode ser letal.

Mais uma proposta indecente

O Estado de S. Paulo

Ideia de usar dinheiro de fundo de microempresas para socorrer empresas aéreas é um deboche

A proposta de usar dinheiro do Fundo Garantidor de Operações (FGO) para socorrer empresas aéreas, em estudo no governo, é uma prova de que o improviso e a esperteza na realocação de recursos públicos ao sabor dos interesses do momento desconhecem limites. E se impedimentos legais são obstáculo às intenções do governo, a solução é tão simples quanto questionável: se a lei não permite, muda-se a lei.

O FGO foi criado pela Lei 2.087/2009 com a finalidade específica de complementar garantias exigidas pelos bancos em financiamentos a micro, pequenas e médias empresas, para o microempreendedor individual (MEI) e caminhoneiros. O escopo financeiro das empresas aptas ao uso do fundo prevê faturamento anual entre R$ 2,4 milhões e R$ 90 milhões, uma realidade infinitamente distante da contabilidade das companhias aéreas.

Em 2023, as três maiores aéreas nacionais – Latam, Gol e Azul – faturaram em vendas de passagens entre R$ 1,81 bilhão e R$ 1,99 bilhão. Ou seja, nem com a maior benevolência do mundo poderiam se candidatar ao FGO, principal fonte de recursos do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), gerido pelo BNDES. O programa foi criado durante a pandemia para desburocratizar a concessão de empréstimos aos pequenos empresários asfixiados pela seca de crédito bancário.

O governo se mostra empenhado em socorrer as empresas aéreas desde o início da terceira gestão lulopetista, numa campanha envolta em objetivos populistas de ofertar passagens baratas para “fazer o pobre andar de avião”, como já disse o próprio Lula da Silva, ávido por alegorias que o identifiquem como padrinho dos pobres.

Até agora nenhuma das tentativas de socorro prosperou por absoluta falta de garantias das companhias para pagar os financiamentos vultosos que pleiteiam. O próprio BNDES refutou a criação de linha especial de crédito que seria um salto no escuro e um sério risco de governança – como, por exemplo, aceitar como garantia horários de pouso e decolagem (slots) aos quais as empresas têm direito nos aeroportos, ideia que desafia o bom senso.

Inabalável em sua tarefa de atender aos anseios do chefe, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, continua farejando saídas para o seu “pacote aéreo”. E foi com naturalidade impressionante que anunciou a possibilidade de uso do dinheiro do FGO, que não representaria custo fiscal por já ter recursos em caixa. “Vai sair”, garante o ministro, ignorando leis, estatutos e, principalmente, a escala de prioridades de políticas públicas da qual, com certeza, “andar de avião” não faz parte.

Quanto mais o governo se esmera em criar mecanismos para abrir o acesso a recursos – subsidiados – que giram em torno de R$ 6 bilhões às empresas aéreas, mais incoerente parece o esforço, diante de questões tão mais urgentes para o cidadão brasileiro. Não cabe ao governo tutelar este ou aquele setor privado, mas sim desenvolver políticas para o bem-estar público, em educação, saúde, segurança, infraestrutura – enfim, garantir desenvolvimento econômico e social.

Com inflação não se brinca

Correio Braziliense

A inflação de fevereiro, de 0,83%, veio acima do esperado pelo mercado (0,78%) e praticamente dobrou em relação à taxa de janeiro (0,42%)

A inflação de fevereiro, de 0,83%, veio acima do esperado pelo mercado (0,78%) e praticamente dobrou em relação à taxa de janeiro (0,42%). Esse salto, por si só, deve ser visto como um sinal de alerta, ainda que os especialistas digam que o mês passado, por conta do grupo educação, que computou elevação de quase 5%, não pode servir de parâmetro para se medir o real custo de vida.

Tradicionalmente, nesse período, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é sempre maior do que a média, devido à disparada recorrente das mensalidades escolares. Os mesmos analistas afirmam, ainda, que, apesar de mais alta, a inflação está menos disseminada, tanto que o índice de difusão, que mede a quantidade de produtos e serviços que apontam reajustes, caiu de 65% para 57% em fevereiro.

Inflação sempre é um tormento no Brasil. Quando menos se espera, essa velha senhora dá as caras, sobretudo, em governos lenientes e intervencionistas. Portanto, é fundamental que os agentes políticos, em especial o governo, não recorram a artificialidades para tentar maquiar o custo de vida, pois a conta sempre aparece, e sempre mais cara. Até agora, o país tem conseguido levar, com sucesso, o projeto de redução no ritmo de alta do custo de vida. Mas há um longo caminho a ser percorrido para que se respire mais aliviado.

O IPCA acumulado em 12 meses está em 4,51%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ainda longe do centro da meta, de 3%, perseguida pelo Banco Central. Isso significa dizer que a autoridade monetária será bastante conservadora na política de corte da taxa básica de juros (Selic), que está em 11,25% ao ano. Há o compromisso do Comitê de Política Monetária (Copom) de reduzir a Selic em mais 0,5 ponto percentual em março. Contudo, daí por diante, tudo dependerá do ímpeto dos reajustes.

Antes da divulgação da inflação de fevereiro, boa parte dos especialistas admitia a possibilidade de o Copom levar a taxa Selic para abaixo de 9% anuais. Agora, tal possibilidade se tornou bastante remota. Não à toa, várias instituições financeiras revisaram para cima a estimativa para os juros básicos. O consenso está, agora, mais para 9,25% do que para 8,75% ao ano no fim de 2024. O conservadorismo deve prevalecer no BC, que, ressalte-se, tem feito um trabalho brilhante, cuidadoso, no sentido de levar a inflação para a meta.

A sociedade brasileira já deu inúmeras demonstrações de que não abre mão do controle da inflação, perante o inferno que foram os anos de 1980 e a primeira metade da década de 90. O aumento no custo de vida chegou a passar de 80% ao mês, algo impensável depois que se saboreou, por quase 30 anos, a estabilidade trazida pelo Plano Real. O descontrole dos preços tem força suficiente para derrubar governos, sobretudo os dos alimentos, que andam mais assanhados do que deviam. Então, todo cuidado é pouco.

Além do arrocho nos juros feito pelo Banco Central, um pilar importante para manter o custo de vida sob controle é a boa gestão das contas públicas. Há um compromisso efetivo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de zerar o rombo fiscal neste ano. Mas sempre há um porém a sustentar a incerteza. É aí que mora o perigo. O governo precisa cumprir a promessa de não gastar mais do que arrecada.

Mantida essa linha, os brasileiros, com certeza, ficarão livres de enfrentar o que passam os argentinos. No país vizinho, a inflação acumulada em 12 meses está em 276%. Não há orçamento doméstico que resista a tamanho disparate. Sendo assim, é melhor ser prudente do que lidar com o prejuízo. Tudo o que o Brasil não precisa agora é se preocupar com o fantasma daquela indesejada velha senhora.

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