Folha de S. Paulo
Melhora na renda foi impulsionada por mais gastos públicos, que estão se exaurindo
A expressiva alta da renda em 2023 reduziu a pobreza extrema no Brasil ao seu
nível mais baixo da série histórica, a 8,3% da população. O país terminou o ano
passado com 16,8 milhões de pessoas vivendo com rendimentos médios mensais
abaixo de R$ 300. Apesar da queda, isso equivale praticamente a um Chile.
O cálculo é do economista Marcelo Neri,
diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, a partir da
PnadC do IBGE. Os dados mais antigos sobre o tema são de 1976.
Em relação a 2022, 2,5 milhões de indivíduos ultrapassaram a linha dos R$ 300, numa combinação de mais transferências pelo Bolsa Família, aumento da renda do trabalho e queda do desemprego. A grande dúvida é se o movimento —e mesmo o novo patamar— seja sustentável.
A PnadC de 2023 mostrou que os rendimentos
dos brasileiros subiram 11,5% em relação a 2022. Todas as classes de
renda (dos 10% mais pobres ao decil mais rico) tiveram expressivos ganhos; e o
maior deles deu-se para os 5% mais pobres (38,5%), grandes beneficiados pelo
grande aumento do Bolsa Família —que passou por forte expansão nos últimos anos.
Entre dezembro de 2019 (antes da pandemia) e
dezembro de 2023, o total de famílias no programa saltou de 13,2 milhões para
21,1 milhões (+60%). Já o pagamento mensal subiu de R$ 2,1 bilhões para R$ 14,2
bilhões, respectivamente.
Daqui para frente, o desafio será ao menos
manter os patamares de renda —e pobreza— atuais, já que a expansão foi
anabolizada por expressivo aumento do gasto público a partir do segundo
semestre de 2022.
Primeiro pela derrama de incentivos,
benefícios e corte de impostos promovidos por Jair Bolsonaro (PL) na segunda
metade de 2022 em sua tentativa de se reeleger. Depois, pela PEC da Transição,
de R$ 145 bilhões, para que Lula (PT) pudesse gastar mais em 2023.
Como esta semana mostrou quando governo
abandonou, na segunda-feira (5), a meta de fazer superávit de
0,5% do PIB em suas contas em 2025, o espaço fiscal para mais gastos
exauriu-se.
A melhora da situação da renda dependerá
agora principalmente do mercado de trabalho e dos investimentos privados. Mas
os mercados reagiram mal à meta mais frouxa: o dólar subiu, podendo impactar a
inflação, assim como os juros futuros, que devem afetar planos de investimentos
empresariais e, em última instância, o emprego.
Apesar do bom resultado em 2023, algumas
análises sugerem que o resultado não deve se repetir. Segundo a consultoria
Tendências, a
classe A é a que terá o maior aumento da massa de renda real (acima
da inflação) no período 2024-2028: 3,9% ao ano. Na outra ponta, a classe D/E
evoluirá bem menos, 1,5%, em média.
Serão justamente os ganhos de capital dos
mais ricos, que têm dinheiro aplicado em juros, que farão a diferença. Como
comparação, enquanto o Bolsa Família destinou R$ 170 bilhões a 21,1 milhões de
domicílios em 2023, as despesas com juros da dívida pública pagos a uma minoria
somaram R$ 718,3 bilhões.
A fotografia de 2023 é muito positiva para os
mais pobres. Mas o filme adiante será ruim se o governo não equilibrar suas
contas e abrir espaço para uma queda nos juros que permita ao setor privado
ocupar o espaço de um gasto público se esgotou.
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