CartaCapital
O mundo parece mover-se como um trem sem
freios, em alta velocidade e rumo ao abismo
As catástrofes climáticas estão por toda a parte.
Chegaram mais cedo do que a humanidade esperava e com fúria inaudita. Enchentes
devastadoras e secas desertificantes vêm ocorrendo em todos os cantos do
planeta. Pessoas morrem de calor na Índia e no Canadá. Furacões intensos
destroçam territórios norte-americanos. A Alemanha e
o Rio Grande do
Sul enfrentam inundações assustadoras. Nenhum continente está
isento de destruições.
Os pontos de não retorno em vários biomas avançam e as tendências entrópicas do meio ambiente como um todo se agravam diariamente. O mundo parece mover-se como um trem sem freios, em alta velocidade e rumo ao abismo. O grande risco para a humanidade e todas as espécies são as transformações em curso, a indicar tendências paradoxais, para o bem e para o mal. Algumas delas indicam possibilidades de soluções colaborativas. Outras acenam para soluções divergentes, trágicas e violentas. Infelizmente, as tendências destrutivas estão ganhando o jogo.
Algumas transformações apontam para um
cenário apocalíptico. As principais, segundo numerosos especialistas, são as
seguintes: agravamento da crise climática pela intensificação do novo período
geológico do Antropoceno; caminhada rumo ao ponto da singularidade digital de
2045 (domínio das máquinas sobre os humanos); advento do transumanismo e de
nova biopolítica com tendências desumanizadoras; um nova Guerra Fria entre
potências do Ocidente e do Oriente; intensificação de conflitos armados
regionais, como os da Ucrânia e Gaza; impacto dos grandes deslocamentos
transnacionais (migrações de fome e escassez, de guerras e de refugiados
ambientais); ameaça à sobrevivência das democracias pelo fortalecimento do
extremismo de direita.
O problema é que não existem governos com capacidade para enfrentar as catástrofes climáticas, estancar as ações de depredação do meio ambiente e imprimir direção e sentido às transformações em curso. Com isso crescem as tendências de acirramento dos conflitos sociais, políticos, econômicos e militares, tanto internos quanto internacionais.
As tendências conflitivas assentam-se em
três razões principais: 1. Os impactos das mudanças climáticas
provocam escassez de recursos e isto desencadeará a luta por recursos
diversos. 2. A salvação do meio ambiente planetário e da vida
implicará mudanças drásticas em relação às quais haverá resistência de grupos
econômicos e de Estados. Em determinadas circunstâncias, é provável ser
necessário o uso da força para a contenção da crise e para alcançar os objetivos
da sustentabilidade. 3. As medidas de mitigação dos efeitos
catastróficos e os investimentos necessários para mudar os padrões de produção,
de consumo, de vida urbana, de energia e das políticas públicas em geral
exigirão somas estratosféricas. Ocorrerão grandes disputas para determinar quem
pagará os custos dessas mudanças. As forças hegemônicas dos mercados e do
capitalismo globalizado agem para socializar os prejuízos e privatizar os
benefícios.
O atual cenário global não favorece o
enfrentamento eficaz da crise ambiental nem é capaz de viabilizar um
desenvolvimento sustentável no sentido forte do termo. Ao contrário, as
catástrofes ambientais e as mudanças indicadas acima agravam a governabilidade
global e interna.
Esse quadro de crise tem estimulado saídas
particularistas e nacionalistas nos diversos países, favorecendo a competição
em detrimento da colaboração. Isso reforça o descompromisso dos Estados com os
acordos firmados nos fóruns internacionais. Os nacionalismos extremados de
direita alimentam teorias negacionistas sobre as mudanças climáticas.
Por outro lado, a desmaterialização
provocada pela economia digital aumenta a extraterritorialidade de atividades
produtivas e comerciais, enfraquecendo a regulação nacional, provocando um
domínio crescente do mercado financeiro e das plataformas digitais
oligopolistas, aumentando o impacto das externalidades sobre as economias
locais, fragilizando a regulação jurífica de justiça e de proteção ambiental e
social. Essas circunstâncias deterioram a capacidade de coordenação das
instituições multilaterais e das jurisdições internacionais e supranacionais.
A captura política dos Estados nacionais por grupos particularistas e depredadores é um enorme problema, agravado pelo crescimento dos movimentos de extrema-direita, que adotam políticas negacionistas e de desmonte das proteções sociais e ambientais. É necessário aumentar a consciência dos riscos sistêmicos e engajar a sociedade nesse debate. Somente com consciência social, organização e mobilização seremos capazes de deter esse trem sem freios que se move rumo ao abismo.
Publicado na edição n° 1314 de CartaCapital, em 12 de junho de 2024.
Um comentário:
PERFEITO! E a indústria bélica se expande cada vez mais e seus interesses estão defendidos em todos os governos ditos democráticos...
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