O Globo
Estudantes das federais não têm como se
defender ou se proteger. Simplesmente, perdem aulas, tempo de formação
O economista André Portela formou-se pela
Universidade Federal da Bahia, em 1989. Poderia ter se formado um ano antes,
não fossem as greves que atrasaram o curso. E adiaram por um ano sua entrada no
mercado de trabalho.
Os professores das federais estão em greve de
novo. A de agora passando de dois meses. As reivindicações são as mesmas de 35
anos atrás: reajuste de salários, planos de carreira e mais dinheiro público
para as universidades.
Algo está muito errado. A greve deveria ser
uma exceção, um ato radical dos trabalhadores depois de negociações
fracassadas. É como se a greve continuasse a negociação, por outro meio. Por
que, no caso das federais, a greve tornou-se tão comum?
Líderes grevistas dizem que a resposta é simples: os docentes são trabalhadores exercendo o livre direito de greve. Mas de que trabalhadores se trata? Certamente não é o caso de falar em “classe operária” no sentido em que o conceito aparece na literatura marxista: o proletariado explorado pelo patrão e lutando contra ele. A greve é um ataque ao capital.
Os docentes estão noutra categoria. Estão no
setor público. Quem seria o patrão contra o qual lutariam? O governo? Não pode
ser. O governo não é o capital explorador. É um administrador que gere recursos
públicos para prestar serviços ao público, aos contribuintes. Os docentes, no
sentido estrito, trabalham para os alunos e, no sentido mais amplo, para a
sociedade. A educação é
dever do governo perante os cidadãos.
Logo, alunos e sociedade são os prejudicados
diretos e indiretos numa greve de docentes de escolas públicas. O governo
parece o patrão porque, no final das contas, é o pagador dos salários e o
provedor de verbas para o funcionamento das universidades. Mas o governo faz
isso com o dinheiro arrecadado dos contribuintes, da sociedade.
No limite, se os docentes têm patrão, são os
alunos. E estes não têm como se defender ou se proteger das greves.
Simplesmente, perdem aulas, tempo de formação e chegam a perder um ano inteiro.
É prejuízo para eles e para a sociedade, que paga isso tudo. E que também, como
os alunos, sofre o prejuízo da greve sem capacidade de reação.
Líderes grevistas alegam que os alunos
geralmente apoiam o movimento. Não é bem assim. Líderes estudantis, sim,
apoiam, mas não representam o corpo discente. Formam uma minoria militante que
se mantém no poder dada a indiferença da maioria — mais preocupada em estudar e
se formar — e em razão de esquemas de eleição controlados.
Os líderes grevistas também são militantes da
esquerda. Nas conversas com representantes do PT,
alguns desses líderes queixaram-se amargamente do governo. Reclamavam: haviam
dado apoio inequívoco a Lula e agora esperavam ser mais bem tratados. É assim
que funciona?
O governo, de sua parte, está incomodado com
a greve dos companheiros. Ideologicamente, estariam todos de acordo, mas
acontece que o dinheiro público está curto. O presidente Lula convocou uma
reunião com os reitores das federais para a semana que vem. Depois de dois
meses de greve?
Há outro aspecto, ruim, que envolve a greve
de docentes: a indiferença da sociedade. Como se fosse coisa comum, tipo, é
assim mesmo nas Federais. Tem greve quase todo ano. Preocupam-se os alunos que
precisam se formar para trabalhar e ganhar a vida. Preocupam-se os pais que
sustentam seus filhos na escola. Mas o que podem fazer nessas circunstâncias?
Uma greve nacional, em qualquer setor da
economia privada, é um enorme risco assumido pelos trabalhadores, a classe
operária. Perdem dinheiro, pelos dias parados, podem até perder o emprego.
Nessa circunstância, ir à greve é um gesto político forte, com potencial de
desestabilizar. Docentes das universidades públicas não correm risco. Não
perdem um centavo de salários e benefícios. Não arriscam empregos.
A greve dos docentes é nacional. Passa de
dois meses. Líderes grevistas apreciam se apresentar como vanguarda. O tamanho
político da coisa? Se mede pela reação do governo, integrado por aliados. Dois
meses para começar a se preocupar.
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