Novo apagão em SP expõe falha na fiscalização
O Globo
Terceiro blecaute com a mesma concessionária
em menos de um ano mostra o fracasso das autoridades
Não há dúvida de que a tempestade que castigou São Paulo na noite de sexta-feira foi violenta. Ao menos sete pessoas morreram na capital e no interior. As rajadas de vento bateram o recorde de 30 anos, derrubaram árvores e fiações, destelharam casas e causaram prejuízos. Diante desse cenário, compreende-se que falte energia elétrica. Mas é incompreensível que apagões se repitam ante a incapacidade flagrante das autoridades para lidar com fenômenos climáticos mais intensos e frequentes. Em menos de um ano, é a terceira vez que São Paulo vive situação semelhante. Uma delas, em março e abril deste ano, nada teve a ver com o clima. E em todas as respostas foram frustrantes.
Desta vez, o blecaute atingiu mais de 2,1
milhões de consumidores. Para espanto geral, na manhã desta segunda-feira, 537
mil residências e estabelecimentos comerciais permaneciam sem luz em bairros da
capital e cidades como Cotia, Taboão da Serra e São Bernardo do Campo. Aos
moradores e comerciantes, a concessionária Enel, que
atende a 24 municípios do estado, não conseguia sequer dizer quando o
fornecimento seria restabelecido. Somente o setor de bares e restaurantes
estimou prejuízo de R$ 100 milhões entre sexta-feira e domingo. Para não falar
no contingente, abandonado à própria sorte, de doentes cujos aparelhos dependem
da energia.
A Enel afirma que o trabalho é complexo, uma
vez que “envolve a reconstrução de trechos inteiros da rede”. Não se questionam
as dificuldades, mas elas são apenas parte do problema. O histórico de apagões
comprova que a resposta da concessionária tem ficado aquém do necessário.
No temporal de novembro passado, quando
consumidores passaram mais de 60 horas sem energia, ficou claro que a Enel não
dispunha de plano para reparar os danos de forma rápida e eficaz. Constatou-se
que as equipes de emergência só foram reforçadas três dias depois da
tempestade. Devido às falhas, em fevereiro a Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel)
aplicou multa de R$ 166 milhões à Enel (a empresa contesta a punição na
Justiça).
Em março, quando obras romperam a fiação
subterrânea na região central de São Paulo — em tese a salvo das intempéries —,
algumas ruas ficaram semanas sem luz, e a Enel demorou a providenciar
geradores. Desta vez, ficou claro que não havia cumprido o plano de
contingência que ela própria apresentara: havia nas ruas menos funcionários que
o necessário. Não se vê qualquer perspectiva de que na próxima tempestade ou
ruptura de cabos a atitude seja diferente.
Quando falhas se repetem sempre com a mesma
concessionária, fica evidente que as autoridades também fracassaram na tarefa
de fiscalizá-la. A sucessão de problemas após eventos climáticos previsíveis
mostra que a atuação da Aneel também tem deixado a desejar. Em geral, ela só
age depois de pressionada. Por não acreditar no modelo de concessionárias
privadas, que exige agências reguladoras com força e independência, o atual
governo tem esvaziado a Aneel, hoje sucateada e em constante embate político
com o Ministério de Minas e Energia.
Obviamente a Enel precisa ser punida por mais
um descalabro. Porém não basta aplicar multas milionárias, que nem sempre são
pagas — desde 2018, as autuações somam mais de R$ 700 milhões. É preciso mais.
O apagão é também de autoridade.
Contaminação de transplantes pelo HIV exige
revisão de controles
O Globo
Mas a negligência irresponsável de
laboratório não deve desmerecer sistema que é referência mundial
A punição rigorosa aos responsáveis é o
mínimo a exigir no escândalo da contaminação por HIV de pelo menos seis
pacientes que receberam órgãos transplantados no Rio. Mas é preciso ir além.
Paralelamente às investigações, é necessário rever os protocolos do programa de
transplantes conectado ao Sistema Único de Saúde — o segundo maior do mundo
depois dos Estados Unidos, considerado referência mundial.
No ano passado, quase 30 mil transplantes
foram realizados no Brasil, patamar compatível com os observados antes da
pandemia. A recuperação desse nível exigiu não apenas campanhas para estimular
a doação de órgãos, mas a mobilização de operações de coleta em todos os cantos
do país, com a intervenção da Força Aérea Brasileira em locais não servidos por
linhas aéreas. É essencial reforçar que um único evento — por trágica que tenha
sido a negligência irresponsável dos culpados — não pode pôr a perder todo o sistema
que, até o momento, tem funcionado de modo exemplar.
Mas é fundamental usar o caso para aprender
como tornar os controles mais eficazes. As investigações têm de rastrear o
cumprimento dos protocolos de coleta e certificação dos órgãos. Há a suspeita
de que, no laboratório responsável pelos testes — PCS Lab Saleme—, eles nem
sequer tenham sido realizados. É inadmissível.
O responsável técnico, Ivanilson Fernandes
dos Santos, foi preso ontem com Walter Vieira, ginecologista apontado como
sócio do PCS Lab Saleme que assinou um dos laudos atestando que os órgãos
haviam testado negativo para HIV. Vieira é tio do deputado Dr. Luizinho (PP),
ex-secretário de Saúde do Rio, que afirma não ter participado da contratação de
nenhum laboratório e ter mantido, no período em que era secretário, a mesma
equipe do programa de transplantes.
Um primo do deputado, Matheus Sales Teixeira
Bandoli Vieira, também é sócio do laboratório. Uma irmã dele, a dentista Débora
Lúcia Teixeira Medina de Figueiredo, trabalha na Fundação Saúde, responsável
por formalizar a contratação de laboratórios pelo governo estadual. Sediado em
Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, o PCS Lab Saleme recebeu do estado R$ 20
milhões apenas de janeiro a setembro de 2023, enquanto tramitava a licitação
que resultou na sua contratação. Alguns envolvidos no caso são alvo de outros
processos e condenações por erros em exames de diagnóstico. Todas essas
conexões precisam ser investigadas.
Indenizar as vítimas e prender os culpados,
embora fundamental, não bastará para evitar casos semelhantes no futuro. É
preciso haver monitoramento e controle de qualidade constantes na rede de
laboratórios que atende o governo. Assim como auditoria dos procedimentos
técnicos e a cassação do credenciamento para prestar serviço ao SUS ou a
qualquer estabelecimento de saúde daqueles que não se enquadrarem nas normas. O
controle precisa ser rígido. Proibir o funcionamento dos estabelecimentos
negligentes é a única forma de garantir que casos trágicos não se repetirão.
Alta de juros deve interromper recuperação de
investimentos
Valor Econômico
A trajetória de elevação dos juros projetada
pelo mercado vai encarecer o crédito e arrefecer o consumo, dois venenos para
os investimentos
A compra de máquinas e equipamentos no
exterior cresce em um ritmo 2,5 vezes superior ao das importações em geral
neste ano, mostram os dados da balança comercial de janeiro a setembro em
comparação com o mesmo período de 2023. O aumento dos investimentos está por
trás dessas aquisições, impulsionadas pela expansão da indústria e pelo consumo
das famílias e do governo. O aumento da oferta de crédito, especialmente do
BNDES, e o início do programa Nova Indústria Brasil (NIB), parte dele
subsidiado, também contribuem. A reviravolta dos juros básicos, no entanto, que
estão em um ciclo de alta, pode frear a tendência ao encarecer o custo do
dinheiro.
Os dados do Produto Interno Bruto (PIB) já
vinham mostrando o aumento dos investimentos no ano. Ao fim do segundo
trimestre, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) atingiu o maior valor desde
o primeiro trimestre de 2015. Com isso, a taxa de investimento foi de 16,8% do
PIB, acima dos 16,4% registrados no mesmo período de 2023.
As importações de bens de capital saltaram
20% neste ano até setembro na comparação com o mesmo período de 2023 e somaram
US$ 26,4 bilhões, enquanto o total comprado no exterior cresceu 8%, segundo a
Secex. Levantamento realizado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria,
Comércio e Serviços (MDIC) a pedido do Valor detalhou que todas as
dez categorias de bens de capital tiveram as importações ampliadas nesse
período de nove meses. Máquinas e equipamentos tiveram o maior valor importado,
US$ 10,6 bilhões, com crescimento de 16,9%. Outro destaque em valor são os
produtos de informática, eletrônicos e ópticos, que somaram US$ 5,4 bilhões e
aumentaram 9,1%. A maior alta, de 79%, foi do item outros equipamentos de
transporte, para US$ 2,4 bilhões.
A produção interna de bens de capital também
está crescendo, segundo pesquisa mensal do IBGE. Nos 12 meses terminados em
agosto, avançou 4,9%, após ter caído 11% no ano passado. A produção industrial
como um todo acumula expansão de 3% no ano e de 2,4% em 12 meses.
As importações de bens de capital são mais
expressivas do que a produção interna não só por uma oferta mais diversificada
e tecnologicamente mais avançada no mercado internacional, mas também pela
competitividade da indústria chinesa. Favorecidos pela política interna de
estímulos, custos de insumo e de capital mais baixos, os fornecedores chineses
passaram a dar atenção especial a mercados como o brasileiro, depois que os EUA
e a União Europeia adotaram atitude mais protecionista.
Um novo fator que animou as empresas a
importarem bens de capital foi a entrada em vigor, em setembro, do instrumento
de depreciação superacelerada da indústria, parte do programa NIB. A medida
permite que as empresas deduzam mais rapidamente o valor de bens e equipamentos
adquiridos, reduzindo a base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Há estímulos também pelo lado do crédito. De
acordo com o MDIC, o BNDES e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) já
aprovaram R$ 159,9 bilhões em desembolsos do Plano Mais Produção, ligado à NIB.
O governo federal vai canalizar mais R$ 58,7 bilhões em recursos públicos para
uma das seis áreas da NIB, a de “transformação digital”, até 2026.
Há igualmente oferta de crédito privado. Nos
12 meses terminados em agosto, as concessões de crédito privado para as
empresas aumentaram 12%. A carteira total de crédito cresceu 0,9% em agosto,
para R$ 6,1 trilhões, com R$ 2,3 trilhões para as empresas.
O governo também vem engrossando a demanda de
bens de capital com o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para
estimular a economia. Os investimentos da União alcançaram nos sete primeiros
meses de 2024 o maior nível em nove anos, atingindo R$ 32 bilhões (Valor,
18/9).
Apesar do otimismo com o crescimento da taxa
de investimento, ela continua bem distante dos picos atingidos na primeira
metade da década passada e fica entre as menores do mundo, de acordo com
levantamento do Fundo Monetário Internacional (FM). Há dez anos, em 2014, a
taxa de investimento era de 20,5%, e chegou a 21,8% em 2010 e 2011. Em 2021 e
2022, na esteira de recuperação da pandemia, as taxas foram de 19,5% e 18,1%. A
taxa de investimentos deverá fechar este ano em 15,9% pelo levantamento do FMI,
ficando em 20º lugar entre os piores de 170 países analisados.
Havia perspectiva de melhoras, pois o aumento da demanda das famílias e as carências da infraestrutura estimulam os investimentos. Por outro lado, os estímulos indevidos para acelerar a economia expuseram a fragilidade fiscal e impediram o recuo da inflação para a meta. A trajetória de elevação dos juros projetada pelo mercado, que subiram recentemente, vai encarecer o crédito e arrefecer o consumo, dois venenos para os investimentos. Sem estabilidade fiscal, o crescimento econômico não é sustentável. Um novo voo de galinha está se desenhando.
Lula contamina reforma do IR com demagogia
Folha de S. Paulo
Tarefa de tornar mais justa a tributação da
renda começa mal com promessa eleitoreira de isentar ganhos até R$ 5.000
Não há dúvida de que a carga tributária
brasileira, além de excessiva para um país de renda média, é mal distribuída,
tanto do ponto de vista da eficiência econômica quanto da justiça social. São
bem-vindas, assim, propostas bem estruturadas para elevar a progressividade do
sistema —evitando, em especial, que os mais ricos escapem da devida taxação.
É o que deveria ocorrer na esperada reforma
do Imposto de
Renda das pessoas físicas (IRPF) e jurídicas (IRPJ), pauta a
ser tocada com a conclusão de outra grande mudança do sistema, a que
abarcou os tributos indiretos sobre bens e serviços.
Começa muito mal, porém, o governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
quando subordina o início do debate à promessa
eleitoreira de isentar vencimentos mensais até R$ 5.000 —muito
semelhante a outro desvario apresentado antes por Jair
Bolsonaro (PL).
A depender do critério usado, tal medida
implicaria renúncia anual entre R$ 35 bilhões e o dobro disso ou mais, montante
que precisaria ser compensado no Orçamento, seja por determinação legal, seja
para evitar um déficit público ainda mais exorbitante.
Até onde se sabe, a partir de indicações da
Fazenda, a contrapartida seria uma cobrança mínima entre 12% e 15% sobre rendas
superiores a R$ 1 milhão ao ano, incluindo salários, juros, dividendos e outras
fontes. Estimativas extraoficiais apontam para uma coleta de ao menos R$ 44
bilhões de cerca de 250 mil pessoas.
Já Lula prefere demagogia explícita. Em
entrevista, saiu-se com a velha tese sindicalista de que salário não é renda e
disse que quem deve pagar imposto é "o cara que vive da especulação".
Uma reforma do IR é tarefa econômica e
politicamente delicada. A última tentativa, sob Bolsonaro, transformou-se em
uma mixórdia felizmente não concluída pelo Congresso. São evidentes, desde já,
deficiências nas ideias que emanam do governo petista.
A faixa de isenção do IRPF cogitada é alta em
demasia, perto do dobro do rendimento médio da população ocupada. Segundo dados
do IBGE para
2023, 90% dos trabalhadores do país tinham renda até R$ 5.603.
Também há que considerar os que ganham entre
R$ 60 mil e R$ 1 milhão anuais, que não fazem parte dos isentos nem dos "milionários"
visados. Não se entende ainda como as alíquotas seriam
redistribuídas nessa faixa com proporcionalidade e sem grande perda de
arrecadação.
Não é desejável, ademais, desvincular as
reformas do IRPF e do IRPJ. Nesta, um caminho lógico seria reduzir a carga de
34% sobre o lucro das empresas maiores em troca da cobrança sobre dividendos,
hoje isentos —o que se associa exatamente à ideia de taxar os mais abonados.
Em qualquer hipótese, um projeto para
redesenhar o IR precisa estar amparado em projeções sólidas de receita e em
lógica tributária. Se começar por uma invencionice eleitoreira, dificilmente
sairá menos ruim do Congresso.
Sonho de idade centenária fica mais distante
Folha de S. Paulo
Estudo indica que alta da expectativa de vida
perde impulso devido a limitações biológicas; Brasil ainda pode avançar
Viver cem anos parecia não ser mais meta
inalcançável com o acentuado
progresso material no século 20. Após um quarto do 21, porém,
torna-se evidente que esse ora continuará privilégio de poucos.
Não que a indústria humana não possa ainda
dar grandes passos —como atesta o advento recente de variadas aplicações
da inteligência
artificial, inclusive na medicina.
Mas é na própria biologia de nossa espécie, não em sua ciência ou tecnologia,
que a evolução da longevidade encontra limites difíceis de transpor.
O indício mais sugestivo dessa barreira
surgiu com a constatação de que o avanço paulatino da expectativa de vida ao
nascer está em desaceleração no mundo. Ao longo do século passado, ela saltava
três anos a cada década, e tal velocidade indicava que, um dia, tornar-se
centenário viria a ser uma regra, não mais exceção.
Só um país entre os de população mais
longeva, a Coreia do Sul,
ainda ostenta essa média; Hong Kong,
cujos dados ainda se computam em separado da China,
também exibe o ímpeto invejável. No restante do planeta, porém, tal incremento
já caiu abaixo de dois anos por década.
O estudo da
Universidade de Illinois, em Chicago (EUA), que mostra a
desaceleração acentuada entre 1990 e 2019 foi publicado no periódico Nature
Aging.
Uma pessoa nascida hoje em Hong Kong tem
expectativa de viver 85,5 anos. Se for do sexo feminino, há chance de 12,8% de
ultrapassar cem anos; se masculino, 4,4%. Vale dizer: mesmo num dos líderes em
longevidade, tornar-se centenário é para poucos.
Diferentemente do que se possa pensar, o
avanço da expectativa de vida no século 20 se deu mais pela redução da
mortalidade infantil do que por prolongamento da vida em idade avançada. Com
saneamento básico, vacinas e acesso a serviços de saúde,
esse indicador que reduz médias recuou de maneira considerável.
Por óbvio, melhoras em tecnologias médicas e
no acesso a elas por idosos também contam, mas não com o mesmo impacto. Após
meio século de vida, a biologia se impõe: mesmo que a mortalidade se reduzisse
a nada entre 0 e 50 anos de idade, a expectativa de vida ainda ficaria entre 85
e 90 anos sem concomitante recuo das taxas após os 50, quando se torna mais
difícil evitar mortes.
Há espaço para incremento em países como o Brasil, onde a expectativa é de 76,5 anos. Se e quando chegarmos no encalço de recordistas sul-coreanos, japoneses e suíços, porém, um salto além dos limites de fisiologia dependeria de revolução biomédica que todavia não se vislumbra.
Apagão de respeito e de solidariedade
O Estado de S. Paulo
Cedo ou tarde, a energia será religada para
todos em SP. Mas o descaso da Enel e do poder público ficará como marca do
desrespeito aos cidadãos quando eles mais precisaram de atenção
É inaceitável que milhares de consumidores de
energia elétrica em São Paulo ainda estejam desatendidos desde a noite do dia
11 de outubro, quando um breve temporal destruiu parte da infraestrutura de
rede elétrica da concessionária Enel, responsável pelo serviço de distribuição
na Região Metropolitana do Estado.
Mais de 2 milhões de clientes da empresa
ficaram às escuras logo nos primeiros minutos de chuva. Lamentavelmente, sete
pessoas morreram. Os semáforos da capital paulista apagaram como sempre, é
claro, instalando o caos no já tumultuado trânsito das noites de sexta-feira.
Quase 96 horas desde o temporal, calculava-se que ainda houvesse cerca de 530
mil imóveis em São Paulo sem energia elétrica.
Hoje, não se pode mais falar que se trata
apenas de má prestação de serviço. É de desrespeito generalizado que se está
tratando, de descaso com o sofrimento dos cidadãos afetados – descaso da Enel,
das três esferas de governo e, não menos importante, dos dois postulantes à
Prefeitura de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), que
viram no apagão uma oportunidade para explorar eleitoralmente o drama das
famílias paulistanas.
Comecemos pela Enel. Políticos decidiram que
a empresa é a inimiga pública número um de São Paulo neste momento. Nunes
chegou a dizer isso quase ipsis litteris ao acusar a Enel de ser
“inimiga do povo”. De fato, a falha da concessionária é evidente. Afinal, este
foi o segundo apagão causado por um temporal em menos de um ano, o que permite
afirmar que a Enel, no mínimo, descumpriu a sua obrigação de aprender com o
apagão de novembro de 2023 a fim de elaborar um plano de contingência à altura
de sua responsabilidade como prestadora de um serviço essencial.
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), também resolveu tirar proveito político da situação,
malgrado não ter nada a ver com a concessão da Enel, de âmbito federal. No
sábado passado, Tarcísio fez uma postagem em suas redes sociais pregando a
ruptura do contrato de concessão da Enel. “Mais uma vez, a Enel deixou os
consumidores de São Paulo na mão. Se o Ministério de Minas e Energia e,
sobretudo, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) tiverem respeito
com o cidadão paulista, o processo de caducidade será aberto imediatamente”,
escreveu o governador. Tarcísio não foi o único a pugnar pela caducidade, mas,
tendo em vista sua experiência no setor de infraestrutura, é espantosa a
irresponsabilidade com que tratou a ruptura de um contrato de concessão, e de
forma tão açodada.
Por sua vez, o ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, jogou a culpa sobre a Aneel. Em nota, Silveira acusou a
agência de ser “falha na fiscalização da distribuidora de energia, uma vez que
o histórico de problemas da Enel ocorre reiteradamente em São Paulo”. É
curiosa, porém, essa súbita veemência na defesa dos consumidores de energia de
São Paulo. Horas antes do apagão, durante colóquio entre autoridades dos Três
Poderes e empresários em Roma, Silveira defendera categoricamente a renovação
antecipada do contrato de concessão da Enel – e diante de executivos da própria
empresa, pasme o leitor.
Por fim, a indicar aos paulistanos que tipo
de prefeito haverão de ter pelos próximos quatro anos, vença quem vencer a
eleição, Nunes e Boulos se engajaram numa troca de acusações que só prestou ao
interesse eleitoral de ambos – os munícipes que se danem. Quem sai às ruas é
capaz de constatar que a zeladoria da cidade governada por Nunes é sofrível. As
árvores, de tão podres, podem cair por um sopro, que dirá por um vendaval. Mas
Boulos, ao invés de dizer o que faria de diferente para melhorar a vida dos paulistanos,
praticou seu esporte preferido: fustigar o prefeito.
Os cidadãos de São Paulo estão abandonados à
própria sorte. Mais cedo ou mais tarde, a energia será restabelecida para
todos. Mas o apagão de respeito e de solidariedade ficará como marca do descaso
das instâncias públicas e privadas num momento em que a população mais precisou
delas.
Populismo de Lula para a classe média
O Estado de S. Paulo
Promessa de Lula da Silva para ampliar a
faixa de isenção do IR da Pessoa Física para R$ 5 mil não tem amparo na
realidade. País não tem condições de abrir mão de qualquer centavo
O presidente Lula da Silva decidiu retomar a
promessa que fez durante sua campanha eleitoral e ampliar a faixa de isenção do
Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para até R$ 5 mil. Para ele, trata-se
de um “compromisso de justiça”, já que pessoas mais ricas, muitas vezes, pagam
menos impostos, na proporção de sua renda, que trabalhadores assalariados.
“Então, eu quero sim fazer essa justiça e acho que nós temos de tirar de
alguém”, afirmou, em entrevista à Rádio O Povo/CBN, de Fortaleza.
Ninguém que conheça a realidade
socioeconômica brasileira poderá ser contra a ideia de taxar mais quem tem mais
ou cobrar menos impostos de quem ganha menos. Todo sistema tributário deve ser
o mais justo, amplo, equilibrado e progressivo possível, princípios que
qualquer governo deveria buscar, independentemente do espectro político. A
questão é que não é por isso que Lula da Silva defende essa proposta, mas por
pura demagogia.
Não é por acaso que o presidente tenha
ressuscitado a promessa neste momento. Encerrada a primeira etapa das disputas
municipais, as dificuldades dos candidatos do Partido dos Trabalhadores ou
apoiados pela sigla se tornaram ainda mais evidentes, e nada indica que o
desempenho será muito diferente no segundo turno. Em um cenário político
adverso, uma bandeira eleitoral capaz de furar a bolha e alcançar a classe
média pode vir a calhar – se não agora, para a disputa presidencial de 2026.
O problema é que, como quase toda bandeira
eleitoral, ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física para
R$ 5 mil é algo absolutamente irrealista em um país como o Brasil. O rendimento
real habitual dos trabalhadores atingiu R$ 3.228 no trimestre encerrado em
agosto, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad
Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Parece pouco, mas o valor corresponde a um
aumento de 5,1% em relação ao mesmo período de 2023 e foi alcançado no momento
em que a taxa de desemprego atingiu 6,6%, o menor resultado de toda a série
histórica da pesquisa. Isso traduz a realidade de um país de renda média, grupo
de 108 nações no qual o Brasil se insere, segundo critérios do Banco Mundial.
Infelizmente, quem recebe mais de R$ 5 mil no País ganha mais que a maioria da
população.
No ano passado, a arrecadação com IRPF rendeu
R$ 59,472 bilhões ao governo federal. Não parece muito ante o total de receitas
administrado pela Receita Federal no período, de R$ 2,241 trilhões, mas, a
título de comparação, o valor corresponde a 35% do orçamento do Bolsa Família
daquele ano, de quase R$ 169 bilhões. Não parece crível que o País possa abrir
mão dessa arrecadação.
Nada disso impede o governo de adotar medidas
para distribuir a carga tributária de maneira mais equânime sobre patrimônio e
renda, historicamente subtributados em relação ao consumo e aos salários. Mas,
quando teve a chance de tornar a carga sobre bens e serviços mais justa, o
governo trabalhou pelo oposto ao defender a inclusão das carnes na cesta básica
desonerada, ainda que o item seja majoritariamente consumido pelas classes
sociais mais favorecidas.
Ademais, criar um imposto mínimo para pessoas
físicas com renda acima de R$ 1 milhão e ampliar a tributação sobre lucros e
dividendos de pessoas físicas que atuam como empresas do Simples Nacional pode
ser opção para tornar o País menos desigual, mas será preciso contar com o
apoio do Congresso para colocar essas opções em prática.
Ainda que isso viesse a ocorrer, o que parece
improvável, o fato é que o Executivo federal não deveria abrir mão de qualquer
centavo que chegue aos cofres públicos. Afinal, com raras e pontuais exceções,
o País registra déficits primários estruturais há mais de dez anos, ou seja,
despesas maiores que as receitas. Por mais desagradável e impopular que isso
pareça, não há justificativa para ampliar a faixa de isenção do Imposto de
Renda da Pessoa Física que não passe pelo cálculo eleitoral de Lula da Silva.
O consignado no mundo real
O Estado de S. Paulo
Bancos querem aumentar teto dos juros dessa
modalidade após governo reduzi-lo na canetada
O populismo do governo Lula da Silva já
começa a cobrar faturas. É chegada a hora de o Conselho Nacional de Previdência
Social (CNPS) fazer um acerto de contas com a taxa de juros do crédito
consignado a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS). Segundo a Coluna do Broadcast, os bancos querem a revisão para
cima de um teto que foi reduzido na base da canetada, e a justificativa para
essa reivindicação é a alta recente da Selic.
Desde o início da gestão petista, o limite da
taxa de juros dessa modalidade de crédito já caiu oito vezes. Saiu de 2,14% ao
mês para os atuais 1,66%. O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi,
levantou essa bandeira, apesar dos alertas das instituições bancárias,
inclusive as públicas. Com uma taxa baixa em comparação a outras modalidades,
esse tipo de empréstimo beneficia idosos mais pobres, que comprometem, não
raro, parcela significativa de sua renda. Por isso, a condução do tema exige
muita responsabilidade.
A investida de Lupi levou os bancos a
suspenderem temporariamente o produto no ano passado. E os reflexos seguem no
setor, com queda nessas operações. A redução da Selic era o argumento usado
para sustentar essa pressão pela baixa do teto, mas agora ele ruiu com a
perspectiva de novas altas nas próximas reuniões do Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central (BC).
Diante da conjuntura econômica, os bancos se
articulam. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Associação
Brasileira de Bancos (ABBC) discutem como encaminhar o pedido ao governo. As
entidades sabem o tamanho do desafio, haja vista que não há sinais de que o
Ministério da Previdência aceite uma correção de rumos, e o tema é impopular.
Vale lembrar que muitos interessados na
manutenção de uma taxa irreal, digamos assim, integram o CNPS. Lá estão
representantes do governo, de associações de aposentados e pensionistas e de
centrais sindicais, que costumam se alinhar, além de empresas e bancos.
As instituições financeiras sairiam
gradativamente da linha, segundo fontes do setor, se houver redução acentuada
do spread – a diferença entre os juros cobrados pelas instituições e
as taxas que pagam para captar recursos no mercado. O movimento seria para o
governo um tiro no pé, ao reduzir um crédito barato a quem mais precisa.
Como solução, as instituições financeiras
propõem o ajuste do teto com base na taxa futura de dois anos, que é o prazo
médio desse empréstimo. À Coluna do Estadão, em maio, Lupi rechaçou a
sugestão porque, em suas palavras, “o juro futuro é o juro da incógnita”.
O ministro chegou a afirmar que “é melhor” derrubá-lo do cargo do que esperar um aumento do teto dos juros do consignado, e que “a tendência” era acompanhar a Selic, que naquele mês registrou a sua última queda. Agora a tendência virou, e não há nenhuma incógnita. É a opção do governo Lula da Silva por uma política fiscal frouxa que leva o BC a apertar a política monetária. A ver o que Lupi e seus conselheiros farão nas próximas reuniões.
Sem professores não há desenvolvimento
Correio Braziliense
É essencial que os docentes sejam merecedores
de iniciativas de Estado que tornem a docência uma carreira atraente. Sem
professores, o país entra em rota de involução
A boa educação impulsiona o desenvolvimento
econômico e social de um país se contar com profissionais competentes,
reconhecidos e respeitados por todas as classes sociais e econômicas de uma
sociedade. Cada categoria profissional tem uma participação na construção e no
crescimento de uma nação. Os professores, em todos os níveis, são os
responsáveis pelo repasse de informações e ensinamentos para o surgimento
desses profissionais, lembrando que os atuais docentes passaram pelas mãos dos
que os antecederam, propiciando-lhes meios de serem educadores e mestres sobre
os mais diversos campos do saber e da ciência.
Hoje, 15 de outubro, é dia de parabenizar os
2,31 milhões de professores existentes no país. Boa parcela da categoria,
porém, não vê muita razão para celebrações. Há anos, os docentes pedem
condições mais adequadas de trabalho, escolas com padrão de qualidade, com
acesso aos avanços tecnológicos, salas confortáveis para os discentes. Reclamam
também da própria falta de valorização da categoria pelos detentores de
poderes.
Os professores são indispensáveis, mas não
bem remunerados, seja nas grandes cidades, seja nos municípios mais
empobrecidos do país. Os pisos salariais justificam a evasão de docentes. Estão
bem abaixo dos detentores dos poderes, que têm autonomia para fixar os próprios
rendimentos, sem muita preocupação com o Orçamento da União ou com as políticas
públicas indispensáveis ao bem-estar da sociedade.
As disparidades salariais bem explicam o
esgotamento da esperança dos profissionais de ensino. Na última década
encerrada em 2023, o número de professores concursados despencou na maioria das
redes públicas de educação. Passou de 505 mil em 2013 — o correspondente a
68,4% do total de docentes nas redes estaduais — para 321 mil no ano passado
(46,5%), segundo levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Boa parte das vagas deixadas pelos
concursados foi preenchida por professores temporários, sem os mesmos direitos
e benefícios dos efetivos. O que seria uma exceção tornou-se um padrão.
O Plano Nacional de Educação (PNE)
estabeleceu metas para valorizar os professores em todas as etapas do ensino,
prevendo que 90% dos professores de escolas públicas sejam efetivos — uma
orientação que deveria ser cumprida até 2017. Como boa proposta, não foi
cumprida. Se, por um lado, os contratados temporários são alternativas para
suprir a demanda por profissionais, por outro, a solução causa impactos
negativos aos estudantes.
As recentes políticas de educação têm buscado
elevar a qualidade do ensino, impedir que alunos abandonem as salas de aula por
meio de diferentes estímulos. Nesse sentido, é essencial que os docentes sejam
merecedores de iniciativas de Estado que tornem a docência uma carreira
atraente para os professores, para os estudantes e para o país e que traduza em
qualidade de vida para todos os brasileiros. Sem professores, o país entra em
rota de involução.
Nenhum comentário:
Postar um comentário