terça-feira, 15 de outubro de 2024

Pedro Doria - Temos pouco tempo

O Globo

País pode estar no grupo de quem desenvolve tecnologia adjacente

Talvez não esteja muito claro, mas a gente tem tempo de entrar na era da inteligência artificial. Não seremos, os brasileiros, desenvolvedores da tecnologia. Esse bonde já partiu. Mas o número de países nesse primeiro nível será muito pequeno. Estados Unidos e China, certamente, mais uns dois ou três. Se tanto. Mas há um segundo nível nessa corrida: é quem desenvolve tecnologia adjacente. O Brasil pode perfeitamente entrar nesse jogo. Quem fará as melhores IAs para uso em agricultura? Para exploração de petróleo ou mineração? Ou para preservação de florestas, controle de queimadas? São muitas as áreas em que podemos ser líderes mundiais. A alternativa é sermos meros consumidores. Então, o que é preciso fazer?

O primeiro passo é que precisamos de um governo ágil. A tecnologia vem sendo desenvolvida muito rápido, não dá para esperar por 2026. É o governo Lula que precisa começar a atuar agora. Começa pelo investimento em cérebros. Todo mestrando em matemática, ciência da computação, engenharia ou disciplinas correlatas que for aprovado para um doutorado em IA deveria ganhar bolsa completa financiada pelo Estado brasileiro. Mais incentivos deveriam ser postos no jogo para que nossas melhores cabeças sejam aprovadas pelas melhores escolas, a começar pelas universidades de Toronto, Stanford ou MIT. É trabalho para fazer campanha mesmo. Botar pilha para a rapaziada estudar e retornar para cá.

O Brasil deveria também abrir suas fronteiras. Já fomos um país de imigrantes. Seria ótimo se tivéssemos a coragem de voltar a ser. Trazer gente de fora areja o pensamento, traz novos pontos de vista, muda a cultura. Abre o panorama. A China é uma ditadura, por certo tem gente bem formada que gostaria de deixar o país. A Índia é outro canto do mundo que forma multidões com qualidade. Um programa de vistos permanentes com emprego nas melhores universidades brasileiras para quem tiver conhecimento em IA é outro jeito de aumentar o número de cérebros pensantes por aqui. Não temos as neuras de americanos e europeus com imigrantes. Se não temos, por que não trazê-los? É hora. Essas mulheres e esses homens que vierem de fora poderão criar negócios aqui e lecionar em nossas faculdades. Precisamos de cérebros em quantidade. Alguma hora precisaremos parar de exportar e começar a importar. Por que não agora? Por que nunca fizemos isso? Por que somos tão fechados ao mundo?

Não bastam os cérebros sem infraestrutura. MicrosoftGoogle, Amazon e algumas outras companhias gastarão, nos próximos poucos anos, centenas de bilhões de dólares em parques de computadores para treinamento de IA. Suas principais dificuldades envolvem três elementos. O lugar para implantar esses armazéns de processamento precisa ser seguro — sem terremotos, furacões e outros riscos naturais. Eles precisam também ser alimentados por energia limpa, e é necessária muita água para refrigeração. O Brasil tem os três. Raros outros países têm. 

Não é difícil atrair esses negócios — só é preciso abrir mão de alguns dogmas. É preciso que o maquinário possa entrar no Brasil sem pagar imposto de importação e que não se façam exigências demais de ceder tecnologia ao país. Porque não precisa. Essas são instalações caríssimas, que custam bilhões de dólares. Quem instala uma pretende usá-la muito. E precisará de mão de obra. Se forem engenheiros vindos de fora ou locais, não importa. É gente com conhecimento de altíssimo nível. Gente que circulará pelas cidades vizinhas, frequentará os clubes por ali, manterá seus filhos nas escolas. Ao redor de uma instalação dessas pipocarão negócios relacionados à IA. Conhecimento atrai conhecimento, negócios atraem negócios.

O último e necessário passo é desenvolver um grande modelo de linguagem como GPT ou Gemini, treinado primariamente com textos em português e espanhol. Isso faz muita diferença. Esses modelos são capazes de emular pensamento sofisticado. Se forem treinados com nossa língua, poderão trazer resultados mais surpreendentes do que os que nascem falando inglês. Para isso, o governo já tem um plano que não é mau, ainda mais se for permitido que o treinamento seja feito por quem já sabe e tem o equipamento. Se formos depender de uma IAbras, gastaremos muito dinheiro para não ver resultado nunca.

O Brasil não precisa ser periferia na nova revolução tecnológica. Há tempo para nos desenvolvermos. Mas precisamos começar logo.

 

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