O Globo
Há fatos novos que levaram à prisão de Braga Netto, segundo as investigações. Ele, ao entregar o dinheiro aos kids pretos, ficou na mesma posição dos executores
O que motivou a ação contra o general Walter Braga Netto foi o fato de que “ele seguia buscando informações sobre dados sigilosos para, de alguma forma, interferir no processo”. Foi isto o que me disseram fontes a par das investigações, quando questionei por que Braga Netto e por que agora. Há ainda outro fator que levou o ex-ministro da Defesa à peculiar situação de estar preso no mesmo Comando Militar do Leste que um dia comandou, na Vila Militar Marechal Deodoro, onde tantos presos políticos sofreram durante a ditadura. Trata-se do relato prestado por Mauro Cid, segundo o qual o general teria entregado R$ 100 mil de integrantes do agronegócio aos chamados "kids pretos".
A acusação o colocou “na mesma posição dos
demais executores que estão presos há duas semanas”, me disse uma fonte. O
relatório da PF fala ainda em necessidade de “garantia da ordem pública”. O
raciocínio é que ele tem conexões, é influente, e poderia insistir em alguma
ação antidemocrática. Quando a Polícia Federal foi executar a ordem de busca e
apreensão contra o coronel Flávio Botelho Peregrino, principal assessor do
general Braga Netto, encontrou em
seu poder “dezenas de pen drives”. Estes dispositivos, além do
conteúdo dos celulares, podem conter informações sobre os financiadores.
Neste enredo que temos vivido há um fato
intrigante: o volume
de provas que os acusados e os suspeitos produziram contra si mesmos. Por
que eles guardaram tantas provas e documentos, alguns inclusive impressos?
Talvez os golpistas tivessem a certeza da impunidade, se desse errado. E a
esperança da glória, pelo reconhecimento histórico como protagonistas, se desse
certo.
A impunidade acolheu todos os golpistas no
Brasil. Ao longo do século XX, os militares assombraram a República com
levantes, quarteladas, ameaças, chantagens, e um golpe que nos custou 21 anos
de muito sofrimento. Ninguém foi punido. As raras prisões foram curtas e sem
processos. Como explicou o professor Carlos Fico, o ineditismo
agora é pela existência de processo legal conduzido pelo Poder
Judiciário em fase de normalidade democrática.
O senador Hamilton
Mourão, em entrevista
a Victoria Abel neste jornal, chamou o que houve de “golpe
tabajara”. Uma linha da defesa tem sido a de ridicularizar as descobertas para
convencer as pessoas de que não aconteceu o que a Polícia Federal está provando
que houve. Também pareceria sem sentido um general de divisão sair de Juiz de
Fora com um regimento para derrubar o governo. Pois é. Foi assim que começou
1964.
Mourão, o senador, fez uma sucessão de
perguntas na entrevista que concedeu ao GLOBO. “Como funcionaria um golpe? Você
vai fazer o quê? Fechar o Congresso? Qual o objetivo do golpe? Impedir a
posse?”. Todas essas perguntas já estão respondidas pela investigação. Não
apenas fechar o Congresso, mas “neutralizar" o presidente e o vice-
presidente eleitos, e pelo menos um ministro do Supremo. Os outros ministros
seriam presos.
Em entrevista que Mourão concedeu em 2018 à
equipe da GloboNews, perguntei a ele em que situação a democracia poderia ser
sacrificada. Mourão respondeu “quando há anarquia, quando o país está em
anarquia”. O caminho traçado pelos golpistas era exatamente produzir a anarquia
para justificar a intervenção. Naquela entrevista, ele repetiu que seu herói é
Brilhante Ustra. E quando eu lembrei que o coronel havia matado sob tortura
dezenas de pessoas, ele me respondeu “heróis matam”. Para aplacar as dúvidas do
senador, com tão nobres valores, recomenda-se a leitura de todas as milhares de
páginas já tornadas públicas do processo.
No ano que vem, o Brasil completará 40 anos
de democracia. Pela primeira vez, o país tem uma democracia de massas, já que
os outros períodos foram de direito de voto restrito. É espantoso que estejamos
vivendo essa história tão fora do tempo e lugar na terceira década do século
XXI. A leitura atenta dos relatórios da Polícia Federal arrepia pela
proximidade que estivemos de uma nova ruptura do Estado Democrático de Direito.
A punição de todos os responsáveis é a única forma de garantir tanto a própria
missão profissional das Forças Armadas, quanto a integridade da República
democrática na qual escolhemos viver. Não será uma travessia fácil, mas
subestimar os riscos ou cair de novo na tentação da impunidade são os erros que
o Brasil não pode cometer.
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