O Globo
É preciso saber quem financiou, mas também quem negligenciou com objetivos políticos
Eu soube, antes que tenha acontecido, que a
invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília vinha sendo planejada. Só não
sabia quando, nem de que forma. Todo mundo, aliás, sabia que algo era
organizado pela oposição. As redes convocavam para “a festa da Selma”, mas
ninguém tinha a dimensão do que ocorreria.
Foi assim: dias antes do 8 de Janeiro, eu
estava no restaurante Nido, no Leblon, e encontrei o publicitário Washington
Olivetto, que jantava noutra mesa. Conversávamos, quando nos abordou um senhor
de cerca de 60 anos, sotaque do Centro-Oeste, que estava numa terceira mesa. Os
dias eram tumultuados, preparava-se uma grande manifestação em Brasília de
apoio a Bolsonaro, derrotado por Lula na recente eleição presidencial.
O senhor nos reconheceu e puxou assunto.
Criticou a imprensa, disse que a eleição havia sido roubada e, indignado,
declarou:
— Mas isso vai acabar logo, logo, vocês vão ver.
Depois, começou a dar detalhes sobre a
manifestação do domingo, dizendo que ninguém aguentava mais a ditadura do
Supremo Tribunal Federal (STF) e o roubo das urnas eletrônicas. Que ônibus de
diversos lugares do país iam a Brasília para a manifestação. Parecia alterado,
atribuímos os excessos verbais à bebida e não demos bola para o intruso.
Dias depois, vi pela televisão as cenas de
barbárie, e logo me veio à mente a ameaça do fazendeiro que nos abordara
naquela noite no Leblon. Depois, sempre que nos encontrávamos, Olivetto e eu
nos gozávamos mutuamente. Estivéramos com um grande furo jornalístico nas mãos
e não aproveitamos. Agora que as investigações sobre a tentativa de golpe estão
atrás do “pessoal do agro”, me lembrei do episódio.
O tenente-coronel Mauro Cid, em sua delação
premiada, disse que o general Braga Netto enviara dinheiro vivo dentro de
caixas de vinho aos organizadores da marcha em Brasília. Era “o pessoal do
agro” que financiava o golpe, segundo Cid. Nosso interlocutor certamente foi um
dos que financiaram a logística do golpe, provavelmente no pagamento dos ônibus
de que nos falou naquela noite. Claro que “o pessoal do agro” é muito vago e
não representa toda a classe. Mas que o dinheiro, ou parte significativa dele,
veio de lá, isso veio, segundo as investigações, e minha experiência pessoal
confirma.
Essa será a parte mais importante das
investigações, pois desde o início sabia-se que não era possível manter aquelas
centenas, milhares de pessoas acampadas em frente ao Quartel-General do
Exército em Brasília, e a outros quartéis por diversos estados do país, sem que
por trás houvesse um esquema de financiamento graúdo. É preciso descobrir quem
financiou. É impressionante como oficiais de alta patente não tiveram condições
políticas de impedir os tais acampamentos, onde vários crimes foram planejados e
executados.
Claro que a falta de repressão enviava aos
amotinados a mensagem de que estava tudo sob controle. Sobre isso, nenhum
oficial com quem conversei nesses muitos meses depois do quebra-quebra de 8 de
janeiro de 2023 soube me explicar por que não foi proibido o acampamento em
frente ao Forte Apache, em Brasília. Uns falam em preservar a liberdade de
manifestação; outros, que a retirada à força poderia provocar uma convulsão.
Mas jamais deixariam que acontecesse, nem naquele, nem em outros locais
semelhantes, manifestações de apoio a Lula. Acampamentos do MST em frente ao
Forte Apache? Seria uma afronta.
Nenhuma dessas manifestações deveria ser permitida. A impressão de que estavam sob a proteção do Exército e de que a leniência significava que, na hora H, o Exército apoiaria a ação dos acampados era claramente alimentada. É preciso saber quem financiou, mas também quem negligenciou com objetivos políticos.
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