Operação da PF demonstra o risco de emendas opacas
O Globo
Falta de transparência nos recursos abre
brechas a fraudes, corrupção e lavagem de dinheiro
É oportuna a operação conjunta de Polícia Federal (PF), Controladoria-Geral da União, Ministério Público Federal e Receita Federal que investiga a suspeita de desvios de emendas parlamentares. O foco são fraudes licitatórias, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e outras entidades. Em 2024, os investigados assinaram contratos de R$ 825 milhões com órgãos públicos. No período sob investigação, movimentaram R$ 1,4 bilhão. Mandados de busca e apreensão, prisão preventiva e sequestro de bens foram executados nos estados da Bahia, do Tocantins, de São Paulo, Minas Gerais e Goiás.
A operação policial acontece no momento em
que o Legislativo enfrenta um embate com Executivo e Judiciário para manter
controle sobre uma fatia do Orçamento sem paralelo no mundo. Em 2014, emendas
parlamentares correspondiam a menos de 4% das despesas livres da União. Em
2020, chegaram perto de 29%. De lá para cá, a fatia caiu, mas se mantém acima
de 20%.
Depois da crise provocada pelo orçamento
secreto e da tentativa de manter a transferência de bilhões a estados e
municípios de forma opaca, o Supremo Tribunal Federal (STF) cancelou o
pagamento das emendas até que fossem cumpridas exigências mínimas de transparência
e rastreabilidade. Contrariado, o Congresso acusou o Executivo de influenciar o
Supremo e ameaçou sabotar votações de interesse do país. Depois de tensa
negociação, o governo editou uma portaria cheia de concessões aos parlamentares
para liberar o pagamento das emendas. Ministros do STF sinalizaram anuência ao
texto, e apenas na semana passada o governo pagou R$ 7,7 bilhões.
As suspeitas desmascaradas na operação
policial deixam claro por que, como determinou o Supremo, é fundamental haver,
no mínimo, transparência absoluta sobre os responsáveis pela indicação desses
gastos e sobre os projetos a que o dinheiro se destina.
Na primeira semana de dezembro, um empresário
foi preso quando chegou a Brasília num jatinho vindo de Salvador com R$ 1,5
milhão na bagagem. Aos policiais, declarou que usaria o dinheiro para comprar
maquinário para sua empresa. De acordo com a PF, ele é sócio de empresas usadas
num esquema que movimentou “grandes quantias utilizando notas fiscais frias
para simular serviços inexistentes”. Ao todo, 17 empresários, servidores
públicos e vereadores são acusados de participar da organização criminosa que desviava
recursos das emendas.
Um dos investigados é Francisco Nascimento,
vereador eleito pelo União Brasil em Campo Formoso (BA). Ele é primo do
deputado federal Elmar
Nascimento e de Elmo Nascimento, prefeito da cidade e irmão de
Elmar. Quando os policiais chegaram a sua casa, Francisco jogou pela janela uma
sacola com mais de R$ 200 mil. A construtora do empresário preso em Brasília
foi contratada para fazer pavimentação em Campo Formoso. Como mostrou
reportagem do Fantástico, o asfalto derretido desmancha na mão.
Fraudes, desvios e corrupção continuam a ser
preocupação central no caso das emendas parlamentares. As suspeitas não se
restringem ao Dnocs, nem aos estados alvos de diligências. A opacidade das
emendas oferece oportunidades de desvio em todo o país. Como determinou o
Supremo, seguir a Constituição é o mínimo. Em paralelo, a PF tem o dever de se
manter vigilante.
Indicação de cônjuge a TCE viola princípio de moralidade na gestão
O Globo
Mulher de ex-governador nomeada para Corte no Ceará é o sétimo caso recente, mas Justiça não vê nepotismo
Na sexta-feira, a Assembleia Legislativa do Ceará deu aval para que uma cadeira no Tribunal de Contas do Estado (TCE) seja ocupada pela psicopedagoga Onélia Santana, mulher do ministro da Educação e ex-governador do Ceará, Camilo Santana (PT). Como conselheira, ela terá direito a cargo vitalício e salário de R$ 39.717,69, além das mordomias de praxe. A aprovação ocorreu sem objeções, com 36 votos favoráveis e apenas cinco contrários. Onélia, hoje secretária de Proteção Social do governo cearense, é a quinta mulher de ministro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — todos ex-governadores — catapultada a um tribunal de contas estadual.
As leis e normas que regulam o nepotismo vedam indicações a cargos públicos de parentes até terceiro grau. Com base nisso, nomeações para TCEs foram questionadas em diferentes instâncias da Justiça, mas o entendimento tem sido de que são legais. Santana não é mais governador, e a indicação foi referendada pela Assembleia. Ao julgar o caso de Daniela Barbalho — casada com o atual governador do Pará, Helder Barbalho, e indicada como conselheira do TCE paraense no ano passado —, o ministro Dias Toffoli, do STF, afirmou que a súmula vinculante 13 (sobre nepotismo) não trata da hipótese de nomeação cuja indicação e aprovação sejam feitas por outro Poder. Toffoli afirmou que Daniela fora indicada ao cargo por 11 lideranças partidárias e aprovada na Assembleia após sabatina. Ela foi mantida no cargo.
No ano passado, Rejane Dias, mulher do ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT), foi nomeada ao TCE do Piauí, estado que o marido governara. Em 2022, quando governador do Amapá, o ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (PDT), também pôs no TCE sua mulher, Marília Góes. A escolha foi barrada pela Justiça, mas confirmada depois. O ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), levou a mulher, Renata Calheiros, ao TCE de Alagoas em 2022, depois de deixar o governo do estado e antes de se juntar à equipe de Lula. O ministro da Casa Civil e ex-governador da Bahia, Rui Costa (PT), levou a mulher, Aline Peixoto, ao Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia no ano passado. Simone Denarium, mulher do governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), também obteve cargo no TCE. “Escolhas dessa natureza, que não respeitam critérios técnicos e os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, enfraquecem os tribunais de contas, órgãos fundamentais no controle externo das finanças públicas”, diz a ONG Transparência Brasil.
Ainda que parentes de políticos possam ser idôneos e capazes, trata-se de péssimo exemplo para o país. É improvável que assembleias legislativas vetem cônjuges de políticos influentes, mesmo que não preencham as condições exigidas para o cargo. Não cabe a tribunais de contas distribuir empregos públicos a quem quer que seja. Os critérios deveriam ser técnicos. Na letra da lei, pode até não haver ilegalidade, mas não há dúvida de que a prática degrada a gestão pública.
Comércio global se recupera, mas 2025 é cheio
de incertezas
Valor Econômico
Guiado mais pela geopolítica e medidas
protecionistas unilaterais, o comércio global está se transformando em arma na
competição entre os países, deixando em segundo plano os objetivos econômicos
Depois de ter encolhido 1,2% em 2023, o
comércio global se recuperou neste ano e deve crescer 2,7%, nas previsões da
Organização Mundial do Comércio (OMC). Os conflitos na Ucrânia e no Oriente
Médio, com consequências negativas nos preços das commodities e no transporte
mundial, em especial no Canal de Suez, continuaram afetando os negócios. No
entanto, o mercado se adaptou às novas circunstâncias. Em valor, o aumento é de
US$ 1 trilhão, ou 3,3%, para US$ 33 trilhões, de acordo com a Agência das
Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), impulsionado
principalmente pelo avanço de 7% no caso de serviços e de apenas 2% no de
mercadorias.
A retomada é desigual. A Argentina surpreende
com aumento de 17% das exportações e queda de 22% nas importações, no acumulado
do ano até setembro em comparação ao mesmo período em 2023, em consequência da
normalização climática após forte seca e das reformas introduzidas pelo
presidente Javier Milei. O Vietnã, máquina exportadora satélite da China, é
outro destaque, com crescimento de 15% das exportações, e de 17% das
importações. As grandes economias apresentaram variações mais modestas nas
exportações, de 5% no caso da China e 3% dos Estados Unidos, enquanto as
importações chinesas cresceram apenas 2% e as americanas, 5%.
Em tipo de produto, as exportações globais do
agronegócio caíram 1%; as de metais, 3%; e as de minerais 1%. Por outro lado,
os embarques de produtos de tecnologia da informação e têxteis cresceram 13% e
14%, respectivamente.
Para 2025, a OMC espera expansão mais forte
do comércio global de mercadorias, de 3%. A previsão foi feita, porém, antes da
eleição de Donald Trump para presidente dos EUA, mas já falava vagamente que
crescentes riscos geopolíticos e incertezas relativas às políticas econômicas
ameaçam e tornam incerta a projeção para o próximo ano.
Uma das promessas eleitorais de Trump é
reativar a política protecionista do seu primeiro mandato de “Make America
Great Again”. Antes mesmo de tomar posse, ameaçou impor uma tarifa geral de 10%
a 20% sobre a maioria das importações, inclusive de parceiros tradicionais, e
de 60% sobre os produtos da China, identificada como inimigo número um. Não
escaparam nem seus vizinhos. Trump anunciou tarifas de 25% sobre as importações
do México e do Canadá.
Os países diretamente afetados manifestaram
disposição de negociar, como o Canadá e a China. A presidente mexicana, Claudia
Sheinbaum, falou em retaliar caso as tarifas sejam aplicadas, como ocorreu em
2018, e diz que a ameaça afeta 400 mil empregos no país. Mas confia que a
complementariedade da produção dos dois países e o fato de muitas empresas
americanas estarem produzindo no México possam fazer Trump pensar duas vezes. O
México continua sendo o maior parceiro comercial dos EUA, com trocas comerciais
anuais estimadas em US$ 800 bilhões.
Nada indica, porém, que Trump possa ser mais
comedido ou se dispor a conversar, apesar das previsões de que suas políticas
comerciais podem elevar a inflação e reduzir o crescimento. O Brasil é um dos
países mais suscetíveis de serem alvo de ataques comerciais no futuro governo
americano, segundo estudo do Global Trade Alert (GTA), que monitora o
desenvolvimento de políticas comerciais (Valor, 7/11). O GTA colocou o Brasil
entre os 14 países com maior risco de atrito com o futuro governo de Trump de
um total de 173 analisados.
Os pontos de atrito são a taxa de câmbio,
medidas de estímulo a empresas brasileiras que restringem exportações
americanas e práticas mencionadas no relatório anual de Estimativa de Comércio
Nacional sobre Barreiras ao Comércio Exterior (NTE). O Brasil tem três
bandeiras vermelhas na avaliação do GTA. O país com o máximo de bandeiras
vermelhas é a Coreia do Sul, com cinco. A China tem quatro.
Questões ideológicas podem influenciar
negativamente a relação de Brasil e EUA. Mas, mesmo antes de Trump assumir, já
existiam pontos sensíveis, como a tarifa de 20% ao etanol americano, o uso de
equipamentos da chinesa Huawei na rede de 5G no Brasil, e a proteção de
indicação geográfica pedida pela União Europeia (UE) e concedida pelo Brasil.
A situação da economia chinesa influirá com
peso no comércio global em 2025. A China desacelera aos poucos desde 2007 e a
estimativa é que, após crescer cerca de 5% neste ano, o PIB deve aumentar entre
4% e 4,5% em 2025. A pressão comercial de Trump vai agravar os problemas de
Pequim.
O protecionismo deve se ampliar. A OMC
registrou a introdução de 169 medidas restritivas por seus membros nos 12 meses
terminados em outubro. Essas ações limitavam US$ 2,942 trilhões em importações
(11,8% do total global), um aumento de quase 10% em comparação com 2023. E
restringem US$ 276,7 bilhões em exportações de mercadorias - 1,1% do valor
mundial, quase o dobro do período anterior.
Guiado mais pela geopolítica e medidas protecionistas unilaterais, o comércio global está se transformando em arma na competição entre os países, deixando em segundo plano os objetivos de crescimento econômico, criação de empregos, segurança alimentar e parceria entre as nações.
Nova revisão de dívida dos estados premia
maus gestores
Folha de S. Paulo
Projeto de lei estimula descaso com
Orçamentos e alta de gastos por governadores; Congresso deveria ser mais
responsável
A nova
renegociação das dívidas dos estados por meio de redução
de juros,
recém-aprovada pela Câmara dos
Deputados, pode deteriorar ainda mais as finanças das unidades
federativas. Isso porque a diminuição dos encargos abre espaço para expansão de
gastos, que já crescem de modo acelerado.
Pelo projeto de lei, que retornará ao Senado,
haverá corte nos indexadores sob certas condições, como entrega de ativos e
compromissos de investimentos em áreas como saneamento, educação, habitação e
adaptação a mudanças climáticas.
Pela regra atual, os valores devidos são
corrigidos pela inflação mais
taxa de 4% ao ano; com a mudança, ela será de zero até 2%. O impacto da
proposta para a União pode chegar a R$ 48 bilhões anuais, segundo estimativas
de pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
A medida beneficia especialmente Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, que juntos respondem por
90% dos R$ 765 bilhões que o Tesouro tem a receber. Também haverá um fundo para
compensar demais estados com dívidas menores, entre outras vantagens.
Trata-se de mais uma renegociação temerária,
como as anteriores, que privilegia a
incúria administrativa dos governadores e joga os problemas
para o futuro.
O mesmo estudo da FGV aponta que as despesas
primárias (não financeiras) no nível regional, que inclui estados e municípios,
cresceram de modo acelerado nos últimos anos. Os valores passaram de R$ 458
bilhões em 2019 (média trimestral) para R$ 630 bilhões no terceiro trimestre de
2024 —alta de 38% acima da inflação medida no período.
A causa principal foi o aumento volumoso das
transferências federais. Além dos fundos de participação que dividem receitas
de impostos, há royalties de recursos naturais e outras fontes como
participações especiais e até as emendas parlamentares.
No total, as transferências chegaram a R$ 591
bilhões nos 12 meses encerrados em setembro último, um salto real de 70% ante o
montante de 2017.
É preciso derrubar o mito de que as receitas
no Brasil estão concentradas no governo federal. Na verdade, a partição entre
os entes é superior ao que se observa em outros países.
A perda de força do Executivo nas negociações
com as unidades da Federação tem várias origens. Entre elas, a apropriação
pelo Congresso
Nacional de parcelas crescentes do Orçamento desde 2013,
com ampliação
ciclópica das emendas parlamentares.
Também há intromissão indevida do Superior
Tribunal Federal nos contratos firmados entre a União e os estados, o que
coloca em risco a segurança jurídica.
Se o governo federal já está diante de uma
crise fiscal, as forças políticas vêm se esforçando para estendê-la ao restante
do país. Urge dar um basta na irresponsabilidade no tratamento dado aos
interesses do erário, sempre prejudicados por populismo.
Ministro da Educação é mais um a aderir ao
'esposismo'
Folha de S. Paulo
Mulher de Camilo Santana ganha cargo em
tribunal de contas, como as de outros 4 chefes de pastas e as de 2 governadores
Graduada em letras, psicopedagoga clínica,
doutora em ciências da saúde, ex-secretária municipal de Assistência Social de
Juazeiro do Norte (CE) e secretária estadual de Proteção Social, Onélia Santana
parece reunir qualificações para diferentes tarefas. Menos claro é por que tal
currículo a credencia para o cobiçado posto de conselheira do Tribunal de
Contas cearense.
Ela é casada com Camilo
Santana (PT), ex-governador do
estado e hoje ministro da Educação do
correligionário Luiz Inácio Lula da
Silva. Sua indicação
para o TCE foi aprovada há poucos dias na Assembleia
Legislativa pelo elástico placar de 36 votos a 5.
Terá cargo vitalício, até a aposentadoria
compulsória aos 75 anos de idade, e fará jus ao generoso salário de R$ 39,7 mil
mensais —pouco abaixo do teto fixado para todo o serviço público nacional, hoje
de R$ 44 mil.
Esse caminha para se consolidar como emprego
ideal para mulheres de ministros. Além de Santana, há outros
quatro titulares de pastas cujas consortes estão instaladas em
cortes de contas.
Rui Costa (PT),
da Casa Civil, Wellington Dias (PT), do Desenvolvimento e Assistência
Social, Renan Filho (MDB), dos
Transportes, e Waldez Góes (PDT), da Integração Nacional, têm seus orçamentos
domésticos reforçados por vencimentos pagos por tribunais de Bahia, Piauí,
Alagoas e Amapá, respectivamente.
Também como Santana, todos são
ex-governadores, o que decerto ajuda a explicar a boa vontade das assembleias
em conceder as sinecuras a suas esposas.
A bem da verdade, a prática não está restrita
à Esplanada. O
"esposismo", como se pode chamar essa modalidade de nepotismo e
patrimonialismo, vigora no Pará e em Roraima com os maridos Helder Barbalho
(MDB) e Antonio Denarium (PP) sentados nas cadeiras
de governador. Pode-se imaginar com que rigor as primeiras-damas atuarão na
fiscalização das finanças locais.
São 33 os tribunais de contas do país nos
três níveis de governo. Conforme a Constituição,
seus dirigentes —um terço deles escolhidos pelo Executivo e dois terços pelo
Legislativo— devem ter "notórios conhecimentos jurídicos, contábeis,
econômicos e financeiros ou de administração pública". Como se vê, os
critérios para aferir tais conhecimentos podem ser bastante elásticos.
Mesmo que se considere útil manter todo esse aparato, não seria difícil aperfeiçoar a legislação de modo a favorecer quadros mais qualificados nas cortes. Não é o que mundo político fará de bom grado, pelo bem de cônjuges, compadres e aliados.
A ameaça de Lula ao Banco Central
O Estado de S. Paulo
Ao chamar de irresponsável a alta dos juros e
afirmar que vai ‘cuidar disso’, Lula faz pouco da autonomia do BC e lança
dúvidas sobre a independência de seu escolhido para presidir o banco
No mesmo dia em que recebeu alta do Hospital
Sírio-Libanês, depois de uma cirurgia de emergência e cinco dias de internação,
Lula da Silva mostrou que está mesmo em forma. Em entrevista ao Fantástico,
da TV Globo, não deixou dúvidas sobre seu desejo de interferir na gestão de
Gabriel Galípolo, seu escolhido para presidir o Banco Central(BC) a partir do
ano que vem.
Lula avaliou que tudo tem dado certo em seu
governo, e que a única coisa errada é a taxa de juros, que acaba de ser elevada
para 12,25% pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central – com o
voto inclusive de Galípolo.
“Não há nenhuma explicação. A inflação está
quatro e pouco. É uma inflação totalmente controlada. A irresponsabilidade é de
quem aumenta a taxa de juros todo dia, não é do governo federal. Mas nós vamos
cuidar disso também”, disse Lula.
Ao contrário do que disse o presidente,
contudo, há explicação para a alta dos juros. O Copom informou que decidiu
elevar em 1 ponto porcentual a Selic, entre outras razões, como resposta à
flacidez do pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo.
“A percepção dos agentes econômicos sobre o
recente anúncio fiscal afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as
expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de
inflação e a taxa de câmbio. Avaliou-se que tais impactos contribuem para uma
dinâmica inflacionária mais adversa”, informou o Copom. Segundo o comitê, esse
fator, dentre outros, “exige uma política monetária ainda mais contracionista”.
Os “quatro e pouco” de inflação a que Lula se
referiu são, na verdade, 4,87% no acumulado em 12 meses até novembro, como
verificou o IBGE, nada menos do que 1,87 ponto porcentual acima do centro da
meta inflacionária fixada pelo próprio governo para este ano. A inflação, que
nos últimos meses se espalhou por todos os preços, já estourou o teto máximo
permitido para 2024, caminha perigosamente para ficar acima do limite do
primeiro período de 2025 e está longe de estar “totalmente controlada”, como
afirma Lula.
Mas o demiurgo é incansável. Ao insistir em
negar a realidade da alta da inflação e o papel dos gastos do governo nessa
escalada, Lula pretende caracterizar o Banco Central como um instrumento do
mercado para favorecer o rentismo em detrimento do crescimento do País. É tudo
muito conveniente, especialmente porque o BC ainda é presidido por Roberto
Campos Neto, indicado pelo antípoda de Lula, Jair Bolsonaro.
O problema é que Gabriel Galípolo, sucessor de Campos Neto escolhido por Lula, também votou a favor da alta dos juros e tem sido especialmente conservador em suas declarações sobre a inflação e o trabalho do BC em contê-la. Pode ser que tudo mude a partir de sua posse e que Galípolo, para agradar ao padrinho, se disponha a “cuidar disso”, isto é, baixar os juros na marra. Só daqui a algum tempo saberemos qual versão de Galípolo presidirá o BC, se o zelador prudente do poder de compra da moeda que ele parece ser até aqui ou o irresponsável sabujo do presidente perdulário, como desejam os petistas.
Em recente jantar em Brasília, Campos Neto
disse que a tarefa de Galípolo no BC será bem mais difícil do que a dele. De
fato, nos quatro primeiros anos de seu mandato de seis (como primeiro
presidente autônomo ele permaneceu no cargo por mais dois anos para iniciar a
série de mandatos não coincidentes com o da Presidência da República), Campos
Neto teve pelo menos algum apoio da base aliada, ainda que as críticas de
Bolsonaro à política monetária em momentos de juros altos não diferissem em
quase nada das feitas por Lula.
Galípolo deve iniciar sua jornada trombando
com Lula e com o PT. De nada adiantou o Copom ter explicitado a disposição de
efetuar duas novas altas de 1 ponto porcentual até março, se Lula já está
ignorando o que parecia ser uma barreira de contenção contra os arroubos do
governo nos três primeiros meses da nova diretoria do BC. “Ninguém tem mais
responsabilidade fiscal do que eu”, bradou o presidente, que deve terminar seu
mandato com quatro anos de déficit fiscal.
Sinal amarelo nos emergentes
O Estado de S. Paulo
A desaceleração econômica na Índia é um
alerta para os Brics. Os principais países do bloco enfrentam desafios
autoimpostos nada triviais e que tendem a se agravar com retorno de Trump
Economia que mais cresce no mundo, a Índia
desacelerou no terceiro trimestre, quando o PIB registrou alta de 5,4% – muito
abaixo dos 7% previstos para o período. O desempenho aquém do esperado fez o
Banco de Desenvolvimento da Ásia (ADB, na sigla em inglês) reduzir a estimativa
de crescimento indiano de 7% para 6,5% no ano fiscal de 2025.
Embora as perspectivas de PIB da Índia ainda
superem expressivamente às de outros países do G-20 e do Brics, o bloco no qual
também estão Brasil, Rússia e China, o recuo no PIB do país cuja economia é a
que mais cresce na atualidade coloca sob suspeição uma história de sucesso até
pouco tempo não contestada.
Não é sem razão, porém, que as dúvidas sobre
o futuro da economia indiana começam a aflorar. O país enfrenta desafios em
diversas frentes: inflação persistentemente alta, enfraquecimento do consumo e
baixo investimento estatal e privado estão entre eles.
Para lidar com o cenário de desaceleração
econômica e inflação, o governo surpreendeu ao indicar um novo comando para o
Banco Central do país, medida que por ora só conseguiu aumentar o grau de
incerteza sobre para onde irá a Índia, que, apesar da bonança econômica dos
últimos anos, segue sendo um país extremamente desigual, com renda per capita
de menos de US$ 3 mil.
O único consolo para a Índia é o de não estar
só. Outros motores do crescimento global também enfrentam desafios econômicos
significativos. A outrora exuberante economia chinesa, a segunda maior do
mundo, tenta agora desesperadamente salvar a meta de crescimento de 5% neste e
no próximo ano.
Ao longo de 2024, o governo chinês lançou mão
de um número de medidas de estímulo, numa tentativa de, ao mesmo tempo, apoiar
o nebuloso setor imobiliário do país e incentivar o consumo, conceito
historicamente estranho aos chineses, que ficaram ainda menos propensos a
gastar após a crise provocada pela covid-19 e o aumento do desemprego,
sobretudo entre os mais jovens.
O líder supremo da China, Xi Jinping, tem
emitido sinais de que novas e robustas medidas de estímulo serão adotadas para
garantir que a China siga crescendo ao ritmo de 5% ao ano. Aguarda-se mais
contundência e foco das autoridades chinesas, já que as medidas anunciadas até
aqui são, segundo especialistas, de pouco calibre.
Na Rússia, que mostrou resiliência inesperada
às sanções impostas pelo Ocidente em resposta à campanha imperialista de
Vladimir Putin na Ucrânia, as fissuras econômicas do inchado orçamento de
guerra começam a aparecer. O Banco Central russo recentemente elevou os juros
para 21%, o maior patamar em duas décadas, numa tentativa de debelar a inflação
que, segundo os pouco confiáveis dados oficiais, ronda os 9%. O país enfrenta
falta de mão de obra, já que com a guerra muitos estão lutando ou fugiram do país
justamente para não lutar, razão pela qual a atração de trabalhadores depende
de salários atraentes.
Entre os Brics de alta patente há ainda o
Brasil, cuja economia tem crescido na base do estímulo fiscal. Enquanto isso, a
dívida pública e os juros não apenas sobem expressivamente, como não se
vislumbra com clareza quando se estabilizarão ou virão a cair.
Cada qual por demérito próprio, os principais
países do Brics chegam ao fim de 2024 com desafios econômicos nada
desprezíveis, desafios criados pelas lideranças de cada um desses países e que
já existiam mesmo antes de Donald Trump ter vencido de forma retumbante as
eleições norte-americanas.
Como promete mergulhar o mundo em uma guerra
tarifária e ser implacável contra os imigrantes ilegais, Trump causa
preocupação adicional tantos aos inimigos declarados, Rússia e China, como à
aliada Índia.
Fato é que a desaceleração econômica de China
e Índia, combinada com a expansão insustentável de Brasil e Rússia, já é dor de
cabeça suficiente para a economia mundial, que tende a perder força,
independentemente de Trump.
Aos Brics resta, então, adotar os remédios,
amargos que sejam, para correção de seus problemas estruturais, causados em
grande medida por eles mesmos. E que, pelo menos no caso brasileiro, seja
rápido, antes que os efeitos da presidência de Trump agravem o quadro.
Olho gordo sobre a Petrobras
O Estado de S. Paulo
Mudanças simultâneas na Petrobras e na
Agência Nacional do Petróleo elevam temor de interferência do governo
O aparelhamento político-partidário da
Petrobras, uma hábito antigo em gestões petistas, voltou ao centro das atenções
com os recentes sinais emitidos pelo governo Lula da Silva de uma nova
alteração no Conselho de Administração da empresa, em operação casada com a
mudança de comando na Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis
(ANP). A substituição na agência era esperada, já que o mandato do atual
diretor-geral termina neste mês, mas o jogo de interesses políticos que
envolvem o movimento na companhia e no órgão regulador causa sobressaltos.
Em resumo, Alexandre Silveira, ministro de
Minas e Energia – do PSD, partido do Centrão, que se tornou forte aliado de
Lula –, cederá a indicação da presidência do Conselho da Petrobras para Rui
Costa, da Casa Civil, ou Fernando Haddad, da Fazenda; em compensação, conduzirá
seu indicado à ANP. Uma mudança providencial para Silveira, que tenta acelerar
a regulamentação do programa de desconcentração de gás natural que, na prática,
limita a atuação da Petrobras no comércio de gás, com a oferta do produto pela
companhia em leilões compulsórios.
O Ministério de Silveira chegou a acusar a
ANP de “inércia regulatória”, como fez também com a Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), e tentou incluir o tema em um projeto de transição energética
no Congresso, sem sucesso. O Senado rejeitou a medida. Com um braço na ANP, por
meio de seu secretário de Petróleo e Gás, Silveira deve, por certo, tentar
emplacar a mudança no gás. E Lula deve aproveitar para combater por dentro o
que parece abominar: a autonomia operacional das agências reguladoras.
Em outra frente, o PT assume a presidência do
Conselho de Administração da Petrobras – por indicação de Costa ou Haddad –, o
que indiretamente aumenta o poder da Federação Única dos Petroleiros (FUP), a
entidade sindical que elevou de forma exponencial sua influência na companhia
com a volta de Lula ao Planalto.
O temor de intensificação da interferência
política fez as ações da Petrobras despencarem na bolsa, movimento que foi
revertido depois de a empresa anunciar uma descoberta gigante de gás na
Colômbia, capaz de elevar em 200% as reservas daquele país. Foi a maior
descoberta da história colombiana, feita em parceria com a petroleira local, a
Ecopetrol. Mais uma vez, o bom desempenho da Petrobras reverteu os prejuízos
que os deslocamentos políticos frequentemente impõem à sua imagem.
Resta saber por quanto tempo essa “barreira técnico-operacional” conseguirá impedir os efeitos da avidez político-partidária. Após a lição deixada pelo petrolão, um escândalo de corrupção e má gestão que se desdobrou em várias frentes, a Petrobras deixou de ter em seu Conselho de Administração representantes diretos do governo, numa tentativa de dar mais independência às decisões da empresa. Agora, essa medida de boa governança está sendo enfraquecida pelo governo Lula da Silva, em total desrespeito à empresa brasileira que, no discurso, ele diz admirar.
Ódio a mulheres mata e dá lucro
Correio Braziliense
Sem qualquer distinção, o Brasil detém a
quinta maior taxa desse crime no ranking mundial dos países mais agressivos às
mulheres, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)
O desprezo e o ódio pela mulher são
os ingredientes que configuram a misoginia —
com amplo espaço no universo virtual — e levam os homens à prática do
feminicídio. Sem qualquer distinção, o Brasil detém a quinta maior taxa desse
crime no ranking mundial dos países mais agressivos às mulheres, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS). É também um grande produtor de conteúdos
nas plataformas digitais que retratam o tamanho da covardia masculina contra o
gênero oposto.
A matança de mulheres, motivada pelo fato de
ser do sexo feminino, é atitude inconcebível, mas rentável para alguns
segmentos desprovidos de quaisquer valores humanitários. O estímulo ao machismo
está nas redes sociais e nas diversas plataformas da internet. Na última
sexta-feira, o Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero
nas Plataformas Digitais — uma parceria entre o Ministério das Mulheres e o
NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro — revelou o quanto a
propagação da misoginia se tornou lucrativa no mundo virtual. Na primeira etapa
da pesquisa, foram analisados 76 mil vídeos e 7.812 canais, que somaram mais de
4,1 bilhões de visualizações e 23 milhões de comentários.
O documento divulgado — Aprenda a evitar esse
tipo de mulher: estratégias discursivas e monetização de misoginia no YouTube —
mostra que pelo menos 80% dos 137 canais avaliados na segunda etapa do estudo
continham conteúdo misóginos e usavam algum instrumento de rentabilidade da
plataforma. Entre eles, o levantamento ressalta a ferramenta Super Chat, em que
os espectadores podem comprar mensagens destacadas nas transmissões ao vivo.
Nessa operação, há lucro tanto para a plataforma quanto para os influenciadores.
Para as ministras Cida Gonçalves, das
Mulheres, e Anielle Franco, da Igualdade Racial, o relatório dialoga com o
Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não concluiu o julgamento, iniciado
na semana passada, sobre a regulação das plataformas e redes sociais — matéria
deixada de lado pelo Congresso Nacional. Dependendo do entendimento da Alta
Corte, as plataformas responderão solidariamente pela publicação de mensagens
inadequadas, como os discursos de ódio, fake news e mensagens incompatíveis com
os paradigmas da Constituição de 1988 e do Estado Democrático de Direito.
O YouTube, por meio de nota, alegou que não
foi convidado a participar do estudo e afirmou que remove "conteúdo que
promova a violência ou o ódio contra indivíduos ou grupos com base em algumas
características, entre elas a identidade e expressão de gênero e orientação
sexual". Acrescentou, na nota, que de janeiro a setembro deste ano,
"mais de 511 mil vídeos foram removidos" por infringir as suas
diretrizes.
O fato é que a presença de conteúdos
misóginos não se limita a essa plataforma. Ao contrário, a sensação de que a
internet é "terra sem lei" facilita a prática, que tem desdobramentos
para além do mundo virtual. Ao anunciar o relatório, a ministra Cida Gonçalves
lembrou que a meta de feminicídio zero, estabelecida como prioridade pelo
governo, passa também por um trabalho de conscientização da população sobre o
que é misoginia e as suas consequências.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, no ano passado, 1.467 mulheres foram mortas por razões de gênero, o maior registro desde a publicação da lei que tipifica o crime, em 2015. Ontem, o Distrito Federal registrou a 23ª vítima deste ano — o que indica a média de um assassinato a cada duas semanas. Não custa lembrar o que ensina o velho adágio popular para evitar mortes e conflitos: "O direito de um(a) termina onde começa o do outro(a)".
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