terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Centro prevalecendo sobre polarização - César Felício

Valor Econômico

Levantamento recentes indicam que uma divisão do eleitorado em três faixas praticamente iguais

Um conjunto de pesquisas divulgadas nos últimos dias indicou que a sociedade brasileira está menos polarizada do que dizem as aparências e que há um senso comum a favor da democracia. Existe ceticismo, contudo, em relação ao inquérito no Supremo Tribunal Federal que apura uma tentativa de golpe de Estado em 2022.

Esses dois achados, para o bem ou o mal, dialogam entre si. O extremismo ideológico patrocinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro está confinado a uma parcela minoritária do eleitorado, mas não há, ainda, convicção de que o ex-presidente estaria envolvido no golpismo, mesmo diante do intenso noticiário nesse sentido.

É sintomático que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha tido a iniciativa de tocar no assunto do golpismo em suas declarações públicas assim que recebeu alta do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde foi operado. Abordou o tema sem ser indagado. “É muito triste saber que pessoas que chegaram ao cargo de general de quatro estrelas montaram uma máquina de fazer maldade nesse País e queriam dar um golpe”, disse Lula em entrevista ao “Fantástico”, da Rede Globo. A prisão do general Walter Braga Netto por tentar interferir nas investigações é fato do dia 14 e as pesquisas foram anteriores a isso. Mas já demonstravam que o impacto do indiciamento pela Polícia Federal tanto de Bolsonaro quanto de Braga Netto foi relativo.

De acordo com pesquisa feita na primeira semana de dezembro pelo Ipespe para o Observatório da Democracia criado pela Advocacia Geral da União (AGU), a população se posiciona sobre o tema conforme o posicionamento político.

No geral, 42% dos pesquisados acreditam que o país passou por um risco real de golpe de Estado. Mas no eleitorado de esquerda, esse percentual sobe para 80%. No da direita, ocorre o oposto. Somente 20% viram risco real de golpe e 53% disseram que não houve risco algum. Na faixa de centro, as opiniões se dividem: 40% viram grande risco, 34% pequeno risco e 27% não viu risco ou não sabe responder.

O senso comum a favor da democracia ficou claro pela pesquisa do Ipespe, em que uma maioria de dois para um prefere a democracia com todas suas mazelas a um regime autoritário.

É preciso ressalvar, contudo, que neste caso há o risco de uma espiral de silêncio. Espiral de silêncio, segundo conceito da cientista poítica Elizabeth Noelle Norman, é quando o entrevistador opta pela resposta que acredita ter mais aceitação social, e não pela que de fato traduz seu pensamento.

Uma outra pesquisa, do Ipec, feita entre 5 e 10 de dezembro, constatou que 65% dos pesquisados estavam pouco (41%) ou nada (24%) informados sobre o intento golpista. Para 43% Bolsonaro está metido na conspiração e para outros 42% ele é alvo de perseguição política. A divisão quase idêntica não existe nos cruzamentos. As faixas usualmente mais lulistas vêem culpa de Bolsonaro e as mais oposicionistas vêem um processo injusto.

Um desdobramento da enorme pesquisa Genial/Quaest divulgada na semana passada inidica que a faixa de centro no Brasil pode ser a maior, em que pese a polarização nacional. Somente 19% se declarou lulista/petista e 12% bolsonarista. Outros 14% se disseram “de esquerda, mas não lulista/petista e 20% “de direita, mas não bolsonarista”. Os que se dissem “sem posicionamento” são 30% e 4% não sabe ou não respondeu.

Agregando as categorias, no campo vermelho estão 33%, no campo azul 32% e na coluna do meio estão 34%. Três fatias praticamente iguais, mas com uma ligeiro pendor para os que não se identificam com os polos.

Na divisão por cruzamentos um dado que chama a atenção é que o campo centrista é transversal: não há grande oscilação por gênero, religião, renda e instrução, o que não acontece com os campos direitista e esquerdista.

Apenas nas faixas de maior renda e de maior instrução o campo centrista não predomina: é ultrapassado ou alcançado, nos dois segmentos, pelo eleitor “de direita, mas não bolsonarista”. É um resultado condizente com o que se viu nos grandes centros urbanos na eleição municipal de outubro. Partidos conservadores, não necessariamente o PL, somados receberam a maior parte dos votos nas cidades com renda maior e nivel de instrução da população maior.

Um resultado significativo pode ser visto no campo vermelho nestas duas faixas e na de eleitores entre 16 e 34 anos, o eleitorado jovem . Nessas três categorias há mais gente se declarando “de esquerda, mas não lulista/petista ” , do que adeptos do presidente ou do PT. Em todas as demais o lulismo-petismo é significativamente mais alta do que a esquerda alternativa.

Isso demonstra com números a premissa de que Lula é maior que a esquerda no Brasil, mas Bolsonaro é menor que a direita. Daí a reconhecida dificuldade do campo esquerdista fornecer alternativas ao nome do atual presidente na disputa eleitoral de 2026, ao passo que na direita, possibilidades se colocam sem pedir licença ao ex-presidente, que está inelegível e sonha ser o único condutor do processo em seu campo.

Demonstra ainda que há lógica no que disseram recentemente o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o presidente nacional do PP, Ciro Nogueira; e o próprio presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto: a direita pode ganhar no Brasil caso se alie ao centro. E aliar-se ao centro, importante frisar, não significa fechar alianças com partidos de centro. Significa evitar o extremismo. O centro no Brasil é forte, mas , por ora, não tem candidato.

 

Nenhum comentário: