Não é de hoje que me preocupa o fato de o Brasil não ter uma política industrial, com seus objetivos e alternativas; em seu lugar, os problemas são enfrentados ao sabor das inspirações do dia, ora com um chá de losna, ora com chá de erva-doce. A preocupação parece limitar-se ao que ela pode arrecadar em tributos, quaisquer que sejam as consequências quanto ao desenvolvimento e aperfeiçoamento da atividade empresarial. O Brasil de hoje não pode continuar sem uma política industrial adaptada, se for o caso, às situações externa ou interna. Uma empresa com vitalidade é uma usina de problemas e soluções prontas que não podem ficar na dependência de casuísmos burocráticos. Mas a empresa há de ter o fermento da vitalidade.
Digno de reflexão é o dado relativo à arrecadação tributária e ao PIB. Em 2010, a primeira aumentou 11,7% e o segundo 7,5%, e no ano passado o aumento do PIB foi de 2,7%, enquanto a receita apurada subiu 4%. Esses dados permitem deduzir que o governo se extasia com a crescente majoração da receita, sem indagar como vão e como ficam as fontes pagadoras.
Não me preocupa desgabar o descaso que imperou a respeito, fato certo e documentado já pelo fenômeno da desindustrialização de importante setor econômico, já pela invasão de produtos asiáticos que se expandiu inexoravelmente como a água que anda em havendo enchente, e ainda pelas medidas ora anunciadas. Se não tenho o propósito nem o desprazer em ocupar-me do descaso, e fico apenas nele, tenho o de mostrar como se pode fazer não fazendo, como advertiu o Padre Vieira a respeito da omissão. Dela me ocupo porque a gravidade do fato e da situação imperante se deve à circunstância de à administração não terem faltado elementos idôneos para vê-lo a olho nu, e a arrecadação crescer de ano a ano e mermar a produção. Não se trata de especulação pessoal, mas de sucesso certo, público e carimbado de oficial com a destinação de R$ 60 bilhões para socorrer o desvalido, sem falar nas medidas prometidas, tanto mais quando havia providências que poderiam ter sido tempestivamente aplicadas, independentes de estudos demorados, como a desoneração de encargos incidentes especificamente nos casos da indústria de transformação. Se há coisa certa, é que o que deixa de ser feito oportunamente, ainda quando seja sanável, normalmente é mais oneroso. A observação vale não só para o caso em foco, mas de maneira geral. A administração não deve ser precipitada, mas também não pode ser preguiçosa ou sonolenta, há de ser vigilante, de maneira a prever para prover.
Por falar nisso, eu mesmo já observei que estava endividada grande parcela da população brasileira e que dificilmente poderia resgatar a dívida. Pois ainda ontem noticiava-se que eram preocupantes o aumento da inadimplência em prejuízo da renda das famílias com o atraso no pagamento de juros e amortizações; também foi noticiado que os bancos aumentaram as reservas destinadas a enfrentar a esperada expansão da inadimplência atingindo a classe média, principalmente a baixa. É claro que a parcela da renda para pagar dívidas tem crescido de maneira incômoda, em dezembro de 2010 para dezembro de 2011 aumentou de 19,8% para 22,78%... Ora, dificilmente haverá quem espere que o agravamento da situação deixe de ocorrer quando conhecidos os dados de dezembro de 2012.
Quando a classe média e a classe a ela inferior se encontram gravemente endividadas, esse dado contamina a sociedade inteira e, particularmente, a indústria de transformação já vítima da falta de competitividade, pois a realidade ignora as divisões que o raciocínio pode fazer livremente.
Se não estou em erro na minha apreciação quanto ao estranho sistema de relações entre o Estado e a empresa, a reação oficial veio depois que o contribuinte, exangue, corria o risco de extinguir-se, sem falar-se na enérgica reação precipuamente originária do mundo empresarial. Afinal, o Estado acordou, reconheceu a gravidade da ocorrência e, bem ou mal, correndo atrás do tempo perdido, arrolou medidas a serem adotadas. Tudo está na possível celeridade ou na lentidão em sua execução. É cedo para enaltecer ou para desmerecer o prometido. O óbvio, no entanto, é a imperdoável omissão do poder público em face de um fato do qual ele tinha conhecimento.
*Jurista, ministro aposentado do STF
FONTE: ZERO HORA (RS)
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