Semana que vem o julgamento do mensalão vai pegar
fogo. Dentro e fora do Supremo Tribunal Federal, onde começará a ser examinada
a parte da denúncia relativa aos personagens que põem o PT direta e
nominalmente no banco dos réus: José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.
Até agora só desfilaram coadjuvantes naquela
passarela. Operadores financeiros, facilitadores de negócios, espertalhões,
aprendizes e professores de feiticeiros.
Gente permanentemente conectada na oportunidade de
levar alguma vantagem, para a qual importa pouco quem esteja no comando. Basta
que os comandantes liberem a livre navegação pelas águas do poder.
Esse pessoal já está condenado, sem despertar
grandes suscetibilidades. A reação às condenações diz respeito ao indicativo de
que podem também alcançar os réus que de fato interessam - os representantes
mais graduados, entre os citados na denúncia, do projeto beneficiário do esquema
de financiamento.
Pois é a partir daí é que os ânimos realmente se
acirram.
Quem se espanta com divergências entre ministros do
Supremo ou se apavora com o tom mais incisivo de um ou de outro não leva em
conta as implicações de uma decisão colegiada envolvendo legislação, doutrina,
agilidade de raciocínio, capacidade de encadeamento lógico e muito conhecimento
acumulado em trajetórias jurídicas distintas entre si.
De outra parte, quem vê despropósito na acusação de
que o STF funciona como tribunal de exceção a serviço de uma urdidura
conspiratória, não sabe o que é o furor de uma fera ferida.
Muito mais além do que já houve ainda está para
acontecer.
Os ministros do Supremo vão discutir dura,
detalhada e por vezes até asperamente todos os aspectos do processo, dos crimes
imputados aos réus e das circunstâncias em que foram ou não cometidos, para
mostrar as razões pelas quais condenam ou absolvem.
Nada há de estranho, inusitado ou inapropriado
nisso. Não é nos autos que os juízes falam? Pois estão falando neles e deles. É
o foro adequado para a discussão. Se a interpretação da lei não fosse inerente
à função do magistrado, um bom programa de computador que cruzasse a legislação
com as acusações daria conta do recado.
Descontados excessos de rispidez de um lado (do
relator) e exageros na afetada afabilidade de outro (do revisor), os debates
são apropriados e indispensáveis em caso de alta complexidade e grande
repercussão como esse.
A peculiaridade aqui é o conflito de temperamentos
e da interpretação dada pelo revisor ao seu papel. Ele deveria revisar o
trabalho de Barbosa, mas na prática faz uma espécie de voto em separado. O
relator que passou cinco anos examinando os autos, conduzindo interrogatórios e
acompanhando todas as fases do processo, irrita-se.
Já do lado de fora há a reação, claro. E por parte
dos que se veem desde já como perdedores se traduz de uma forma aflita, cuja
tendência é ficar cada vez mais aflitiva. Mas, por mais desrespeitosa, ilógica
e raivosa que se apresente, precisa também ser vista com uma boa dose de
naturalidade. Até na crítica.
Simpatizantes da causa, petistas se sentem
ameaçados, injustiçados e usam a dinâmica que conhecem para reagir: a
desqualificação, os desaforos à deriva, a argumentação sem pé nem cabeça.
A questão central é: isso vai influir no resultado
do julgamento? Evidentemente a resposta é não.
Por isso o melhor é enxergar o cenário pela ótica
da ponderação e da normalidade sem procurar em qualquer turbulência motivos
para crises que ponham em risco isso ou aquilo.
Se 20 anos atrás o Brasil interrompeu o mandato de
um presidente logo na primeira eleição direta depois de duas décadas de
ditadura e o mundo não se acabou, convenhamos, não é nessa altura da democracia
que haverá de acabar.
Nem fazer do País uma piada de salão.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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