O Comitê de Política Monetária (Copom) derrubou a taxa básica de juros para 7,5%
ao ano, mas deixou, no seu rastro, um enorme rol de dúvidas e preocupações.
Algumas legítimas, outras nem tanto.
No mercado, as perguntas surgem aos borbotões. Há incertezas sobre a real
extensão da mudança do chamado tripé da política macroeconômica - regime de
meta para a inflação, taxa de câmbio flutuante e superávit fiscal. Dúvidas
sobre a autonomia do Copom para elevar os juros, se a inflação assim o exigir.
Teme-se que o governo tenha optado por manter tabelada a taxa de câmbio.
A lista prossegue. O BC não firmou compromisso claro de que vai buscar a
convergência da inflação para o centro da meta, de 4,5%, no próximo ano nem em
2014, e nas indicações feitas até agora não explicitou como o faria. As
expectativas estão desancoradas. É forte a percepção de que a inflação está
reprimida - por uma série de incentivos fiscais, como a isenção e redução do
IPI sobre automóveis, e pelo adiamento do reajuste de preços dos combustíveis.
Uma hora, quando os incentivos forem retirados, ela vai aparecer.
Para Fraga, há "desvios" do modelo do tripe econômico
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, da Gávea Investimentos,
comunga de algumas dessas inquietações, que poderiam ser resumidas numa só
indagação: o BC trabalha hoje com o regime de meta de inflação ou tem metas
múltiplas - para os juros, para o câmbio, para o crescimento - e guarda uma
certa flexibilidade quanto à inflação?
"Me preocupa um BC que é percebido como tendo metas múltiplas. O
governo, claramente, tem. Isso, porém, foge ao controle do BC e traz
custos", disse Fraga ao Valor. Se ficar claro, por exemplo, que o governo
trabalha com taxa de câmbio fixa, será cobrado um preço sob a forma de prêmio
de risco na taxa de juros.
"Esse é um modelo perigoso. Os países que sobrevivem com câmbio fixo têm
elevada taxa de poupança, juros muito baixos - e o nosso ainda é muito alto - e
acumularam quantidades enormes de reservas", disse.
Os dados divulgados no relatório de inflação do Banco Central, ontem,
apontam - no cenário de referência - uma variação do IPCA persistentemente
acima do centro da meta até o terceiro trimestre de 2014. A inflação chega a
5,2% este ano, cai para 4,9% em 2013 e sobe para 5,1% até o período indicado de
2014, consumindo, assim, praticamente, o restante do governo de Dilma Rousseff.
Pelas contas que constam do relatório, a inflação segue essa trilha, mesmo
considerando um ganho de 0,5 ponto percentual com a redução das tarifas de
energia no próximo ano. Sem tal contribuição, então, a inflação para o ano que
vem chegaria a 5,4%.
Longe de ser um economista dogmático, Fraga acha que há "desvios"
em relação ao regime amparado no tripé que vigorou nos últimos 13 anos.
"Há um conjunto de indicadores que sugerem, não que se acabou com o
regime, mas que ele está sendo flexibilizado e perdendo um pouco da sua
coerência original", comentou.
No sistema de metas, o BC deve perseguir a meta de inflação definida pelo
governo, suavizando os ciclos econômicos e mantendo, com as ferramentas
próprias, a estabilidade financeira. Não caberiam, aí, outros objetivos.
"Eu me identifico um pouco com esse caminho (do BC que reduziu os
juros), pois considero que os juros elevados eram a principal distorção da
economia brasileira. Só acho que é preciso um pouco de cuidado. Você começa a
escorregar, escorregar e num determinado momento você se vê em uma situação
meio complicada", ponderou o ex-presidente do BC.
"Me preocupa essa história do câmbio e do adiamento da convergência da
inflação para a meta, principalmente levando-se em conta que a inflação está se
beneficiando de medidas que não são recorrentes", disse, referindo-se ao
incentivo do IPI para carros, cujos preços caíram, à postergação do reajuste
dos combustíveis e à queda das tarifas de energia no ano que vem.
"Fala-se em choque de oferta quando o índice sobe, mas não se está
levando em conta essas medidas pontuais e não recorrentes, que são da mesma
família", comentou.
Para ele, também não está claro se a desvalorização do real frente ao dólar,
de março para cá, decorreu das medidas que o governo tomou, de controle
cambial, ou se foram fruto da piora das relações de troca, da deterioração da
percepção do Brasil no exterior e do impacto, em geral, da situação mundial.
"O câmbio subiu e talvez não tenha nada a ver com as medidas do
governo."
O BC, corretamente, identificou que o mundo estava desacelerando em 2011
quando, em agosto, de forma inesperada, começou a cortar a Selic, reconheceu.
"Mas algumas coisas mudaram de lá para cá", assinalou ele, "a
começar pela ênfase do governo em defender uma determinada taxa de
câmbio".
Depois de cortar os juros em cinco pontos percentuais, de 12,5% para 7,5% ao
ano, o crescimento este ano será de 1,6%, conforme prognóstico do relatório de
inflação, em uma combinação singular ao mesmo tempo que o desemprego está em baixa
e a inflação em alta.
Para Fraga, essa é uma clara indicação de que não é o BC que está bloqueando
o crescimento econômico. "Meu diagnóstico hoje é de que temos problema do
lado da oferta" e é aí que as questões têm que ser resolvidas.
O BC traçou cenários onde a inflação encosta no centro da meta no terceiro
trimestre de 2013, quando cai para 4,6%, e depois sobe. Isso não significa,
porém, que ficará de braços cruzados olhando a inflação descarrilhar. A favor
da autoridade monetária - e com isso Fraga concorda - estão o acerto no ano
passado e a constatação, a posteriori, de que as medidas macroprudenciais - que
tanto barulho causaram no debate sobre taxa de juros - foram, de fato,
prudenciais e não substitutas da Selic.
Quando perguntado sobre se os juros vão ficar estáveis ou podem subir em
2013 - quando o crescimento estará mais forte, o presidente do BC, Alexandre
Tombini, costuma responder: a inflação é que vai dizer. Do contrário, o Brasil
corre o risco de ficar como o México, que passou anos com a taxa de inflação na
metade superior da banda sem obter crescimento. O que seria ruim para ele e
péssimo para a presidente.
Fonte: Valor Econômico
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