Com o Pacote de Abril, o bloco do PT e aliados pretendem levar o processo eleitoral ao cenário mais conveniente da polarização entre o governo e um PSDB isolado. As restrições à criação de partidos viriam enfraquecer as candidaturas oposicionistas e impedir a entrada de novos nomes na disputa. Entretanto, até aqui, o movimento não conseguiu restringir a efetividade da vida política aos grandes partidos oficiais (PT e PMDB).
Ao contrário, esbarrou na reação do PSB, PSDB, PSOL, Marina, rebeldes do PMDB, líderes do PDT e do PV e os Mdemocráticos (MD) do deputado Roberto Freire.
Essa resistência do mundo partidário (ver a derrubada da urgência para a votação do Pacote de Abril no Senado e a arguição da sua inconstitucionalidade no Supremo) vem desenvolvendo nas oposições o que ao governo lhe parecia posse natural: a iniciativa política.
Ainda de curso incerto (pois não foram mobilizados a toda linha os recursos do ex-presidente da Luiz Inácio Lula da Silva e do governo), abre-se a possibilidade de convergências pluripartidárias contra o atual sistema de governo. Contra um sistema – este é o dado básico do pleito de 2014 – que não é de um governo de andamento compromissado com a alternância no poder. Na circunstância que vivemos, esse descompromisso pode se potenciar por meio de uma pregação populista de confronto entre pobres contra ricos, como já se viu e vez por outra se vê em verbalizações do ex-presidente da República.
No contexto das reações ao Pacote de Abril, tanto os partidos que apoiam a Rede Sustentabilidade quanto a própria Marina (PRS) vêm se fortalecendo. Ela tem, nas ações dos senadores oposicionistas e ainda em uma possível coleta pluripartidária de assinaturas para a constituição legal do PRS, momento para conferir o valor da política na versão atual e viva do agir de protagonistas unidos por causa comum. Ao promoverem esse mutirão político, por sua vez, os partidos de oposição mostram desprendimento, sinalizando propensão a atuar ao modo do MDB (fazendo-se aqui uma imagem, guardadas as diferenças de tempos e proporções), no sentido de uma aproximação de mais alento.
Uma ação pluripartidária pró-PRS já não se limita a uma movimentação destinada a provocar o segundo turno do pleito de 2014. À medida que os seus apoiadores valorizem as eleições como um "grande campo", no dizer de Armênio Guedes,{1} ela pode se desdobrar como oportunidade para as oposições, mediante competição eleitoral e realinhamentos, em primeiro e principal lugar, assegurarem a pluralidade político-partidária do país.{2} E, na sua perspectiva de vitória, agora já seria boa ocasião para trabalharem em uma concentração de energias com vistas a um governo de transição, o mais amplo (inclusive com áreas hoje no governo Dilma) que supere a Era Lula.
A coleta de assinaturas para a Rede Sustentabilidade se ampliará muito com a participação das militâncias dos outros partidos no trabalho dos sete mil voluntários mobilizados pela ex-senadora. A ideia circula entre os Mdemocráticas (MD) entendida como um gesto próprio da cultura política do PCB, campo de larga tradição em apoiar, sobretudo nas eleições,“candidatos da frente única,” quando interesses gerais, como agora, sobrepõem-se a interesses corporativos de partido.{3}
O PT e Lula não acreditam que a política, que tanto menosprezam em falas e atos, pode vir a derrotá-los.
Os governos militares não conseguiram anular por completo o mundo político que restara após o golpe de 1964, aliás, no confronto com ele, o regime forte foi se debilitando ao longo do tempo, até ser derrotado, justamente no plano da política, no Colégio Eleitoral.
O PT e Lula resistem a tirar as consequências do fato de este pais ser um pais de grande diversificação, sociedade civil multifacética, incontável número de instituições públicas (políticas, estatais, paraestatais, partidárias, não-governamentais), variadíssimo voluntariado (a pontilhar todo o território nacional), produções e associativismos culturais os mais diversos, meios de comunicação livres, os principais deles, cultos. Não conseguem ver que é nessa complexidade que a política tem o seu lastro e resistência.
Daí, a questão de compreensão mais difícil para o ex-presidente Lula e o PT: o Estado democrático de direito. Recusam-se a aceitá-lo plenamente, sem reservas. Não é ocasional que a ele se confrontem frequentemente, justificando suas atitudes negativas da política democrática apelando para imperativos de ideologizações mudancistas.
[1]
Com a ideia de “grande campo”, o quadro político pecebista se referia,
no distante ano de 1970, ao papel ativo das oposições nas difíceis eleições dos
anos de chumbo; citado recentemente por este blog. Ver também Guedes, 2012.
[2] Os
resultados das eleições municipais do passado já haviam realçado o PSB,
pondo-o como elemento pluralizante de um
quadro partidário, na Era Lula, sob forte pressão cooptante.
[3] Acerca do conceito de corporativismo de partido, ver
Mathias (1957; 1978).
Referências bibliográficas
Guedes, Armênio. O marxismo político de Armênio Guedes, edits. Contraponto/FAP, dezembro de 2012.
Mathias, Eric. Kautsky e o kautskismo (1957). In Kaustky, C. La revolución social/El camino del
poder. México: Cuadernos Pasado y Presente, 1978.
Ficha de apoio ao PRS:http://www.brasilemrede.com.br/index.php/ficha-de-apoio/como-apoiar-passo-a-passo.html#.UXW7NRxArBA
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Raimundo Santos é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
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