Reconhecer e mais do que isso endossar as denúncias contra a corrupção (os “desvios” e o mau emprego dos recursos públicos), bem como contra a precariedade dos serviços públicos, mas distinguir-se delas trans-ferindo toda a responsabilidade para o Legislativo e para a falta de uma reforma política. Este foi o principal ingrediente do discurso da presidente e candidata à re-eleição Dilma Rousseff, em horário nobre de rede nacional de televisão na sexta-feira à noite. Com o gestual e uma avaliação – genérica e basicamente correta – dos protestos de rua (a positiva e a negativa) muito bem preparados pelo seu marqueteiro João Santana e pelo de Lula, Franklin Martins. Discurso seguido na segunda-feira por encontro dela com 27 governadores e 26 prefeitos de capitais, convocados juntamente com o vice-presidente Michel Temer, para serem plateia do anúncio de propostas definidas e fechadas no final de semana. Sendo a de maior peso um plebiscito para mudança da Constituição e uma reforma política anti-corrupção.
Proposta a ser encaminhada por meio de plebiscito dependente de Congresso e do Judiciário, mas cujo debate – a partir da iniciativa do Palácio do Planalto – poderia (como os marqueteiros devem ter assegurado) primeiro: influenciar ou esvaziar as manifestações de protesto, protegendo a presidente e candidata com a reorientação do foco apenas para o Poder Legislativo e as administrações estaduais e municipais; e segundo: propiciar o protagonismo político e institucional de Dilma e uma reversão do processo de queda de sua popularidade. Além de outra variável relevante, de natureza econômica: uma recuperação da credibilidade do governo ante os múltiplos atores da iniciativa privada, domésticos e externos. Cujo desgaste debilita, ainda mais, o empenho para o controle da inflação e para melhorar as perspectivas sobre o PIB, a cada semana reduzidas. Bem como para a viabilização da pragmática aposta, tornada decisiva, que passou a ser feita (e começa a ser posta em xeque) na atração de investidores privados, sobretudo de grandes grupos internacionais, para privatização na área de infraestrutura.
Quanto à proposta do plebiscito constitucional, não resistiu sequer a um dia de contestações. O que foi bem resumido, ontem à tarde no UOL, pelo diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Brasília, Igor Gielow: “Durou menos de 24 horas na sala o bode plantado pela presidente Dilma Rousseff ao ressuscitar a tese de uma constituinte específica para fazer a reforma política. A proposta só teria dificuldades para vingar, já que é vista em vários gabinetes do STF como inconstitucional, mas o fato é que ela gerou um incêndio entre seus aliados que o governo agora busca apagar. O problema não acaba aqui: o governo precisa explicar às “ruas” sua posição, e o Congresso se vê na obrigação de dar respostas também". O dia terminou com a rejeição na Câmara, por 430 votos a 9, da PEC 37, proposta pelo PT em represália ao papel do Ministério Público no processo do mensalão.
E quanto aos novos investimentos, em programas de transporte público, saúde e educação, prometidos pela presidente, o segundo “pacto lançado de “irresponsabilidade fiscal” para controle dos gastos públicos (imposto pela necessidade de reversão da baixa credibilidade da política econômica) já deixava claro que tais investimentos deverão caber sobretudo aos estados e municípios. Especificamente a respeito da área de transporte, reproduzo avaliação que fiz ontem para empresários da construção: “A imprensa de hoje faz um balanço dos frustrantes resultados das obras públicas e de parcerias para viabilização de projetos de mobilidade urbana anunciados bombasticamente pelo Pa-lácio do Planalto em abril de 2012 como parte importante do “legado social” dos megaeventos esportivos a frente. E que, agora, quase todas não executadas, convertem-se em objetivo de um dos pactos propostos ontem pela presidente da República em resposta aos protestos populares contra as deficiências e baixa qualidade dos serviços públicos e a corrupção. Títulos de algumas reportagens sobre o tema: de O Globo – “Só 16% das verbas para mobilidade urbana foram gastas”; do Valor – “Projetos de mobilidade têm R$ 9,5 bilhões na gaveta”; da Folha de S. Paulo – “Pacote de trans-porte da Copa emperra”.
Jarbas de Holanda é jornalista
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