• Ex-presidente rebaixa dogma da eleição presidencial
- Valor Econômico
A prioridade da eleição presidencial sobre as disputas aos demais cargos sempre foi um dogma do PT. Toda a estratégia é subordinada ao projeto nacional. Na sexta-feira, no entanto, uma declaração feita no 14º Encontro Nacional do PT - que de resto serviu para sepultar o queremismo dos lulistas mais empedernidos - não recebeu a devida atenção: "Resgatar o partido, eleger governadores, deputados federais e estaduais é tão importante quanto eleger a Dilma".
Quem disse isso foi ninguém menos que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Logo ele - que sempre personificou a primazia do projeto nacional petista - foi o responsável por traçar a nova estratégia - se assim pode-se chamá-la, pela falta de foco.
Agora que não é candidato da oposição, nem à reeleição, ou o padrinho político que quer provar sua força ao eleger a sucessora desconhecida, Lula iguala o papel central que a Presidência tem para o PT a uma eleição para deputado estadual.
A declaração sinaliza a possibilidade de uma importante inflexão na história da legenda. De fato, o PT neste ano parece muito mais preocupado com as disputas estaduais do que jamais esteve. É razoável. O partido sabe que, em algum momento, sairá do Planalto e voltará à planície, onde precisará alojar suas hostes. E a conquista de governos estaduais ainda é o ponto fraco da agremiação.
No mesmo encontro, Lula deu outra demonstração de independência. Disse que não estará amarrado aos acordos feitos pelo presidente do PT, Rui Falcão, e que priorizam a lógica para reeleger Dilma. Com isso, pretende fazer campanha para os candidatos a governador do PT nos Estados onde partidos aliados reivindicam tratamento igualitário para seus concorrentes, sob pena de não pedirem voto para Dilma.
É o caso do Rio de Janeiro, onde Lula patrocina a candidatura do senador Lindbergh Farias, mas a presidente prefere apoiar o governador Luiz Fernando Pezão para não melindrar a azeitada máquina partidária do PMDB fluminense.
Os movimentos de Lula são ambíguos. Podem fortalecer o PT no plano estadual ao mesmo tempo em que impõem riscos ao projeto presidencial.
Não é o melhor sinal para estabilizar o governo e a campanha à reeleição de Dilma.
Uma das figuras mais identificadas com a administração da presidente da República expõe a divergência. Diz que Lindbergh forçou a barra ao romper com o PMDB e levar adiante a candidatura própria. Lula não é mencionado.
Mas a mesma fonte dá mais pistas sobre a distância que separa o ex-presidente de sua sucessora.
É inegável, afirma ela, que Lula exerce influência sobre Dilma. A política brasileira inteira, pontua, de um jeito ou de outro, é afetada pela presença do ex-presidente no cenário. Mas Lula nunca teria tido a propalada ingerência sobre o atual governo. Dilma imprimiu sua marca e fez diferente do que faria o antecessor. Um exemplo? A demissão em 2011 da penca de ministros suspeitos de cometerem "malfeitos", no que ficou conhecido como "faxina ética". Lula teria acomodado, defendido, protegido seu bando.
A distinção soa quase como uma declaração de superioridade de princípios morais que separaria a criatura de seu criador. E é seguida de um diagnóstico que conteria uma suposta contradição. Lula, depois de passado o pior momento do mensalão, só fez subir sua popularidade. Dilma, depois das manifestações de junho de 2013, não se recuperou do tombo. Pelo contrário. As últimas pesquisas persistem em indicar queda na avaliação de governo e nos percentuais de intenção de voto, que já ameaçam a vitória no primeiro turno.
Haveria ingratidão ou, ao menos, incompreensão. Dilma, reclama o interlocutor, é acusada ou prejudicada por ter as virtudes que faltam aos políticos.
A avaliação é sintomática da visão do núcleo duro, mais próximo de Dilma. É a defesa de um governo que apostou mais na técnica do que na política. E não conseguiu costurar as alianças necessárias, no Congresso ou na sociedade, para levar à frente, com facilidade, sua agenda. Outro exemplo?
O recuo na redução da taxa de juros é atribuído à falta de apoio do setor produtivo. Por tanto tempo, o segmento empunhou a bandeira, mas tirou o corpo fora quando o cenário ficou adverso e o governo foi obrigado a ceder às pressões do setor financeiro. Os bancos no Brasil são muito poderosos, justifica o integrante da linha de frente dilmista.
Lula, por outro lado, em seu governo, reforçou o Conselhão, com representantes de diversos setores da sociedade - atenção que não é dada na mesma medida por Dilma.
Uma função fundamental ao cargo de presidente da República é sua capacidade de comunicação, de interlocução, de mediador com os diversos setores da sociedade. Esse atributo é tão importante quanto a qualidade de seu gerenciamento. Até porque um influencia o outro. Não há "presidente técnico". O atual governo, reconhece a fonte dilmista, peca por falhar na comunicação.
Isso nos leva à conclusão, é plausível afirmar, que a crise da administração Dilma é também uma crise de autoridade. E uma crise de expectativas. As bases econômicas não mudaram tanto a ponto de, repentinamente, causarem insatisfação. Os serviços públicos não se degeneraram, de uma hora para outra, em algum momento antes de junho de 2013.
É uma crise que está mais na superestrutura, na política, na circulação de ideias, do que na estrutura, nos fundamentos econômicos. Ninguém é estúpido de desconsiderar a economia. Mas as fissuras no bloco governista dão conta de boa parte do clima de anomia, de desorganização.
Antes de ser uma virtude, o temperamento tecnocrata de Dilma - a sua politicofobia, como apontada nesta coluna, em junho de 2011 - atrapalha mais do que ajuda. Em junho de 2013, o mesmo desapreço pela política se decantava nos cartazes dos manifestantes que foram às ruas protestar sabe-se lá por quantos motivos difusos e não necessariamente econômicos, como o combate à corrupção e a instrumentalizada derrubada da PEC 37. A preferência partidária está hoje no mais baixo patamar (30%) desde 1989. O feitiço virou contra a feiticeira. E seu mentor nem sempre joga a favor.
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