- Folha de S. Paulo
O desembarque tucano da canoa de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deve ser visto com a cautela. Uma coisa é cobrar publicamente o presidente da Câmara por suas explicações inconvincentes acerca do seu dinheiro na Suíça, outra é trabalhar para que ele de fato seja afastado. Isso dito, o PSDB tenta consertar um grande erro tático.
Em dezembro de 2014, quando envergava mais de 50 milhões de votos e era aplaudido na rua como "vitorioso moral" da eleição, o presidente tucano, Aécio Neves (MG), buscava mais informações sobre o grau de envolvimento de Cunha com os malfeitos apurados pela Lava Jato.
Convenceu-se de que ele não cairia e de que seria um aliado na disputa com o governo Dilma no Congresso, talvez até viabilizando um processo de impedimento contra a presidente.
Tomou a precaução de apoiar outro candidato à presidência da Câmara, mas deixando o ônus do antagonismo a Cunha para o Planalto.
Deu certo ao longo do primeiro semestre, quando o peemedebista reinou como primeiro-ministro enquanto o governo esfarelava.
A narrativa trágica para o Planalto ganhou corpo não só pela derrocada da economia, mas também pelas diversas frentes de ameaça ao mandato da petistas abertas: rejeição de contas no TCU, investigação sobre a campanha de 2014 no TSE, a Lava Jato em si.
Só que a volta dos holofotes da operação policial para Cunha começou a mudar o jogo, assim como a percepção de setores usualmente associados ao PSDB de que os tucanos tinham ido longe demais ao apoiar projetos claramente contrários ao seu ideário tradicional apenas para fustigar o Planalto.
O namoro se consumou na prática no começo dos trabalhos da CPI da Petrobras, mas esvaiu-se assim que as denúncias contra Cunha ganharam corpo. Mas o peemedebista ainda tinha o trunfo de negociar a abertura de um processo de impachment contra Dilma Rousseff, sonho que só perde para uma eventual cassação de chapa pelo TSE no imaginário tucano.
O que se viu foi um baile dado por Cunha na oposição e no governo quando o Supremo Tribunal Federal interveio a pedido do PT e impediu o rito criado pelo deputado para tocar o impeachment. Ele manipulou os dois lados em favor de sua própria sobrevivência política.
A bancada dos "cabeças-pretas", deputados tucanos mais novos e de discurso extremado, dificultou o processo de ajuste do PSDB à nova realidade, assim como a dobradinha explícita com figuras polêmicas como Paulinho da Força, o "dono" do Solidariedade.
As críticas internas a Aécio aumentaram, não menos pelo fato de que as alas paulistas do partido têm cada uma seu candidato a suceder Dilma –principalmente o governador Geraldo Alckmin, mas também um redivivo senador José Serra, que trouxe vários argumentos para o debate público neste ano.
Com a debacle política de Cunha, que de todo modo poderá resistir no cargo pelo apoio que ainda carrega na Câmara, restou a Aécio determinar o rompimento público. O partido não poderia chegar à campanha de 2016 repetindo a antológica frase do aliado Paulinho, de que é preciso "segurar Cunha" para garantir a abertura do processo de impeachment de Dilma.
O movimento concomitante foi o de aproximação de Aécio com o PMDB de Michel Temer, o vice-presidente que colocou a cabeça para fora da água, assustou meio mundo e voltou a submergir.
Significativamente, o programa de governo defendido pelo partido, que será festejado no encontro da semana que vem da sigla, é mais explicitamente tucano do que qualquer documento do PSDB nos anos recentes.
Isso deixa as opções abertas para todos os lados. No caso de queda de Dilma em 2015, seja por impeachment ou pelo agravamento terminal da crise econômica, Temer poderia assumir com algum tipo de apoio do PSDB. Aécio preferiria o imponderável, que é a saída de Dilma e Temer por meio de uma decisão do TSE, contando com que o "recall" da eleição de 2014 o levaria ao Planalto num novo pleito. Neste caso, o PMDB agora "liberal" seguiria governo também.
É um jogo de sombras, em que nenhum dos participantes conta toda a verdade. E sobre o qual paira a grande nuvem da Lava Jato e da Operação Zelotes, que ainda deverão despejar chuva sobre personagens importantes do tabuleiro.
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