Com o recurso, extraordinário, de um editorial de capa na edição de domingo último – “Nem Dilma nem Temer” ¬–, a Folha de S. Paulo resumiu muito bem os ingredientes básicos das crises econômico-fiscal, ética, política e social que sufocam o país. Em apenas cinco linhas, dirigidas a ela: “Depois de seu partido protagonizar os maiores escândalos de corrupção de que se tem notícia; depois de se reeleger à custa de clamoroso estelionato eleitoral; depois de seu governo provocar a pior recessão da história, Dilma colhe o que merece”. Ao que acrescentou no final, como justificativa do pedido feito à presidente: “Dilma Rousseff deve renunciar já, para poupar o país do trauma do impeachment e superar tanto o impasse que o mantém atolado como a calamidade sem precedentes do atual governo”. Pedido que estendeu ao vice Michel Temer com a justificativa de que ele “tampouco dispõe de suficiente apoio da sociedade”. Com o arremate de que os dois “Dada a gravidade excepcional dessa(s) crise(s), seria uma benção que o poder retornasse logo ao povo (numa eleição realizada 90 dias após as renúncias) a fim de que ele investisse alguém da legitimidade requerida para promover reformas estruturais e tirar o país da estagnação”. Uma nova proposta de renúncia da presidente (e do vice) para a convocação de eleições gerais não previstas na Constituição, lançada ontem por Renan Calheiros, teve seu verdadeiro objetivo logo apontado por Aécio Neves: fragilizar, dificultar o processo de impeachment em andamento na Câmara.
Quanto ao apelo, sério, da Folha, foi rechaçado de pronto por Dilma. E também pelo ex-presidente Lula, até porque renovada num contexto em que ele voltou a considerar possível a barragem do impeachment. Com a divisão da cúpula do PMDB, explicitada logo após a decisão do Diretório Nacional de rompimento com o governo. E com o envolvimento dos dirigentes várias legendas na barganha de cargos – comandada pessoalmente por Lula – da máquina político-administrativa federal. Isso não significa que tal renúncia não possa vir a configurar-se à frente. Mas só num cenário dominado pela confirmação do processo de impeachment por 342 ou mais votos de deputados. Seguida do respaldo de manifestações sociais até maiores do que as de 13 de março. E na perspectiva de acolhimento do processo pelo Senado, por impossibilidade política de bloqueio. Neste cenário, só nele, a renúncia de Dilma – objeto de muitos pedidos, inclusive do ex-presidente FHC e de várias lideranças empresariais (antes de chegarem à opção do impeachment), tornar-se-á uma saída possível da crise política. Sendo assumida pelo próprio Lula (que poderá impô-la a uma presidente inteiramente isolada mas ainda resistente), com o argumento, usado para ela, de que o ato seja atribuído às “elites reacionárias” e à “mídia golpista”. Articulado com a “venda” por ele à opinião pública (em particular ao mercado) de sacrifício feito para evitar uma “convulsão social”. Papel conciliador que trabalharia, também, como tentativa de negociação com o novo governo e para reduzir os riscos de prisão pela Lava-Jato. Mas papel que não o inibirá de desencadear a alternativa que vem preparando já há meses: a de uso dos “movimentos sociais” para radical contraposição ao novo governo, tendo em vista centralmente salvar o que restará do lulopetismo.
Quanto às ações do “assessor especial” Lula para barragem do impeachment, a “repactuação” partidária da máquina federal soma a entrega de cargos – desde os de ministros aos de diretores de vários órgãos importantes da administração direta e indireta – à promessa de verbas para diversos programas. Em troca de votos para o “fica Dilma” ou de ausências, que juntos, impeçam a oposição de alcançar os 342 ou mais votos pró-impeachment.
Já para a divisão da cúpula peemedebista, Lula certamente retomou o apelo da frente anti-Sérgio Moro, prioridade absoluta, comum, dele e de vários senadores (à frente Renan Calheiros, Jader Barbalho, Edson Lobão, Fernando Collor). Reforçado pelo pânico com o avanço das investigações do petrolão e paralelas. Num contexto em que a busca de um compromisso de Michel Temer com essa prioridade, sem resultado satisfatório, deve ter indicado aos parceiros de Lula nessa frente que a melhor defesa contra tais investigações será a continuidade do mandato de outro parceiro – o governo Dilma. Por mais precário e socialmente rejeitado que ele seja.
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Jarbas de Holanda é jornalista
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