- Valor Econômico
Minha intuição diz que os próximos meses vão mostrar o fim de um ciclo político iniciado mais de 30 anos atrás
Tinha previsto como eixo central da coluna do mês de abril uma crítica forte à atuação do Banco Central na gestão da política monetária neste início de 2017. Mas a divulgação da lista de políticos que serão investigados a pedido dos procuradores federais - a famosa Lista do ministro Fachin - e a tormenta que ela criou levou-me a alterar minha reflexão.
Para um analista que viveu intensamente os últimos 40 anos da história política e econômica de nosso país, entender os dias atuais - e os que certamente viveremos até as eleições presidenciais de 2018 - traz um desafio extraordinário. Minha intuição diz que os próximos meses vão mostrar o fim de um ciclo político, iniciado mais de 30 anos atrás, com a queda do regime militar e a redemocratização do país.
Data deste período minha primeira experiência no setor público, como diretor do Banco Central e membro de uma confusa equipe econômica que tinha que administrar a grave crise que atingia a economia. Mas também representou meu primeiro contato com os líderes que assumiram a responsabilidade de realizar a transição política de uma ditadura que caia de podre e devolvia o poder aos civis sem que uma revolução houvesse ocorrido, mas também sem que uma transição ordenada estivesse criada.
Era um período em que o improviso e a ânsia de mudar comandavam as ações da nova liderança política do país. Sem um Plano de Voo previamente estabelecido, muita energia legítima era jogada fora e os resultados concretos demoraram quase dez anos para aparecer. É para este ponto que chamo a atenção do leitor nesta visita ao passado já tão longínquo que tento fazer hoje. A imagem que sempre me perseguiu nestes anos todos - e que só agora na maturidade fica mais clara para mim - é que a classe política à época foi obrigada a trocar os quatro pneus do carro do poder com ele ainda em movimento. E sem o motorista principal - Tancredo Neves - que havia morrido pouco antes de assumir a direção do Brasil.
No momento que vivemos agora esta imagem volta com muita força. O velho sistema político eleitoral - que foi sendo criado ao longo dos últimos anos sob a proteção da Constituição de 1988 - está claramente morrendo. A causa principal é uma doença autoimune, desenvolvida nas suas entranhas pela corrupção institucionalizada e que, ao longo dos anos de domínio de Lula e do PT, se transformou em crise terminal. A Lava-Jato foi o golpe final inesperado e mortal, sem que houvesse tempo para que um novo sistema ocupasse seu lugar na democracia brasileira.
Nestas condições, sob uma pressão muito forte dos meios de comunicação e da opinião pública em geral, o presidente Temer e os principais líderes da grande maioria dos partidos políticos vão ter que rapidamente criar um sistema de transição que permita ao país chegar às eleições de 2018. Michel Temer terá que assumir o papel que Tancredo Neves teve em 1983 na construção da pinguela da transição, tão corretamente identificada por Fernando Henrique Cardoso.
Este seu desafio, quando comparado ao de Tancredo Neves, tem características diferentes e que precisam ser entendidas e debatidas. Em primeiro lugar, o tempo necessário para passarmos das denúncias feitas pelo Procurador Geral às ações processuais no âmbito do STF permite alguma folga para a construção de um caminho transitório para se chegar às eleições de 2018. Da mesma forma, a abrangência das denúncias no espaço partidário vai funcionar como um catalisador na classe política em busca de soluções comuns a todos os partidos. Como o dito popular: o instinto de sobrevivência vai azeitar a busca por uma saída comum para todos.
Ou seja, a pinguela de FHC não é apenas para o governo Temer mas para toda a classe política. Afinal as eleições do próximo ano serão realizadas sem acesso a recursos legítimos ou ilegítimos e isto vai valer para todos. Ainda bem que temos o instrumento eficiente do horário político gratuito - se os marqueteiros trabalharem direito e com poucos recursos - para estabelecer a comunicação entre eleitores e candidatos e partidos. O voto em lista fechada parece ser hoje um meio eficiente para se jogar para frente, após a eleição de um novo Parlamento, a definição de novas regras partidárias e eleitorais.
Um terceiro ponto, derivado deste sentimento de união no desespero, me parece ser o consenso de que o governo Temer não pode morrer antes de completar seu mandato. A luta política entre oposição e situação não faz qualquer sentido neste momento em que o bafo da morte atinge todos os atores relevantes da política nacional. Como o governo hoje é refém da recuperação econômica e esta precisa de uma agenda mínima de reformas, a classe política, quase toda, vai ter que encontrar um ponto comum.
Finalmente, deve ocorrer, neste período de transição que vamos viver, um forte movimento de opinião pública para explorar alternativas novas para a construção de um sistema político eleitoral quando um novo presidente for eleito. Da fase da revolta da sociedade civil com os malfeitos revelados que vivemos hoje, como sempre acontece no Brasil, vai emergir um debate sobre como reconstruir o sistema político com bases democráticas e de controle social mais eficiente.
E o novo mandato presidencial a partir de 2019 pode cumprir este objetivo de renovar o sistema representativo no Brasil.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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