Rejeição a políticos e partidos históricos move eleitorado de baixa renda; Le Pen e Mélenchon são beneficiados
Andrei Netto | O Estado de S. Paulo
MARSELHA, FRANÇA - À espera do comício do candidato radical de esquerda Jean-Luc Mélenchon, 25 mil pessoas que lotavam o Grande Palácio de Lille, na quarta-feira, berravam: “Caiam fora!”. O grito vem sendo repetido com fervor pelos simpatizantes do nome que mais sobe nas pesquisas e sintetiza a visão de grande parte do eleitorado que optou pelo voto de protesto, que pretende despejar do poder líderes e partidos políticos tradicionais.
A revolta da base da pirâmide social, que se sente abandonada pela elite política, talvez seja o principal traço da eleição na França. Cansado da alternância entre direita e esquerda, entre republicanos e socialistas, que dividiram o poder nos últimos 36 anos, os franceses ameaçam afastar de vez as duas mais importantes legendas tanto do Palácio do Eliseu quanto da Assembleia Legislativa.
A insatisfação tem múltiplas causas. A primeira é o desemprego, na casa de 10%, e a sensação de desamparo que vivem trabalhadores da indústria, da agricultura e de funções regulamentadas do setor de serviços, áreas da economia da Europa atingidas pelo livre mercado.
Angustiados com a concorrência internacional e pelas transformações no mundo laboral, empregados de fábricas, produtores rurais e trabalhadores urbanos têm reiterado o desejo de “explodir o sistema”. Soma-se a isso a percepção de que a Europa está sendo “invadida” por imigrantes e a impressão de que refugiados têm mais direitos e benefícios que a população de baixa renda que paga imposto.
Entre extremos. Esses franceses se dividem entre os que estão determinados a votar em candidatos de extremos políticos – 7 dos 11 na disputa, de ultranacionalistas, de direita, a anticapitalistas, de esquerda –, e os que decidiram apenas ignorar a eleição, um protesto que no Brasil seria equivalente ao voto nulo.
Em grande parte, esse eleitor prefere não se identificar e não aceita se deixar fotografar. “Não há nenhum candidato que seja bom. Qualquer um que seja eleito, será um horror. Pensávamos que tínhamos visto o pior com Hollande, mas o pior está por vir”, diz Xavier Corbehem, de 26 anos, ex-dono de restaurante que virou motorista de táxi em Marselha.
Obstinado, ele diz que passou 20 horas diárias atrás do volante nos últimos três meses. Sem candidato, diz que não vota em Emmanuel Macron de jeito nenhum e pensa em ficar em casa no domingo. “Macron quer a ‘uberização’ da economia”, diz o taxista, com medo de perder o emprego em caso de flexibilização do mercado de trabalho, como promete o ex-ministro da Economia, candidato social-liberal e pró-União Europeia.
Um outro motorista de Marselha diz que votará em Mélenchon no primeiro turno e, caso perca, em Marine Le Pen no segundo. O fato de passar da extrema esquerda à extrema direita não o incomoda, desde que seu objetivo seja atingido: livrar-se de Bruxelas, que considera a causa de todo o mal e a fonte da imigração que assola o sul da França. “Não estou nem aí para a UE. A Europa nos matou. Se sairmos, eu não ficarei descontente.”
Em um raciocínio sinuoso, ao mesmo tempo em que culpa o bloco europeu pela situação do país, ele diz não ver crise na França. “Não existe crise. Isto é invenção. O desemprego existe porque ninguém quer trabalhar”, garante. “Em Marselha, as pessoas dizem: ‘Por que vou trabalhar? Se não trabalho, ganho € 1 mil. Se trabalho, ganho € 1,1 mil’”, afirma, em referência a um fato que se tornou lugar-comum em redes sociais na França.
Menos poder. Com argumentos diferentes, Sabine Fincato, coordenadora de um projeto que faz acompanhamento profissional para reinserção de pessoas no mercado de trabalho, também optará por uma candidatura antissistema. Ela afirma que votará no esquerdista Mélenchon, admirador assumido de Fidel Castro e de Hugo Chávez. O candidato prometeu convocar uma nova Assembleia Constituinte e romper com os tratados europeus.
Sabine está convencida de que a imprensa francesa empobreceu a campanha eleitoral, que na França se dá mais por meio de debates e de entrevistas na TV e em rádios, além de comícios e de estratégias empregadas em redes sociais. “Em teoria, o presidente não tem muito poder”, afirma Sabine. “Mas ele se tornou um monarca. E precisamos acabar com isso.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário