- O Globo
Analisando o cenário político, torna-se inevitável utilizar conceitos militares: a elite da classe política está sendo dizimada. Os mais importantes partidos estão envolvidos nas delações agora vazadas e tornadas públicas. PT, PMDB, PSDB, PRB, PP e outros foram delatados, a partir de depoimentos bastante verossímeis, cujas provas serão, logo, apresentadas.
Ex-presidentes entraram também na lista com grande destaque para os exmandatários Lula e Dilma. O primeiro terá pouquíssimas chances de tornarse candidato novamente, apesar de sua demagogia e das estridentes defesas de seus advogados diretos ou indiretos. Oito ministros do presidente Temer foram acusados, levantando uma pesada sombra sobre o seu governo. Seu afastamento da sociedade tende a aumentar se mantiver o atual status quo. Um terço do Senado foi acusado e um expressivo número de deputados, embora proporcionalmente menor.
Como pode um país seguir adiante com tal falta de representatividade de sua classe política? A sociedade não se reconhece em seu governo nem em seus parlamentares. Na verdade, nem os considera “seus”, mas “deles mesmos”, por estarem envolvidos na corrupção, agindo de costas e à revelia do conjunto da nação. Desconhecem, mesmo, o significado do bem coletivo, do que é a coisa pública.
É bem verdade que estamos na etapa de abertura de inquéritos, devendo ser ainda decidido quem é culpado ou inocente. Não se pode prejulgar juridicamente o desenlace das denúncias e julgamentos posteriores. A defesa dos envolvidos, por sua vez, é mais do que precária, todos repetindo o mesmo mantra de que são inocentes ou de que não foram ainda julgados, poucos voltando-se para um real esclarecimento dos fatos que os incriminam.
Um olhar desavisado tenderia a dizer que todos são santos e todos os delatores mentirosos, como se estes, por sua vez, não corressem o perigo de perder os benefícios da colaboração premiada por não respeitarem a verdade. Os políticos só aumentam a sua falta de credibilidade. Não transmitem confiança à sociedade. E, ao fazê-lo, propiciam um julgamento político, irreversível, de que seriam culpados. Seriam péssimos atores. A sociedade clama por mudanças e reafirma com força a moralidade pública, valor este que ela percebe como inexistente em nossos governantes e representantes.
Acontece que o país não pode parar. Se o fizer, acoplar-se-á a esta enorme crise política, uma crise econômica e social, isto quando começamos a observar certas tendências que estão revertendo a curva no que diz respeito à inflação, o PIB, investimento e desemprego. Tudo é ainda muito incipiente, continuando tributário das turbulências políticas. Em pouco tempo, o novo governo muito fez na área socioeconômica, embora pouco tenha apresentado no quesito da moralidade pública. Vivemos um impasse que pode se traduzir tanto por um avanço quanto em uma reversão das expectativas.
As reformas aprovadas pelo governo Temer, como as do Teto do Gasto Público e da Terceirização, são estruturantes no que diz respeito ao presente e futuro do país. Devem ser necessariamente complementadas pela da Previdência e pela Modernização da Legislação Trabalhista. Se estas não ocorrerem pela crise política, não apenas o governo fragiliza-se, mas o país terá sérios problemas, ainda mais agudos, nos próximos anos. Qualquer que seja o próximo presidente, de “esquerda” ou de “direita”, deverá ele enfrentar inevitavelmente essas questões. Melhor fazê-las agora pois o seu custo será menor, aumentando com o correr do tempo e com as inércias governamentais, políticas e partidárias. O resto é mera encenação demagógica.
Dentre os sérios problemas do atual governo encontra-se o seu déficit de comunicação, não tendo conseguido transmitir à sociedade a necessidade destas mudanças. Termina consolidando-se na opinião pública a ideia de que elas ferem “direitos” e seriam de natureza “neoliberal”. Os eleitores, capturados pela desinformação, exigem de seus parlamentares, por exemplo, que votem contra a “Reforma da Previdência”. Tal discurso termina por aprofundar esta percepção, como se tudo dependesse de vontade política na distribuição dos recursos públicos.
Na perspectiva da esquerda e de uma direita irresponsável, toda a discussão passa a ocorrer na estrita esfera distributiva, não levando em conta a produtiva. Discute-se a ampliação dos benefícios sociais, os ditos “direitos” das corporações, a criação de novos privilégios e assim por diante, como se os recursos do Tesouro fossem inesgotáveis. A luta pode tornar-se mesmo encarniçada entre as corporações incrustadas dentro do Estado e o restante da população, que não goza dos mesmos benefícios. Os dispêndios do Estado logo se tornam muito superiores às suas receitas, levando a uma situação de insolvência que, por sua vez, agudiza ainda mais os conflitos sociais.
As políticas públicas, e os partidos, deveriam estar, então, mais voltados para as condições de produção de riquezas, de tal maneira que os recursos à disposição do Estado possam também aumentar. Quanto mais rica for a sociedade, maior será a sua capacidade distributiva. Quando mais insistir em um distributivismo social sem amparo produtivo, menor será a sua própria capacidade distributiva, além de hipotecar a riqueza presente e a futura. Criam-se, assim, condições de asfixia da capacidade produtiva, que seriam concretizadas por aumentos de impostos e contribuições voltadas para financiar os déficits previdenciários.
O Estado de Bem-Estar, também dito Previdenciário, deve enfrentar o problema de financiamento da sua Previdência, uma vez que o seu crescimento exponencial não cabe mais dentro de suas disponibilidades de financiamento. Não se trata, como se alardeia, de um problema de “direitos”, mas de como o Estado seja capaz de gerir os seus recursos. O bolo é limitado. Uma fatia maior para a Previdência significa fatias menores para saúde, esgoto, educação e habitação.
*Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na UFRGS
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