- Folha de S. Paulo
Critica-se, com o convincente argumento da igualdade perante a lei, a prerrogativa de autoridades brasileiras de ser julgadas em cortes altas. Talvez mais estapafúrdio nessa história seja o contexto em torno do chamado foro privilegiado.
Imagine o que seriam estes três anos de Lava Jato, em especial após tornar-se pública a delação da Odebrecht, se não existisse foro especial. Haveria um festival de ações cautelares, como as prisões temporárias, decretadas pela primeira instância contra centenas de autoridades nos três níveis da administração.
Não seria razoável submeter o governo de União, Estados e municípios, Executivo, Legislativo e o próprio Judiciário, a tamanha instabilidade a título de investigações e etapas processuais ainda precárias, distantes dos juízos de culpa ou absolvição.
Na Nova República o mecanismo dos pesos e contrapesos, o equilíbrio que confere certa estabilidade à organização política, estabeleceu-se pela via hiperbólica. Contra uma Presidência forte antepôs-se um Congresso forte, que por duas vezes em 24 anos depôs o chefe de Estado.
O poder avassalador das maiorias políticas foi contrastado com instituições de controle à altura. É raro, talvez impossível, encontrar outra democracia que proveja tanta latitude para a atuação de integrantes singulares do Ministério Público.
O Judiciário também desenvolveu as suas habilidades para participar desse choque de titãs. A demora cartorial dos processos foi remediada com doses de força nas etapas iniciais dos inquéritos. Esse expediente, somado a inovações legais e de procedimentos, estimulou as delações.
Em tese seria possível obter equilíbrio semelhante pela via alternativa. Todos cederiam um pouco de poder em nome de reduzir a enorme dissipação de energia do modelo atual. Mas as organizações políticas, como as espécies na natureza, não evoluem segundo um plano celestial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário