- Folha de S. Paulo
No plano individual, optar pela cesariana está longe de ser uma roleta-russa
A cesariana sem indicação médica é, afinal, um direito da mulher ou um crime contra a saúde pública?
Ideologia é um troço esquisito. Ela está sempre em busca de novos temas, que levem as pessoas a posicionar-se mais em razão de lealdades de grupo do que de uma análise objetiva do problema.
Um caso bem documentado é o do aquecimento global. Até o fim dos anos 90, essa não era uma questão ideológica. Pesquisa Gallup nos EUA mostra que, em 1998, 47% dos eleitores republicanos e 46% dos democratas concordavam com a afirmação de que os efeitos do aquecimento global já se faziam sentir. Em 2018, os números eram 34% para os republicanos e 82% para os democratas.
Algo parecido está ocorrendo com outros temas científicos, como a vacinação e as cesarianas. Seria tentador dizer que essas são questões técnicas que deveriam ser respondidas tecnicamente, mas, como sabemos desde Hume, não dá para extrair um “ought” (deve ser) de um “is” (é). Tomadas de decisão envolvem sempre um juízo de valor, que vai além das descrições oferecidas pela ciência.
Daí não decorre que não precisemos escutar o que a ciência tem a dizer. Por vezes, o peso das evidências é tão massacrante que fica pouco espaço para dúvida. É o caso do aquecimento global (é real) e das vacinas (a proteção que proporcionam é muito maior que o risco).
Cesarianas não trazem nada tão extremo. Em grandes populações, o excesso delas tem custo, que vem na forma de mais complicações para a mãe (morte, infecções, hemorragias) e o bebê (morte, prematuridade).
No plano individual, porém, optar pelo procedimento cirúrgico está longe de ser uma roleta-russa. A chance de a grávida morrer numa cesariana, mesmo no Brasil, é bem inferior a uma em cada mil nascimentos.
Não é absurdo transferir a decisão final para a mulher. Se o SUS, que é um sistema de “managed care” (gerenciado), deve pagar por isso, já é outra discussão.
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