- Folha de S. Paulo
Presidente admitiu ter recebido R$ 40 mil da conta de ex-assessor, mas é poupado na apuração
O escritor Ivan Lessa (1935-2012) dizia —ou pelo menos dizem que ele dizia— que, a cada 15 anos, o país esquece o que aconteceu nos 15 anteriores. Em tempos de “Justiça seletiva”, uma expressão que está na moda, cabe atualizar a conta para um ou dois anos.
Vejamos o caso de Fabrício Queiroz. O ex-assessor amigo da família Bolsonaro tinha uma conta bancária turbinada com parte dos salários de assessores da Assembleia Legislativa do Rio. Dinheiro público, portanto. Nessa mesma conta foi compensado um cheque de R$ 24 mil em benefício da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Após um sintomático delay de 38 horas, o presidente saiu em defesa da mulher. Disse que Queiroz devolvera dinheiro de um empréstimo pessoal seu e que o valor total na verdade era maior, R$ 40 mil, quitado em prestações.
Desde então sabemos que a conta alimentada com dinheiro público também alimentou o casal Bolsonaro. Isso posto, o que fez o sistema judicial encarregado de apurar o caso Queiroz? Quebrou o sigilo da primeira-dama ou do presidente? Não. Tentou ouvi-los em depoimento? Não. Ao menos instou o presidente a esclarecer alguma coisa por escrito? Não.
Os responsáveis por esse lapso têm endereço: o Ministério Público Federal no Rio e a Procuradoria-Geral da República em Brasília. Os dois órgãos abriram mão do caso, que acabou enviado ao Ministério Público estadual, preso a limites jurídicos e políticos. Simplesmente não pode intimar Bolsonaro, por exemplo.
Até pouquíssimo tempo atrás policiais, procuradores e juízes sabiam que a mera menção a autoridades com foro privilegiado paralisava a apuração, que devia ser imediatamente enviada ao tribunal competente para prosseguimento. De repente, não é mais assim no Brasil. E nenhuma autoridade constituída reage contra essa proteção ao casal Bolsonaro, que em outro momento histórico seria chamada de blindagem judicial.
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