sexta-feira, 28 de junho de 2019

César Felício: Sem disfarces

- Valor Econômico

Bolsonaro como presidente repete o candidato

Jair Bolsonaro conclui o primeiro semestre de seu governo produzindo um paradoxo: no Palácio do Planalto, o presidente mostrou nestes quase 180 dias de mando que não dissimula. O lobo solitário mais desenvolto nos canais de entretenimento do que no plenário da Câmara, durante os anos zero e nesta década; o parlamentar de baixo clero com obscuras ligações com elementos do porão do regime militar, nos anos 80 e 90, não era um personagem, era real. O presidente não é um farsante. Ele é o que é.

Com Bolsonaro o presidencialismo de coalizão é impossível. O presidente não faz acordos. Não desenvolveu uma narrativa para ser eleito e se transformou no cargo, como tantos exemplos no Brasil e no exterior, Lula e Menem para ficar em dois casos continentais. É um presidente sem pendor para a administração, que delega poder a seus ministros, mas não admite ser tutelado. Entra em erupções movidas pela inevitável rede de intrigas de Brasília e pela rede social turbinada pela extrema direita. Oscila entre ser a rainha da Inglaterra e a rainha de Copas.

O saldo de se ter um presidente que não gosta de fazer acordos e não gosta de governar ainda é incerto. O economista Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV-RJ) faz uma análise cautelosa. "Havia uma impressão uníssona dos cientistas políticos e no Congresso que o presidencialismo de coalizão é o caminho natural e que tudo aquilo que Bolsonaro disse na campanha era mero discurso", comentou. "Foi uma surpresa quando ele não pactuou. Com certa habilidade, ele jogou a responsabilidade pela reforma da Previdência para o Congresso. O problema é que há um custo em relação ao ritmo que se queria. A tramitação pode demorar", disse.

O comportamento de Bolsonaro em relação à iniciativa mais importante de seu governo é emblemático do estilo. O presidente está distante, muito distante, em uma distância que nenhum presidente jamais esteve, do debate sobre a reforma da Previdência.

Para se tornar um protagonista deste processo agora, Bolsonaro teria que negociar. Pressão das ruas e das redes têm o seu peso, mas também o seu limite. O presidente é um bom agitador das massas, e seus adoradores devem ir à campo novamente este domingo, em defesa de Sergio Moro, da Lava-Jato e até da Previdência, mas o sistema político tem relativa blindagem. Basta ver o que aconteceu este mês, depois da pantomima do "pacto" entre os Poderes. O Senado votou uma proposta que revoga o decreto de liberação das armas e outra que pune o abuso de autoridade do Ministério Público. O Supremo Tribunal Federal criminalizou a homofobia. Parece que perderam o medo das milícias olavistas. "Ele não é Trump, não tem a metade do Congresso no partido dele", comentou o cientista político Ribamar Rambourg.

Nas últimas semanas, as dificuldades essenciais colocadas no caminho da reforma da Previdência chegaram pelas mãos do governismo. Além do corporativismo que impregna o PSL, partido que é o grande protetor dos interesses da classe policial, o ministro da Economia Paulo Guedes passou recibo de que foi tratorado ao se tornar intransigente em relação à criação do sistema de capitalização na reforma.

A esses percalços somou-se a mudança no governo. O presidente decidiu tirar de Onyx Lorenzoni a coordenação política e transferir esta incumbência para o general Ramos, que só assume o cargo nos próximos dias. Há um certo consenso sobre a falta de habilidade de Onyx para a função, mas a troca naturalmente leva a deputados da base que recentemente pactuaram com a Casa Civil a tirarem o pé do acelerador. Sem entrar no mérito da substituição, a questão é o momento escolhido.

Mais uma vez o cronograma imaginado pelo presidente da Câmara para a reforma da Previdência não será cumprido e a Comissão Especial só deve conhecer o voto complementar do relator Samuel Moreira e apreciá-lo na próxima semana.

A conclusão da reforma da Previdência na Câmara ainda no mês de julho é uma meta de Rodrigo Maia, mas vai se tornando um cenário pouco provável. Com o governo federal pouco colaborativo, este objetivo ganha formas de uma armadilha criada por Maia para si próprio. Tanto no meio político quanto entre consultores se aguarda a sinalização de que o assunto só deve ser resolvido definitivamente na Câmara em agosto. Haverá um custo em decepcionar a expectativa gerada no mercado por uma aprovação a toque de caixa. De certo modo, era desnecessário. Levantamentos feitos pelo Valor mostraram que a mediana dos analistas colocava o fim da tramitação da reforma entre agosto, setembro ou outubro. Por outro lado, Rambourg lembra que há no país um certo trauma com tramitações longas de mudanças no sistema previdenciário.

"Fernando Henrique apresentou a reforma em 1995 e o destaque da idade mínima só foi examinado três anos depois, perto das eleições de 1998. Isto foi determinante para a rejeição. Temer priorizou outras matérias legislativas e, quando chegou a hora de votar a Previdência, o tema foi atropelado por uma crise política", relembrou.

Leve declínio
A pesquisa CNI Ibope mostra a popularidade do presidente Jair Bolsonaro em um suave plano inclinado, incômodo ao Palácio do Planalto mais pela tendência desenhada do que pela magnitude dos números.

Entre abril e junho, o percentual dos pesquisados que define o governo como bom ou ótimo caiu de 35% para 32% e o daqueles que o consideram ruim e péssimo saltou de 27% para este mesmo patamar. A desconfiança em relação ao presidente pulou de 45% para 51%.

Nesse período, as ruas voltaram a fazer parte do cenário político, em um fenômeno desencadeado pela balbúrdia produzida pelo ministro da Educação ao anunciar um contingenciamento de recursos para a área. Não é a toa que a educação é o setor em que a insatisfação com o governo mais cresceu. Em um cenário polarizado como o brasileiro, a pesquisa é preocupante, mas não desastrosa para os bolsonaristas. É razoável supor que, se 32% dos brasileiros aprovam o governo depois de tudo o que aconteceu, este contingente está disposto a votar nele em uma reeleição. É o que basta para colocá-lo no segundo turno.

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