- O Estado de S.Paulo
A receita da Austrália é simples: rigor fiscal, câmbio flexível e economia aberta
Coalas e jornalistas são espécies ameaçadas de extinção, uma pelos trágicos incêndios que atingiram a costa leste da Austrália, outra apenas por um mórbido desejo de um presidente que não convive bem com críticas.
Os ataques à mídia vêm escalando, dos boicotes via propaganda e exclusão de licitação ao desejo de extinguir a classe. É mais uma ameaça desse governo aos pilares da democracia liberal. Essas investidas têm consequências: dão base para os intolerantes saírem do armário nas redes sociais, cometerem atentado terrorista e tomarem decisões judiciais absurdas, como a censura imposta ao episódio de Natal do Porta dos Fundos. A reação da sociedade, em defesa da democracia e liberdade de expressão, ajuda a dar limites ao presidente.
O Congresso teve importante papel ano passado, ao dar andamento a uma agenda econômica relevante, mas também ao recusar iniciativas da Presidência de viés populista ou autoritário. O STF é mais errático, deu suporte inicial à fragilização do Coaf, mas se posicionou claramente contra os rompantes de Bolsonaro. Por enquanto, os pesos e contrapesos da democracia vão funcionando.
Os coalas têm menos sorte. Um verão excepcionalmente quente e seco tem tornado os incêndios, normais nesta época do ano, incontroláveis. Lá, como cá, os governantes não dão muita bola para o meio ambiente e ignoram os perigos do aquecimento global. O fogo consumiu áreas equivalentes nos dois países. Mas as semelhanças param aí: a Amazônia não pega fogo sozinha. Piadinhas com Macron e ONGs mostram o nível de irresponsabilidade de nosso governo. As queimadas em 2019 foram 30% maiores que no ano anterior, por obra de homens, que se sentiram encorajados pelo discurso do próprio presidente. O Dia do Fogo é um exemplo.
Acabo de voltar da Austrália, longe dos incêndios. Estava mais ao norte, nas praias de areias brancas e água transparente, com corais maravilhosos e peixes coloridos. Parece loucura viajar para o outro lado do mundo para ir à praia, se tenho o privilégio de ter o Arpoador logo ali e tantos lugares lindos pelo Rio e Brasil.
Me dei conta nessa viagem que férias para o carioca é achar um lugar para relaxar do estresse permanente que significa viver nesta cidade. A abertura oficial do carnaval mostrou cenas lamentáveis, arrastão e destruição. Difícil encontrar um grupo, de qualquer classe social ou região, que não tenha um parente ou amigo morto num assalto. Só contando com a sorte. Injusto colocar essa pecha só no Rio. Quando fui para uma praia paradisíaca na Bahia, passei a noite de Natal sob a mira de uma espingarda. E só estou aqui para contar porque não havia armas na casa e nenhum cidadão de bem reagiu.
Não falo só da violência, mas também da incivilidade e desrespeito que transformaram o Zé Carioca em um povo mal-humorado e descortês. São os estacionamentos em fila dupla; os cruzamentos fechados; o dirigir pelo acostamento; a mulher grávida e o idoso em pé nos transportes públicos; a bicicleta na calçada e/ou na contramão e o altinho na beira d’água. Sair dessa rotina é férias. Tanto faz se vou apenas à praia. Só não ter uma caixinha JBL batendo estaca aos berros é férias. Beber água limpa é férias.
Não por acaso, em 2018, o Brasil atraiu menos estrangeiros que o Irã e a Ucrânia, e arrecadou apenas R$ 6 bilhões com turismo, um terço do pequeno Portugal. Ano passado ainda registrou queda de 5% por conta da violência e da péssima imagem do País no exterior. Em boa hora Bolsonaro cancelou sua ida a Davos. Iria ser confrontado sobre política ambiental e a estapafúrdia condução do Itamaraty. Um constrangimento a menos.
Por onde andei na Austrália vi o oposto daqui: civilidade e cordialidade. Cidades onde nem sequer há sinais de trânsito. A população se preocupa com meio ambiente e cuida. Estava em um lugar deserto e procurei uma lata de lixo. Não tinha. Só uma placa: “O que você trouxe, você leva”. Simples assim. Educação e cultura têm esses efeitos.
Os economistas gostam de comparar os indicadores de produtividade do Brasil com os da Coreia do Sul e mostrar como perdemos o trem da história. Talvez a Austrália seja melhor referência, já que depende também das commodities e vem registrando déficits em conta corrente por muitos anos.
Como as nossas contas externas voltaram ao noticiário, o interesse no modelo “aussie” aumentou. A receita é simples: rigor fiscal, taxa de câmbio flexível e economia aberta. Já avançamos nas duas primeiras, mas continuamos uma das economias mais fechadas do mundo. É difícil entender como um governo que se diz liberal na economia não tem uma política de abertura comercial no radar. Sem ela e sem reforma ampla do Estado – administrativa e desestatização –, não conseguiremos um salto de produtividade.
Bolsonaro até andou falando de privatização e a venda dos Correios subiu no telhado. Mas isso é assunto para a próxima coluna.
* Economista e advogada
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