- Valor Econômico
Regime Jurídico Único deixa de ser a porta exclusiva de entrada no funcionalismo
Na proposta de reforma administrativa que chegará ao Congresso neste mês, o governo vai criar novas possibilidades de contratação de servidores além do Regime Jurídico Único (RJU), cuja marca é a estabilidade para todo o funcionalismo. Hoje o funcionário que passa no concurso é contratado pelo RJU e a grande maioria ganha o direito à estabilidade tão logo toma posse do cargo, mesmo estando previsto um estágio probatório de três anos.
Na PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que institui a reforma, serão abertas novas formas de vínculos e a estabilidade será exclusiva das carreiras típicas de Estado (a exemplo de auditores fiscais e diplomatas, dentre outras). Mesmo para estes, entretanto, haverá um estágio que antecederá a estabilidade, de provavelmente dez anos, prazo para o funcionário provar que se enquadra na função designada e tem vocação para o serviço público.
Além de prever formas diversas de contratos temporários, o setor público poderá, com a reforma, contratar por prazo indeterminado e sem estabilidade, mais aos moldes da CLT. O que o Executivo pretende é ter maneiras alternativas de contratação de servidores que não obriguem o setor público a firmar um vínculo funcional permanente por várias décadas para lidar com problemas de curta duração.
O ministro Paulo Guedes está empenhado na reforma e confiante no apoio de Bolsonaro. O secretário Paulo Uebel foi encarregado, por Bolsonaro, a apresentar as bases da proposta para todos os 22 ministros de Estado do governo, ouvir sugestões e deixar claro que a PEC só servirá para os novos concursados. Ele já conversou com 17.
A proposta de reforma foi concebida a partir de um amplo diagnóstico feito com base na realidade recebida pelo atual governo. A visão é de que a máquina, aqui, custa muito caro, tem baixa produtividade - por causa de um desenho malfeito dos incentivos para os servidores - e é totalmente descolada da realidade do país. O governo deseja, porém, transformá-la em um serviço de vanguarda.
Os técnicos encarregados de propor a reforma fizeram, primeiro, uma radiografia da política de recursos humanos até 2018. Se tudo permanecer como está, o gasto com pessoal, que naquele ano correspondeu a 13,8% do PIB, chegará a 14,8% do PIB em 2030. Percentual muito superior ao de países emergentes, como a Colômbia (7,3% do PIB), e ao de localidades ricas como EUA (9,5%) e União Europeia (9,9%).
Nesse estudo encontraram-se várias esquisitices. Por exemplo, para administrar a folha de salários da União são necessários 15,5 mil funcionários, que custam, ao erário, R$ 1,6 bilhão.
Há situações bizarras: existem no setor público federal pessoas que ocupam funções totalmente obsoletas, tais como a de discotecário, operador de videocassete, operador de telex e especialista de linotipo, datilógrafa, seringueiro e chaveiro. Essas funções continuarão existindo, embora totalmente ociosas, enquanto tiver um indivíduo alocado em uma delas.
Entre 2003 e 2018, a força de trabalho da administração federal passou de 532 mil para 712 mil, crescimento de 34%. A despesa com pessoal ativo cresceu 242% entre 2008 e 2018, quando passou de R$ 44,8 bilhões para R$ 108,7 bilhões. Apesar disso, não se observou melhora na qualidade dos serviços prestados à população.
A profusão de planos e carreira torna a administração caótica. São 319 planos e carreiras, 440 rubricas da folha de salários sendo que 369 não têm equivalência no setor privado.
O governo vai enxugar essa proliferação de planos e cargos.
Há, por exemplo, 13 tipos de analistas administrativos e técnicos administrativos que prestam trabalho equivalente, mas têm remunerações distintas, conforme sua alocação no quadro geral. Se ele for do Incra, receberá remuneração bem mais generosa do que se for do Dnit. Isso será uniformizado.
Os números são espantosos. Para um total de 29 ministérios existentes em 2018, ano anterior ao da posse de Jair Bolsonaro, eram 2 mil cargos, 117 carreiras e 43 planos e 131 mil postos com gratificações.
Há um sistema de avaliação que não funciona, pois mais de 95% dos servidores recebem uma bonificação máxima por seu desempenho. E cerca de 60% das gratificações continuam a ser pagas mesmo após o funcionário se aposentar. Isso também será mexido, introduzindo um sistema de avaliação mais eficaz.
Dados do Ministério da Economia mostram que a diferença entre gastos federais com investimento e com pessoal saltou de R$ 187 bilhões em 2003 para R$ 277 bilhões em 2018. O texto faz um alerta de que o investimento público, que nos anos do milagre econômico correspondia a 5% do PIB, hoje tende a zero.
Embora a reforma administrativa não tenha impacto imediato no controle do gasto com pessoal, pois só será aplicada para os novos entrantes no serviço público, é importante que sejam estabelecidas regras remuneratórias o mais rápido possível. O setor público não conseguirá ficar mais alguns anos sem concurso, pois 42% da força de trabalho existente hoje se aposenta até 2030. Veja o colapso no INSS, no qual o governo apelou para os militares aposentados para que voltem ao trabalho e ajudem a desobstruir a fila de pedidos de aposentadorias.
O estudo feito pelo Ministério da Economia elege três grandes desafios a enfrentar com a reforma administrativa: aumentar a capacidade de investimento do Estado; reduzir a complexidade e implementar uma gestão que coloque o serviço público na vanguarda; e aproximar o serviço público do cidadão.
Nos últimos 15 anos, houve um aumento médio real de 53% na remuneração do funcionalismo federal.
A PEC da reforma administrativa será genérica. Depois de aprovada é que o governo deverá enviar projetos de lei para regulamentar as mudanças preconizadas na emenda constitucional. Por exemplo, será fixado um salário inicial para o ingresso no setor público coerente com o que é pago no setor privado. E será esticado o tempo, que hoje é inferior a 20 anos, para que o funcionário chegue ao topo da carreira.
*Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação
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