sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Eliane Cantanhêde - Bolsonarices

- O Estado de S.Paulo

O governo age bem no coronavírus, presidente ataca Meio Ambiente e diz bobagens

Num dia, o presidente Jair Bolsonaro irritou todos os governadores do País ao lançar o desafio de zerar os impostos sobre combustíveis. No dia seguinte, o mesmo presidente Jair Bolsonaro começou a driblar os governadores do Nordeste ao nomear para o Ministério do Desenvolvimento Regional o economista e ex-deputado Rogério Marinho, político e técnico.

Neto de Djalma Marinho, influente político da Arena e do PDS, partidos de apoio ao regime militar, Rogério Marinho reúne várias qualidades simultaneamente: respeito do presidente, ampla interlocução no Congresso, simpatia da mídia e confiança do mundo empresarial, depois de virar o principal negociador da reforma da Previdência.

Seu outro grande trunfo é ser do Rio Grande do Norte, num momento em que Bolsonaro quebra a cabeça para furar o bloqueio dos governadores da região – reduto do PT e seus aliados – e penetrar no grande e promissor eleitorado nordestino. De olho, claro, nas eleições municipais e, principalmente, nas presidenciais de 2020.

Enquanto abre alas no Nordeste, Bolsonaro lançou o tal desafio para todos os governadores: se eles zerarem o ICMS sobre combustíveis, o governo federal zera PIS, Cofins e Cide sobre o produto. Os governadores de São Paulo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Rio e Espírito Santo fizeram fila para reagir, mas quem resumiu tudo muito bem foi o paulista João Doria.

Se Wilson Witzel (RJ) partiu para a grosseria, chamando Bolsonaro de “esse sujeito irresponsável”, Doria foi elegante, mas duro e efetivo, acusando o presidente de fazer uma “bravata” e apelar para o “populismo”. Essas foram as duas palavras mágicas da reação geral de governadores.

E por quê? Primeiro, porque é absolutamente inviável zerar os impostos sobre combustíveis, que renderam mais de R$ 27 bilhões à própria União em 2019 e são fundamentais para as receitas estaduais. Segundo, porque, tanto quanto sabe que a ideia é inviável, o presidente sabe que é o que a sociedade brasileira e as empresas adoram ouvir. Ou seja: ele fez a bravata de prometer o que não pode entregar e, ao mesmo tempo, jogou no colo dos governadores a culpa pelos impostos dos combustíveis. Assim é fácil, não é?

A única curiosidade nessa história mal ajambrada é o silêncio sepulcral do ministro da Economia, Paulo Guedes. O que ele poderia dizer? O coitado ficou entre a cruz e a espada: ou desmentir o presidente e chefe ou admitir o inadmissível. Afinal, toda a energia de Guedes é pelo esforço fiscal, pelo controle dos gastos públicos, pelo equilíbrio entre receitas e despesas. Cortando receitas? Às vésperas da entrega da reforma tributária ao Congresso?

Numa semana em que o governo agiu bem e rápido em relação ao coronavírus, Bolsonaro preferiu ser pródigo em bolsonarices e atacou novamente na área mais sensível internacionalmente: Meio Ambiente.

Uma atrás da outra, anunciou o projeto que escancara reservas indígenas ao garimpo, exploração de gás e petróleo, hidrelétricas, pecuária, agricultura e turismo; limou a sociedade civil, inclusive a respeitada SBPC, do conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA); autorizou a pesca esportiva em unidades de conservação ambiental.

Parênteses: multado por pescar em local proibido, ele, depois de eleito, já conseguiu anular a própria multa, punir o fiscal que cumpriu sua obrigação e, agora, liberar geral. Impessoalidade zero.

Diante de tudo isso, as bobagens que o presidente disse ficam em segundo plano, apesar de não serem só “bobagens”: “pessoa com aids é despesa para todos no Brasil”; “se puder, um dia, confino os ambientalistas na Amazônia”; “eu sou imbroxável (sic)”. Constrangedor.

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