Incapaz
de organizar uma base sólida no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro depende
cada vez mais dos humores do Centrão
Na
superfície, foi apenas a demissão de mais um ministro irrelevante, o 12.º a
cair em menos de dois anos. Mas a saída de Marcelo Álvaro Antônio do Ministério
do Turismo depois que este denunciou as movimentações palacianas para saciar o
apetite do Centrão deu o tom do envolvimento do presidente Jair Bolsonaro na
sucessão da presidência da Câmara, muito mais profundo do que recomenda a
prudência.
O
ministro caiu depois que se tornou público o teor de uma mensagem postada por
ele no grupo de WhatsApp de colegas de Esplanada com pesadas críticas ao
ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Álvaro Antônio acusou o
ministro Ramos de se dedicar à negociação de cargos do primeiro escalão com o
Centrão para arregimentar apoio ao candidato governista à presidência da
Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Um desses cargos seria justamente o de
ministro do Turismo, o que enfureceu Álvaro Antônio e o motivou a chamar o
colega Luiz Eduardo Ramos de “traíra”.
Depois de dizer que conhece bem o Congresso, pois é deputado pelo PSL-MG, criticou o ministro Ramos por entrar no gabinete do presidente Jair Bolsonaro “comemorando algumas aprovações insignificantes no Congresso, mas não diz o altíssimo preço que tem custado” – em referência à oferta de cargos no governo em troca de votos. O agora ex-ministro Álvaro Antônio escreveu que, apesar dessas negociações – que se deram num volume “nunca antes visto na história”, segundo ele –, o governo “ainda assim” não conseguiu formar “uma base sólida no Congresso Nacional”. Tanto é assim, segue a mensagem, “que o senhor (ministro Ramos) pede minha cabeça para tentar resolver as eleições do Parlamento”, ou seja, “pede minha cabeça para suprir sua própria deficiência”.
As
“eleições no Parlamento” a que se refere o defenestrado ministro é justamente a
disputa pelas presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro do ano que vem.
A mensagem de Álvaro Antônio, portanto, escancarou o que todos já intuíam: que
o presidente Bolsonaro, por meio de seus articuladores políticos, está fazendo
de tudo para ter alguma influência sobre o comando do Congresso e jogou suas
fichas no deputado Arthur Lira.
A
história recente do País mostra que os presidentes que se intrometeram na
sucessão do comando do Congresso foram castigados – o caso mais recente, o de
Dilma Rousseff, é uma história bastante conhecida e deveria servir como
advertência. Aparentemente, contudo, Bolsonaro julga que vale a pena correr o
risco, por motivos evidentes por si mesmos: incapaz de organizar uma base
sólida seja para governar, seja para sobreviver no cargo, depende cada vez mais
dos humores do Centrão, razão pela qual amalgamou seu governo a esse bloco
fisiológico a ponto de praticamente tornarem-se indissociáveis – a corda e a
caçamba.
É
claro que o governo Bolsonaro, no discurso, vai tentar confundir sua rendição
total ao Centrão com o interesse nacional. No Ministério da Economia, por
exemplo, já se diz que o deputado Arthur Lira merece o apoio de Bolsonaro
porque estaria mais alinhado à agenda de reformas, conforme promessas do
candidato. Essa versão vale tanto quanto uma nota de três reais.
Em
primeiro lugar, o deputado Arthur Lira tem histórico de defesa do aumento de
gastos públicos e votou a favor da retirada de Estados e municípios da reforma
da Previdência. Como “reformista”, portanto, é cristão-novo: converteu-se ao
discurso das reformas, mas nada garante que tenha renunciado à antiga fé na
gastança.
Em
segundo lugar, se o presidente Bolsonaro estivesse mesmo tão engajado nas
reformas teria aproveitado o clima reformista da Câmara sob a presidência de
Rodrigo Maia e encaminhado todos os projetos que prometeu na campanha
eleitoral. O que se viu, contudo, foi um excruciante atraso, que muitos
atribuíram à falta de articulação política do governo, mas que, hoje está
claro, se deve muito mais ao desdém com que Bolsonaro trata as reformas.
O
discurso de respeito aos interesses do País na sucessão do comando do
Congresso, portanto, é apenas pretexto para que Bolsonaro e o Centrão cuidem de
suas conveniências particulares, para surpresa de ninguém.
Desemprego é aqui mesmo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Também
no emprego o desempenho da OCDE é bem melhor que o do Brasil
Na contramão do mundo, o Brasil continuou com desemprego em alta no terceiro trimestre, enquanto vagas eram abertas em dezenas de outros países. A desocupação caiu seguidamente entre maio e outubro, na média dos 37 países da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Do segundo trimestre para o terceiro a média recuou de 8,6% para 7,7%. No mesmo período os números brasileiros seguiram o caminho oposto, avançando de 13,3% para 14,6% da força de trabalho. Com essa piora, a população desocupada aumentou de 12,8 milhões para 14,1 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No período de julho a setembro o desemprego diminuiu para 7% nas sete maiores economias capitalistas, 7,7% na União Europeia e 8,6% na zona do euro. Todas as taxas caíram novamente em outubro.
Só
em dois países da OCDE o desemprego foi maior que no Brasil: na Espanha, com
16,6% no terceiro trimestre, e na Colômbia, com 17,8%. Nos dois países as taxas
continuaram diminuindo em outubro, para 16,2% e 16,3%. Em 28 dos 37 membros da
organização, as taxas foram inferiores a 10%. Em 11, foram iguais ou inferiores
a 5% no período julho-setembro.
O
Brasil já entrou na crise do coronavírus em condições muito piores que as da
maior parte dos países da OCDE – muito piores, também, que as de outras
economias emergentes. A economia brasileira nunca se recuperou plenamente da
recessão de 2015-2016, uma crise exclusiva do Brasil. A atividade cresceu a
partir de 2017, mas lentamente, e ainda perdeu impulso em 2019, início de
mandato do presidente Jair Bolsonaro.
Nesse
ano o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 1,6%, depois de haver-se
expandido 1,8% em cada um dos dois anos anteriores. Durante um semestre o
governo pareceu desconhecer o baixo nível de atividade. Alguns estímulos foram
injetados a partir de setembro, mas insuficientes para animar a economia. As
condições de emprego pouco mudaram nesse período. O desemprego diminuiu de
12,7% no primeiro trimestre para 11% nos três meses finais de 2019, uma taxa
muito parecida com a de um ano antes (11,6%).
O
Brasil entrou em 2020 como se o governo nada houvesse feito nos 12 meses
anteriores para intensificar a atividade. O aumento da ocupação nos meses
finais de 2019 foi principalmente sazonal, reforçado apenas pelos modestos
incentivos em vigor a partir de setembro.
A
única medida importante concretizada no período foi a aprovação da reforma da
Previdência, garantida muito mais pela atuação de parlamentares do que pela
ação do Executivo. A discussão já havia avançado no mandato do presidente
Michel Temer. As poucas tentativas de intervenção do presidente Jair Bolsonaro
só atrapalharam a tramitação do projeto.
A
inoperância do Executivo em 2019 freou a recuperação iniciada em 2017 e ainda
enfraqueceu a economia. No primeiro trimestre de 2020 o PIB foi 1,5% menor que
nos três meses finais do ano passado. A indústria perdeu em 2019 o pouco
impulso acumulado nos dois anos anteriores. Quando a pandemia chegou, a
atividade já estava em retração. A taxa de desemprego em janeiro-março, 12,2%,
foi mais que o dobro da registrada na OCDE, 5,4%.
Os
números são claros, mas houve quem sustentasse a lenda de um Brasil preparado
no início de 2020 para um crescimento mais intenso. Mas o PIB de janeiro-março
foi 0,3% menor que o dos primeiros três meses de 2019.
A
economia brasileira provavelmente encerrará 2021 sem ter voltado ao patamar de
2019. Muitas outras levarão mais de um ano para retornar àquele nível. Mas
essas economias andaram melhor que o Brasil antes de 2020 e acumularam
desemprego bem menor. Como no Brasil, a reação no terceiro trimestre foi
insuficiente em muitos desses países para anular a queda dos três meses
anteriores. Mas a economia brasileira já havia sofrido um tombo em
janeiro-março. Nenhuma fatalidade condena este país à estagnação. Mas o País
tem governo, dele depende, e será mais fácil crescer se esse governo for capaz,
enfim, de reconhecer os fatos e de enfrentá-los.
Eleições, liberdade e internet – Opinião | O Estado de S. Paulo
Em
40 países, segundo estudo, 88% das disputas eleitorais sofreram interferência
digital
Um número crescente de governos tem usado táticas digitais para acossar oponentes políticos e distorcer os ambientes de mídia online de seus países em períodos pré-eleitorais, relata um novo projeto de pesquisa da Freedom House, o Election Watch for the Digital Age. Após analisar 40 eleições e referendos realizados entre junho de 2018 e maio de 2020, a entidade constatou que 88% das disputas sofreram algum tipo de interferência eleitoral digital. Desde o seu surgimento, a internet foi vista como poderoso aliado da liberdade e autonomia individuais. Agora, sem ignorar suas potencialidades, o mundo virtual recebe um novo olhar, mais realista. Muitas vezes, a ameaça à liberdade e à democracia vem pela internet.
Entre
os incidentes de interferência nas eleições, a Freedom House relata a difusão
por governantes eleitos de informações falsas contra candidatos da oposição,
limitações oficiais ao uso da internet e até prisão de indivíduos em razão de
suas manifestações em redes sociais. Em 32 dos 40 países analisados, eleitores
foram impedidos de acessar informações objetivas sobre os candidatos e
participar de forma significativa no processo político.
Em
Mianmar, por exemplo, autoridades mantiveram, por mais de um ano, incluindo o
período pré-eleitoral, um bloqueio do sistema de internet móvel nos Estados de
Rakhine e Chin, fazendo com que cerca de 1,4 milhão de habitantes sofressem
sérias restrições de acesso à informação. Além disso, o governo recorreu à
legislação contra fake news para bloquear acesso a sites com reportagens
investigativas sobre atos de corrupção e violência por parte de militares.
Segundo
o estudo, os incidentes de interferência eleitoral digital ocorreram em países
com os mais variados perfis ideológicos, do Azerbaijão à Austrália. Para
avaliar e comparar a realidade de cada país, a Freedom House criou o Índice de
Vulnerabilidade Eleitoral (IVE), que é formado por 32 indicadores (com notas de
0 a 4), agrupados em três categorias – ambiente digital, sistema eleitoral e
respeito aos direitos humanos.
Em
relação ao ambiente digital, o estudo avalia itens como remoção de conteúdo
online, existência de leis intimidadoras, ações estatais de difusão de
desinformação e ataques cibernéticos contra lideranças civis. Quanto ao sistema
eleitoral, que inclui também a participação política, os indicadores
referem-se, por exemplo, à qualidade das eleições executivas e legislativas,
ambiente operacional dos partidos políticos, liberdade de atuação das forças de
oposição e a existência de pressões indevidas sobre as escolhas políticas.
No
último eixo, relacionado aos direitos humanos, avaliam-se algumas liberdades
fundamentais, como de expressão, de imprensa e de associação, bem como a
independência do sistema Judiciário, o respeito ao devido processo legal e o
tratamento igualitário sem discriminação. Um dos objetivos da Freedom House com
o novo projeto de pesquisa é documentar ameaças aos direitos humanos e à
integridade eleitoral nos meses anteriores às eleições importantes em todo o
mundo.
Junto
ao aumento dos ataques à democracia na esfera virtual, verifica-se também a
reação da sociedade em defesa da liberdade, como diz Adrian Shahbaz, diretor de
tecnologia e democracia da entidade, ao avaliar a campanha eleitoral dos
Estados Unidos. “Foi extraordinário testemunhar não apenas até onde um
presidente dos EUA iria na tentativa de minar o processo democrático, mas
também como funcionários públicos, empresas de tecnologia e sociedade civil se
empenharam para proteger a integridade de nossas eleições”, disse Shahbaz. “Infelizmente,
em muitos países, as pessoas não podem contar com os mesmos freios e
contrapesos institucionais ou a vigilância da imprensa que temos aqui.”
Nos
dias de hoje, avaliar a integridade das eleições é também acompanhar o que
ocorre na internet e nas redes sociais. Não basta ter urnas confiáveis para que
as eleições sejam livres. É preciso que as liberdades sejam de fato
respeitadas, também no mundo virtual.
Novo comando do Congresso definirá futuro das reformas – Opinião | O Globo
Disputas
na Câmara e no Senado deveriam priorizar a agenda legislativa, não interesses
paroquiais
A
definição dos nomes à sucessão das presidências das Casas Legislativas dá a
largada para uma corrida decisiva para o futuro político e econômico do Brasil.
O que se espera é um Parlamento comprometido com as reformas, que dê celeridade
à aprovação das leis e emendas constitucionais necessárias para resgatar nosso
equilíbrio fiscal e transformar o Estado brasileiro. O que se tem visto até
agora é completamente diferente: uma costura rebuscada de alianças, de olho na
preservação de interesses paroquiais e na eleição de 2022.
No
Senado, o atual presidente, Davi Alcolumbre, tenta fazer um acerto com o
presidente Jair Bolsonaro para manter sua influência na Casa. Na Câmara, assim
como fez ao renegar promessas de palanque de combater a corrupção, Bolsonaro
mergulhou fundo em práticas da velha política para garantir a presidência ao
deputado Arthur Lira (PP-AL). Parlamentares do bloco de Lira, cerca de 170
nomes reunindo integrantes de PP, PSD, PTB, PROS, Solidariedade, Avante e
outros partidos, tentam acertar a liberação de verbas definidas por um projeto
de lei que abriu crédito suplementar de pouco mais de R$ 6 bilhões para
diversos ministérios. Entre eles, os do Desenvolvimento Regional e da Saúde,
com atuação em áreas de grande visibilidade para os políticos. Lira tenta
atrair também os votos dos partidos de esquerda, como PT, PSB, PDT e PCdoB. Pelo
menos a maioria da bancada do PSB já confirmou apoio ao candidato bolsonarista.
Do
outro lado, Maia comanda um grupo que reúne 157 parlamentares de partidos como
DEM, PSDB, MDB, PV, Cidadania e PSL (até a noite de ontem sem candidato
definido). É um grupo mais próximo da agenda reformista, mesmo assim não se
sabe que tipo de concessão teria de fazer, na tentativa de atrair a apoio, para
compensar a “tinta da caneta” de Bolsonaro. O ainda presidente da Câmara
procura delimitar seu campo político nessa corrida, ao afirmar que Bolsonaro
deseja tomar conta da Casa para “desorganizar a agenda ambiental, flexibilizar
a venda de armas e tocar pautas de costumes que digam respeito às minorias”.
Quem
quer que saia vitorioso precisará contribuir para resgatar o país da crise que
mistura a explosão da dívida pública (já acima de 90% do PIB), inflação
crescente (acima da meta de 4% estabelecida para 2020), desemprego em alta,
pandemia sem dar sinal de trégua, além das mazelas seculares do Brasil. Para
isso, será necessário conferir um ritmo mais acelerado a propostas já em
tramitação, como a PEC Emergencial, a reforma administrativa ou a tributária. A
prioridade dos parlamentares, como se vê, parece ser outra. Todos estão de olho
em 2022.
Ação contra Facebook reflete humor menos tolerante com gigantes digitais – Opinião | O Globo
Por
mais que o caso esteja baseado em argumentos econômicos, a motivação do
processo é política
Depois
da ação por abuso de monopólio contra o Google, chegou a vez do Facebook. Num
novo processo, a Federal Trade Commission (FTC) e 46 estados americanos acusam
a rede social de práticas anticompetitivas e exigem uma sanção mais dura que a
reivindicada para o Google: pedem que o Facebook seja quebrado e que se desfaça
de dois pilares de seu negócio, Instagram e WhatsApp.
Não
faz muito tempo, a mesma FTC aprovara sem ressalvas a compra das duas empresas,
a primeira em 2012 por US$ 1 bilhão, a segunda em 2014 por US$ 19 bilhões.
Agora, em petição à Justiça, elenca diversas situações em que acusa o Facebook
de abusar de seu domínio das redes sociais. Cita, entre várias provas, um
e-mail em que o fundador Mark Zuckerberg afirma: “É melhor comprar que
competir”.
As
ações contra Google e Facebook são a maior evidência da mudança de humor das
autoridades americanas com as gigantes digitais. Punições duras reúnem hoje
apoio entre democratas e republicanos. A postura consagrada desde os anos 1980
em relação à legislação antitruste, referendada pelo acordo com a Microsoft em
2001, só vê abuso quando há dano direto ao consumidor, em particular aumento de
preço. No lugar dessa visão, entra em cena agora uma outra, menos permissiva,
que pretende condenar os monopólios quando ficar comprovado que sufocam
concorrentes, ainda que o consumidor continue a usar os produtos.
É
uma ideia que está longe de ser consensual. Será difícil provar nos tribunais
que a compra de WhatsApp e Instagram tenha resultado mesmo em menos inovação,
como já foi difícil no caso da Microsoft. As características das empresas
digitais não mudaram. Há décadas elas adotam uma estratégia similar: tentam
criar padrões de mercado que se tornem universais para se beneficiar dos
efeitos de rede. Nem sempre esse tipo de domínio causa prejuízo ao consumidor
ou ao mercado.
A
diferença é que a questão adquiriu contornos políticos depois da eleição de
Donald Trump. Redes sociais se tornaram o veículo predileto para disseminar
notícias fraudulentas, teorias da conspiração, conteúdo extremista ou violento.
Por mais que o caso contra o Facebook esteja lastreado em argumentos econômicos
— e por mais que vários desses argumentos até possam ser válidos —, a raiz de
tudo é política.
É
como se fosse preciso dar uma lição à empresa, que jamais assumiu a
responsabilidade pelos danos sociais que causa. Isso é sem dúvida necessário.
Mas há um custo. O objetivo do novo entendimento sobre os monopólios digitais
deve ser fortalecer a inovação e a concorrência, não punir vencedores. Não se
deve inibir a liberdade do Vale do Silício, responsável pela maior geração de
riqueza contemporânea.
Turismo político – Opinião | Folha de S. Paulo
Álvaro
Antônio sai, e apuração do escândalo dos laranjas permanece inconclusa
Enfim
demitido do Ministério do Turismo na quarta-feira (9), Marcelo
Álvaro Antônio deu sua insigne contribuição para o perfil sofrível do primeiro
escalão do governo federal e ajudou a expor a leniência do presidente Jair
Bolsonaro com aliados envolvidos em
acusações de irregularidades.
Uma
série de reportagens da Folha revelou, em 2019, um esquema
fraudulento de candidaturas de mulheres nas eleições do ano anterior. Por
indicação do PSL de Minas, então presidido por Álvaro Antônio, o comando
nacional da sigla (pela qual Bolsonaro candidatou-se à Presidência) destinou R$
279 mil a quatro candidatas.
A
soma correspondia ao percentual mínimo de 30% exigido pela Justiça Eleitoral
para candidaturas femininas. Embora tenham figurado entre os 20 postulantes da
agremiação que mais receberam dinheiro público, todas juntas tiveram pouco mais
de 2.000 votos.
O
agora ex-ministro foi indiciado pela Polícia Federal sob suspeita dos crimes de
falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita e associação criminosa,
delitos com penas de até cinco, seis e três anos de reclusão, respectivamente.
Depois, tornou-se alvo de denúncia por parte do Ministério Público de Minas
Gerais.
Apesar
das graves evidências, o presidente preferiu manter o titular da pasta,
enquanto as investigações, deploravelmente, permanecem sem resultado.
Álvaro
Antônio é um entusiasta de primeira hora da candidatura Bolsonaro. Ainda na
véspera de ser expelido, derramou-se em elogios ao chefe, em discurso proferido
no lançamento do Instituto Liberal-Conservador, do deputado Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP).
“Deus
levantou o presidente Bolsonaro para a bênção desta nação. Em cada momento, em
cada detalhe eu parava e via a mão de Deus sobre a vida do presidente”, disse.
Se
o ex-ministro via a mão divina a beneficiar o então postulante de seu partido,
parece não ter vislumbrado que as ameaças a rondar sua permanência na pasta
logo se consumariam.
Embora
um bate-boca por aplicativo com o chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo
Ramos, tenha servido de pretexto, a demissão já estava previamente definida.
O
afastamento atende à necessidade de dar prosseguimento aos conchavos com
partidos do centrão, com vistas a garantir a sobrevivência política do
presidente.
Por
ora, o ministério ficará sob o comando de Gilson Machado, que chefiava a
Embratur, mas prevê-se indicação pautada pelo toma lá dá cá ao qual Bolsonaro
aderiu.
Que siga o inquérito – Opinião | Folha de S. Paulo
Suspeita
de ingerência na PF não ficou menos grave com amansamento de Bolsonaro
Acertadamente,
o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, negou o
pedido do presidente Jair Bolsonaro para não depor no inquérito que
apura se ele interferiu indevidamente na atuação da Polícia Federal.
Como
o Supremo ainda não definiu se o mandatário, na condição de investigado, pode
depor por escrito ou se precisa fazê-lo presencialmente, a PF terá de esperar a
resolução dessa preliminar para marcar uma data para a oitiva ou um prazo para
envio das respostas.
O
princípio republicano exige que, exceto pelas distinções previstas em lei,
todos os cidadãos sejam tratados da mesma forma. Se uma pessoa comum não pode
furtar-se a apresentar-se à autoridade policial num inquérito, tampouco o
presidente pode fazê-lo.
Se
preferir, Bolsonaro poderá exercer seu direito constitucional de permanecer
calado, o qual é facultado a qualquer cidadão.
A atual prática pode até não ser a mais inteligente, já que mobilizar toda uma estrutura para ouvir alguém que nada dirá configura apenas desperdício de recursos. Mas, enquanto as regras não forem alteradas, devem ser cumpridas.
Não
se deve esperar, ao menos por ora, maiores consequências desse inquérito —e não
porque Bolsonaro não tenha interferido na PF nem porque isso não seja grave. A
questão é que o sistema legal brasileiro blinda o presidente.
Embora
a interferência para ganhos pessoais num órgão de Estado como a PF possa em
tese gerar tanto um processo de impeachment como um por crime comum, ambos
dependem da autorização de dois terços dos membros da Câmara dos Deputados para
serem deflagrados.
Politicamente,
Bolsonaro está resguardado no momento. Desde que abraçou o centrão, seu risco
baixou consideravelmente. Hoje, tem boas chances de eleger aliados para
presidir a Câmara e o Senado, a partir de fevereiro.
Decerto
que o apoio dos partidos fisiológicos é sempre condicional e interessado. Se o
presidente deixar de entregar cargos ou se se tornar um estorvo eleitoral, o
grupo rapidamente retira a sustentação —Dilma Rousseff viveu isso.
Se
Bolsonaro hoje caminha com desenvoltura, há nuvens no horizonte. Repique da
Covid-19, fim do auxílio emergencial, inflação e desemprego são alguns dos
elementos que podem formar combinações tóxicas para o presidente.
Seja
qual for a evolução do cenário, o inquérito não pode parar. As suspeitas que
pairam sobre o presidente não se tornaram menos graves com seu amansamento
político.
BC mantém cautela diante de maior risco inflacionário – Opinião | Valor Econômico
Outros
dois grandes riscos estão fora de controle do BC: pandemia e o risco fiscal
A
inflação mais elevada do que o esperado acendeu um alerta no Banco Central, que
indicou que poderá abandonar sua prescrição futura “em breve” e enterrou as
dúvidas sobre até quanto os juros poderiam cair. A taxa Selic foi mantida em 2%
e não há motivos para acreditar que o BC pretenda elevá-la tão cedo. Mas as
expectativas inflacionárias, que indicavam IPCA abaixo da meta em 2021 e 2022,
deixou de sê-lo para este último ano, agora no “horizonte relevante” da
política monetária.
O
BC terá de administrar com frieza uma inflação que fechará o ano acima da meta
de 4% e seguirá alta até maio, quando poderá atingir 6% em doze meses. Março,
abril e maio de 2020 foram os meses com efeitos mais duros da pandemia sobre a
atividade econômica. Em março o IPCA foi de 0,07%, mergulhando em ligeira
deflação nos dois meses seguintes. Esses baixos índices deixarão a conta e
serão substituídos por outros, maiores.
As
decisões de políticas monetária são tomadas quase sempre sobre terrenos
movediços e o atual não foge à regra. Os distúrbios nas cadeias de produção
provocados pelo coronavírus apareceram depois que a demanda ressurgiu,
impulsionada pelo auxílio emergencial, que elevou a renda das camadas mais
pobres. O aumento da procura diante de cadeias produtivas só parcialmente
operacionais e desfalcadas - seja pelo distanciamento, seja pela falência de milhares
de pequenas e médias empresas - puxou os preços para cima, com destaque para
alimentos (alta de 15,94% em doze meses).
Além
disso, a esperada apreciação do real não ocorreu, e sim uma acelerada
desvalorização. Essa inflação do “risco fiscal” foi relevante. Com exportações
mais rentáveis e demanda em alta, pela recuperação da economia global, chinesa
em particular, os impactos dos preços internacionais que costumam ser
amortecidos por um dólar mais fraco foram, ao contrário, potencializados por um
mais forte.
O
BC pode estar esperando o fim desse período de transição para outro no qual não
haverá auxílio emergencial e a demanda arrefeça um pouco enquanto a produção se
normaliza e o real se aprecia, como começou a ocorrer agora. O fim dos
programas de manutenção do emprego deverá aumentar o número de desempregados e
reduzir um pouco o consumo. Com isso, o IPCA recuará.
Nada
disso, porém, é seguro. A vacinação tornou-se uma possibilidade real e próxima
no início de 2021, mas a segunda onda veio antes e reduzirá o ritmo de
crescimento no último trimestre do ano, com efeitos também no primeiro
trimestre de 2021. A ata do Copom diz que a incerteza sobre o ritmo de
crescimento permanece acima do usual” nos próximos meses.
O
risco fiscal permanece em campo, influenciando as cotações do dólar e a curva
de juros futuros, e empurrando as expectativas inflacionárias para cima. “O
risco fiscal elevado”, indica o Copom, “segue criando uma assimetria altista no
balanço de riscos, com trajetória de inflação acima do projetado no horizonte
relevante”. A julgar pela indecisão e divergências no governo, esta ameaça não
irá embora tão cedo.
Mas
o risco fiscal deixou de ser o principal fator que levaria o BC a abandonar a
prescrição futura. O balanço de riscos piorou e ela pode ter de ser arquivada.
Se isso acontecer, não será “mecanicamente” que os juros subirão, alertou o BC.
No cenário em que a Selic é mantida em 2% e o câmbio em R$ 5,25, a inflação
ficaria em 2021 abaixo da meta, em 3,5%, mas em 2022 poderia chegar a 4%, já acima
da meta de 3,75%. No cenário com base nos dados do Focus isso não aconteceria,
mas os juros subiriam a 3% no ano que vem e 4,5% em 2022.
O
BC sinalizou que poderá elevar os juros, mas não é certo que o faça. As apostas
do mercado são a de que eles se moverão a partir do segundo trimestre. Mas as
estatísticas indicam que inflação, atividade e dólar estão perdendo o fôlego.
Apesar do IPCA de 0,89% em novembro, a inflação de serviços caiu de 0,55% para
0,39%. A média dos núcleos de inflação recuou, assim como o índice de difusão,
o IGP-M (primeira prévia) e IGP-DI. O dólar retornou ontem para perto de R$ 5,
com a volta do fluxo de investimento externo em ativos de risco. Indicadores
antecedentes sugerem que o PIB do quarto trimestre terá avanço modesto.
Outros dois grandes riscos estão fora de controle do BC: pandemia e o risco fiscal. Ambos dependem de um governo que não tem objetivos claros nem caminha em uma mesma direção, o que teve um custo inflacionário. Se ele aumentar, o BC não terá outro jeito senão elevar os juros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário