O
que mais preocupa nessa confusão é que o desenho do Renda Cidadã está
escanteado
Está
tudo parado ou rodando em círculo: Renda Brasil (ou Cidadã), reforma tributária, Orçamento de 2021,
PECs fiscais de cortes de despesas, reforma
administrativa e votação de vetos importantes, como a
prorrogação da desoneração da folha
para 17 setores.
A
cada bate-cabeça em torno das medidas e novos sobressaltos – como o desta
sexta-feira entre os ministros Paulo Guedes e Rogério Marinho – a piora dos
indicadores do mercado se acentua.
A
articulação que acontece no momento, e deve prosperar, é tirar o Renda Cidadã
do teto de gastos, mesmo que temporariamente.
Se
não houver algum tipo de entendimento nos mais urgentes pontos elencados acima,
o Brasil vai entrar em 2021 num voo cego com os efeitos da pandemia da covid-19 ainda mostrando a sua
cara.
Até
aqui não há o que comemorar do novo eixo de articulação política com o Centrão montado para avançar a
pauta econômica em três etapas de validação: acerto Ministério da
Economia-líderes do governo; Líderes-Palácio;
Bolsonaro-validação; e, por último, Palácio-líderes dos partidos aliados.
A
batalha de sobrevivência de Guedes e da sua agenda pode até embaralhar esse
jogo e tem servido de folclore para desviar a atenção para o fato de que todos
os sinais apontam que está em curso uma inflexão da política econômica. Ela já
começou apesar do uníssono grito de “vamos manter o teto de gastos”.
O
deadline da mudança indicado por muitas dessas lideranças é da eleição da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal,
em 2021.
A
monumental trapalhada do anúncio do financiamento do Renda Cidadã com recursos
dos precatórios e do Fundeb mostrou
que essa articulação não está dando certo. Por quê? A disputa pela presidência
do Senado e da Câmara se antecipou e nada, absolutamente nada, se move sem que
a eleição do início do ano que vem para o comando das duas Casas esteja na
conta.
A
tentativa dos partidos do Centrão de tomar a presidência da Comissão Mista de
Orçamento do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), é mais um
capítulo do que está acontecendo. O deputado Arthur Lira (PP-AL), à frente da
manobra, acirrou a tensão e adiou a sua instalação. Elmar é aliado do
presidente Rodrigo Maia e
Lira candidatíssimo a ficar no seu lugar. Eleição na veia.
Faltando
três meses para o fim do ano, é uma irresponsabilidade que a comissão não
esteja discutindo saídas para o País em 2021. A guerra na CMO pode, inclusive,
levar a votação do Orçamento e do Renda Cidadã para o ano que vem, “sob nova
direção”.
O
mais preocupante dessa encrenca geral com o Renda Cidadã é que governo e Congresso têm
deixado escanteado o desenho do próprio programa. Tanto é que o Ministério da Cidadania pouco
se envolve.
O
governo ainda está voltado à primeira geração das políticas de transferência de
renda, quando o mundo já está na terceira ou quarta geração, alerta o
economista João Marcelo Borges,
especialista em políticas educacionais.
Consultor
do BID na
época que o organismo emprestou US$ 1 bilhão para o governo aumentar os
beneficiários do Bolsa Família, no início dos anos
2000, adverte que o substituto do auxílio emergencial não pode resultar de
considerações meramente fiscais ou assistenciais.
Diz
Borges: “Salvo raras exceções, que apontam a necessidade de usar o Cadastro
Único e incorporar o conhecimento acumulado, a discussão sobre o Renda Cidadã
tem se dado apenas em torno das fontes para seu financiamento, do teto de
gastos e do valor do benefício”.
Um programa da magnitude que se discute (cerca de R$ 60 bilhões) não pode se restringir a elas. Há uma década se discutia portas de saída para o Bolsa Família. Hoje, parece que o debate é apenas sobre a largura da porta e sobre sua sustentação. É um retrocesso de duas décadas.
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