Programas
temporários de redução de pobreza valem a pena para as finanças públicas
Como
o auxílio emergencial acabou e a pandemia ainda está a pleno vapor, o governo e
o Congresso estão planejando um novo programa de transferências de renda. Como
deveria ser esse novo programa? Quem deveria ser o novo público-alvo? Será que
ele conseguirá evitar que cheguemos ao fundo do poço?
A
situação econômica, a sanitária e a social parecem piorar a cada dia. O número
de óbitos permanece num patamar acima de 1000 mortes por dia e a situação
começa a sair do controle em algumas cidades. Nesta semana, Bahia e Ceará
decretaram toques de recolher para tentar conter a expansão da doença. O
processo de vacinação, bastante lento, terá que ser suspenso nos próximos dias
por falta de vacinas, já que o governo não se preocupou em contratá-las em
quantidade suficiente no ano passado. E o próprio processo de vacinação está
sendo muito confuso, com grupos de risco dando lugar a jovens ocupados em
qualquer área remotamente ligada à saúde.
As escolas tentam reabrir, mas novos casos de vírus as obrigam a fechar novamente. As crianças e jovens estão aprendendo muito pouco na maioria das cidades, desenvolvendo problemas de saúde mental e, em muitos casos, sofrendo com a violência doméstica. O seu futuro será permanentemente prejudicado pela falta de aprendizado e problemas psicológicos. É necessário que as redes persistiam com os planos de retorno às aulas, mas sem contar com o apoio do governo federal para organizar as medidas de prevenção nas escolas, há muito pouco o que as redes municipais possam fazer.
Muitos
jovens pobres que acabaram de sair do ensino médio (sem terem aprendido o
conteúdo do terceiro ano) só conseguem emprego em empresas de entrega por
aplicativo, supermercados ou construção civil, o que limita sua experiência
profissional. Isso vai fazer com que tenham salários mais baixos ao longo da
vida e não se realizem profissionalmente, empurrando muitos para uma carreira
na criminalidade. E essa carreira deverá ter sua letalidade aumentada pelos
decretos de liberação de armas que estão sendo editados.
A
pobreza, que havia diminuído bastante com o auxílio emergencial, está
aumentando novamente. Com a normalização da vida nas cidades que ocorria no
final do ano passado, a pobreza estava aumentando menos do que o esperado,
convergindo para uma taxa um pouco acima da observada antes da crise.
Entretanto, a segunda onda e os toques de recolher irão fazer com que os
negócios fechem e as pessoas deixem de circular novamente, o que fará com que a
pobreza acelere rapidamente. Isso, por sua vez, fará com que as pessoas saiam
às ruas para obter renda, desafiando os toques de recolher, o que poderá
aumentar o contágio nas grandes cidades, especialmente com as novas variantes
do vírus que estão se disseminando pelo país.
As
desigualdades na educação, na saúde e no mercado de trabalho aumentarão de
forma permanente na geração que está crescendo nessa crise, pois todos esses
fatores afetam mais fortemente as camadas mais pobres da população. Nesse
contexto, não há dúvidas de que é necessário desenhar e implementar rapidamente
um novo programa de auxílio emergencial. E podemos aproveitar a experiência com
o auxílio anterior, que teve muitos aspectos positivos e alguns negativos, para
melhorar o desenho do novo programa.
Pelo
lado positivo, tivemos a velocidade com que o programa foi desenhado e
implementado e também os seus efeitos sobre a pobreza e desigualdade, que
caíram a níveis nunca vistos no Brasil. Já o principal erro foi a falta de
focalização, pois praticamente metade das famílias brasileiras receberam as
transferências, bem mais do que o necessário para atenuar os efeitos da crise
no emprego e para diminuir a pobreza e a desigualdade.
O
auxílio emergencial almejava proteger as pessoas que perderam emprego por causa
da pandemia, mas acabou beneficiando muito mais gente. Muitas pessoas que não
eram pobres nem perderam seus empregos receberam as transferências, pois os
limites de renda para inclusão no programa eram muito altos. Além disso, os que
já eram pobres antes da pandemia também se beneficiaram, mesmo quem não tinha
emprego antes da crise. Mas, se foi errado transferir recursos para quem não
era e não ficou pobre, o programa acertou ao conceder o benefício para todos os
que já eram pobres antes da crise, por vários motivos.
Em
primeiro lugar, porque as mulheres que estavam gestando seus filhos nesse
período puderam ter uma gravidez menos sofrida, o que melhorará o futuro dos
bebês em termos educacionais e de mercado de trabalho. E o mesmo ocorre com as
que tinham filhos pequenos, pois puderam lhes dar alimentação adequada e
interagir com eles de forma mais sadia. Mais ainda, os recursos fizeram com que
os pais pudessem ficar em casa durante a pandemia, diminuindo suas chances de
contaminação. E permitiram que eles ajudassem seus filhos nas tarefas escolares
à distância, principalmente os que estavam em processo de alfabetização. As
evidências mostram que tudo isso tem um retorno elevado para o governo e para a
sociedade no longo prazo, bem maior do que os custos das transferências para os
menos privilegiados.
Além
disso, muitos usaram o dinheiro para comprar ativos que geram rendimento no
presente e no futuro, como uma bicicleta para fazer entregas, por exemplo.
Vários estudos mostram que transferências de recursos concentradas no tempo podem
facilitar a saída da pobreza de forma permanente. Finalmente, o grande volume
transferido teve impacto significativo no consumo, atenuando os efeitos de uma
recessão que teria sido bem maior e, portanto, aumentando o emprego e a
arrecadação de impostos.
Para
o novo auxílio, o governo deveria focar na expansão do programa Bolsa Família,
tanto em termos de valores como em número de beneficiados. O valor transferido
para cada família deveria dobrar e as famílias com crianças deveriam receber um
valor ainda maior. O aplicativo desenvolvido para a inscrição no auxílio
emergencial deveria ser utilizado para alcançar todos os que perderam emprego
por causa da pandemia e se tornaram pobres.
Em
suma, programas temporários de redução de pobreza têm efeitos importantes no
longo prazo e valem a pena para as finanças públicas. E o novo programa de
transferências terá que ser aprovado com urgência, caso contrário atingiremos o
fundo do poço nas próximas semanas.
*Naercio
Menezes Filho é professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor
associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências
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