No
dia 12 de outubro de 1936, o oficial franquista José Milan Astray, durante a
cerimônia de abertura do ano letivo na Universidade de Salamanca, em resposta
ao discurso contra o fascismo proferido pelo filósofo Miguel de Unamuno
(1864/1936) reagiu, aos gritos, com uma série de impropérios, em nome da
brutalidade fascista como valor absoluto.
Concluiu
com a tristemente famosa frase, “Abajo la inteligência, viva la muerte!”.
Esse
fato histórico me veio à mente ao ler os quatro decretos recentes da Presidência
da República visando a desregulamentação e afrouxamento dos controles sobre as
armas entre nós. Da sua exegese resta claro o malefício contra a vida e,
reversamente, o benefício à violência, ao crime organizado e às milícias.
Armas
e equipamentos, antes de uso limitado e sob o controle do Exército, são
liberados. Amplia-se a munição disponível, idem armas de uso restrito.
Afrouxam-se os controles sobre renovação de registros de atiradores, antes
feitos pela Polícia Federal e agora afeito aos clubes de tiro.
Tudo
isso na esteira de 30 outros decretos ou regulamentações diversas na mesma
direção: liberar o acesso e promover a massificação das armas no país. Mas há
outras questões – e graves.
Até aqui o debate sobre o armamento ou não da população, era travado no âmbito da segurança pública, da sua maior ou menor contribuição para a segurança individual – jamais pública! Ao afirmar que é preciso armar a população para que ela preserve sua liberdade, o Presidente politiza o debate e ataca frontalmente o papel constitucional das Forças Armadas.
Na
constituição de uma nação, qualquer nação, o seu nascimento efetivo se dá
quando o Estado passa a ter o monopólio da violência legal. E esta, em última
instância, é exercida pelas instituições armadas, constituídas de cidadãos a
quem é dado o mandato da defesa, da soberania e da integridade nacional.
Ao
propor o armamento dos brasileiros, fere-se de morte, tanto o monopólio como o
papel constitucional das Forças Armadas. E invoca-se, conscientemente ou não, o
terrível fantasma de uma guerra civil, brasileiros contra brasileiros. Mais
armas, a literatura mundial tem consolidado, mais mortes.
A
autotutela da cidadania, via armas, desacredita o papel das políticas de
segurança, corrói a democracia, e é uma ilusão que sai caro a toda sociedade.
Além de adiar o enfrentamento da questão de como reformar o nosso sistema penal
e as nossas polícias para a defesa da vida de todos.
*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.
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