Blog do Noblat / Metrópoles
Os políticos optaram pela velha tradição
brasileira de liberar despesas maiores do que a receita. Agora miram o teto de
gastos
Nossa geração de brasileiros foi condenada a pagar dívidas com brasileiros que não receberam no passado pagamentos a que tinham direito. Os precatórios surgiram de irresponsabilidades e incompetências cometidas por governos anteriores, que o atual governo deve pagar. Se não fizer, além de represálias jurídicas que sofrerá, estará adiando o problema para brasileiros do futuro, e cometendo injustiça com aqueles que têm direito de receber os créditos que a lei já reconheceu. Esta situação é simples se não for confrontada com a realidade aritmética, comparando o valor da dívida que vem do passado com a disponibilidade de dinheiro no presente. O setor público brasileiro não dispõe dos bilhões de reais necessários para pagar a dívida, salvo se os políticos fizessem uma reforma fiscal para retirar dinheiro de empresas e pessoas para financiar estes gastos; ou se rompesse as amarras da responsabilidade fiscal e permitisse ao governo gastar mais do que dispõe, pagando com moeda desvalorizada pela inflação, o que não deixa de ser uma reforma fiscal em que todos pagariam pela redução do valor da moeda que têm em mãos. A alternativa de emitir títulos em vez de moeda é uma forma de trocar precatório hoje por pagamento da dívida no futuro acrescida de juros, com o agravante de que para trocar os títulos por dinheiro seria necessário aumentar a taxa de juros a ser paga aos que emprestam o dinheiro, assustados com risco de futuros calotes, provocando nefastas consequências sobre a economia, tais como desemprego e recessão.
Os políticos optaram pela velha tradição
brasileira de liberar despesas maiores do que a receita, como sempre fizeram
para atender ao apetite por gastos em privilégios, emendas, ostentação,
subsídios, obras necessárias ou não, e até por gastos sociais necessários. Para
isto eles precisam romper a PEC do Teto que, sendo determinação constitucional,
precisa de um quórum qualificado. Embora a maioria de nossos políticos sejam,
historicamente, populistas e irresponsáveis nos gastos públicos, o fato de
estar na Constituição faz com que a liberação para gastar exige uma maioria
expressiva. Com isto, uma minoria dos parlamentares pode barrar a volta do
casamento entre economistas negacionistas da aritmética e populistas de direita
e de esquerda que conduziram as finanças públicas brasileiras, ao longo de
grande parte das últimas seis a sete décadas.
Para vencer esta minoria que deseja manter
a responsabilidade fiscal do Teto, os defensores da irresponsabilidade
encontraram dois argumentos: não se deve dar calote em dívida e é preciso
atender aos pobres que passam fome. De repente, políticos de esquerda que
defendiam calote ou renegociação da dívida pública agora ae tornam radicais
opositores do calote e de renegociação dos “precatórios”, e políticos
insensíveis ao sofrimento do povo passam a defender os brasileiros que passam
fome. Além do imediatismo eleitoral, estão usando a fome e os “precatórios”
para voltar ao negacionismo da aritmética que permite tratar com
irresponsabilidade as finanças públicas. Tomando carona na fome e nos
“precatórios”, políticos de esquerda e de direita querem voltar ao tempo de
gastos sem limites para suas emendas, privilégios, subsídios, ostentação,
desperdícios, fundo partidário, fundo eleitoral, e certos gastos sociais, sem
tocar nos privilégios e na concentração de renda, nem na tributação regressiva
que isenta os ricos e penaliza aos pobres..
A derrubada da PEC do Teto é uma
contrarrevolução feita em nome de atender aos esfomeados e cumprir ordem
judicial. Mais uma vez a política nacional beneficia aos ricos com a ilusão de
beneficiar aos pobres, jogando para estes pagarem o que recebem com a carestia
que roubará o que recebem. Em um país com o potencial para a produção agrícola
e com a capacidade de distribuição de alimentos a ocorrência de fome só se
explica pela maldade e cegueira da política. Se quisessem de fato enfrentar a
fome genocida que acontece sob nossos olhos, o Congresso deveria se reunir em
vigília, responsável e solidária, contra a fome, dia e noite, sábado e domingo,
com a pauta exclusiva de como resolver o problema da fome, definir um programa
emergencial, estimado quanto será preciso tirar dos que comem para os que não
comem, sem roubar ao povo com inflação. Em um país com o potencial.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
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