O Globo
Às vésperas da votação da PEC dos
Precatórios no Senado, precisamos falar sobre o verdadeiro problema que ela
traz à tona. Não é a PEC, muito menos o auxílio social que ela — em tese —
torna possível. Não é só o orçamento secreto, ou as emendas distribuídas a
alguns parlamentares “coincidentemente” próximo a votações importantes. A
verdade é que precisamos falar sobre o Orçamento federal.
O Orçamento no Brasil não tem passado de uma peça de ficção. Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA), em tese, deveriam servir como norte para um planejamento de país: da Educação à Saúde, da Infraestrutura à Agricultura. No entanto o que temos visto governo após governo é um jogo de quebra-cabeça em que as peças não se encaixam e acabam por formar uma imagem turva do que gostaríamos de ser.
A ideia do ciclo de planejamento é bonita:
começa com o PPA, quando o presidente eleito tem a missão de desenhar o país
que pretende conduzir pelos próximos quatro anos. Ali, os ministérios descrevem
suas diretrizes, objetivos e metas para aquele ciclo, que se inicia no segundo
ano de cada mandato e se encerra no primeiro ano do mandato seguinte, trazendo
o senso de continuidade. Seus programas e ações devem orientar a LDO, em que
serão elencadas as políticas públicas a ser priorizadas para que as metas sejam
cumpridas. A LOA completa o quadro. Ali se demonstra como o governo pretende
pagar por aquilo que foi planejado para o ano seguinte.
O problema é que a teoria tem se mostrado
ineficiente na prática, especialmente quando o governo se exime de qualquer
responsabilidade sobre presente e futuro. Uma das principais alterações feitas
por Bolsonaro na estrutura administrativa foi a incorporação do Ministério do
Planejamento ao Ministério da Economia, uma estrutura que se tornou grande
demais para a pequena capacidade de gestão deste governo. Em certa medida,
perdeu-se a visão estratégica da economia e do próprio planejamento. Talvez
tenha sido uma mostra do que se podia esperar.
No entanto o quadro atual traz dilemas que
persistem desde a redemocratização. Por vezes, não é possível compreender os
confusos Projetos de Lei do Congresso (PLNs) que buscam alterar a colcha de
retalhos que virou o Orçamento público federal. A atenção de todos acaba se
voltando mais para o não previsto, e o recurso discricionário (livre de
definições prévias) se torna objeto principal, seja como RP2 (emendas
discricionárias), RP9 (emendas de relator) ou a manobra orçamentária que
surgir. Ocupam-se mais com o recurso que deveria apenas corrigir distorções do
que com o que deveria balizar o funcionamento do país.
Então tem-se uma bola de neve: processos
nada transparentes geram execuções obscuras, dificultam a fiscalização da
execução e permitem o surgimento de esquemas que só mudam de nome,
independentemente de qual partido esteja no poder. No passado, Anões do
Orçamento, mensalão. Atualmente orçamento secreto (ou bolsolão). E nos atemos
mais aos nomes que às soluções.
Especialmente no pós-pandemia, precisamos
de governantes que compreendam a importância do ciclo: planejar, executar,
fiscalizar. Precisamos nos concentrar no que é essencial para garantir um
mínimo de dignidade à população mais carente e criar as condições necessárias
para que a nossa economia seja reconstruída. Precisamos de processos
transparentes, de um Orçamento que possa ser revisto, mas que sirva como
norteador real, e não fictício, de um projeto de país.
Com parlamentares mirando na poupança eleitoral e um presidente preocupado em manter seu poder de compra sob o Centrão, dificilmente teremos o melhor resultado. Ou começamos quanto antes a construir um país em bases verdadeiramente sólidas, ou tudo que teremos será uma nação sempre prestes a ruir.
*Senador (Cidadania-SE)
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