Folha de S. Paulo
Imprensa está diante da responsabilidade
por eleição presidencial limpa
A viagem de Lula
à Europa proporcionou, pelo avesso, o mais desalentador prenúncio
da disputa
eleitoral do próximo ano. Foi preciso que leitores e espectadores
esbravejassem com suspeições, para que o noticiário dos principais diários e
emissoras incluísse o assunto de inegável relevância política e jornalística.
Era passada já uma semana desde o início, dia 11, da viagem a convite da
Fundação Friedrich Ebert e do SPD, partido do futuro primeiro-ministro da
Alemanha.
Componente não menos sugestivo no silêncio veio a ser o seu encerramento também
coincidente, na data, entre as diferentes vias de noticiário. Quase uma
informação involuntária de coincidências em tudo combinadas. Sobretudo tendo em
vista os tantos grupos de influência, os de sempre e vários recentes, já ativos
para a decisão eleitoral (a estabilização temporária de Bolsonaro liberou-os
do trabalho de sustentá-lo).
O histórico da chamada mídia brasileira a iguala aos militares na adoção funcional de um papel político, de dirigismo suprainstitucional e supraconstitucional. A modernização técnica do jornalismo reduziu, mas não conseguiu extirpar, a função político-ideológica que originou a velha imprensa. Não se trata da definição por linha política ou por candidatura, que podem ser legítimas se transparentes e éticas, mas de práticas manipuladoras da consciência e da conduta dos cidadãos. Nesse atraso, empresários do meio são a força impositiva, mas são jornalistas os seus operadores.
Como em relação aos militares, e dados os antecedentes numerosos, uma razão de estranhamento na mídia mexe com as expectativas e acende os temores. O boicote recente não teve maior consequência, porque o noticiário restabeleceu o básico do omitido e apesar de algumas torções inconformadas. A exemplo da atribuição à hostilidade mútua de Macron e Bolsonaro a recepção especial a Lula na França. Ou restringir o aplauso de um plenário amplamente em pé, no Parlamento Europeu, aos deputados da esquerda.
O mundo nunca abandonou suas reservas ao escândalo acusatório produzido pela associação de Lava Jato e imprensa/TV. Mesmo nos Estados Unidos, onde Sergio Moro e Deltan Dallagnol tinham ou têm ligações, o noticiário foi cauteloso em referência a Lula —não quanto à Petrobras e às empreiteiras. Americanos, e europeus atuais em menores doses, sempre são parte do que se passa e como se passa na América Latina. Atuam mais por seus interesses do que os nossos países o fazem pelos próprios.
Com Bolsonaro e Moro, coadjuvados por Ciro
Gomes, a disputa pelo voto não será política. Será bélica, entre os três e
deles contra os demais. Para pesar do jornalismo, a mal denominada mídia é a
mais eficaz arma nesse gênero de guerra. Quando quer sê-lo. O pós-ditadura já
sofreu várias dessas transfigurações antidemocracia, com fins não só
eleitorais, praticadas tanto pelo conjunto, como por um ou poucos componentes
da comunicação social. Seu êxito, em todas as suas ocorrências, levando a
péssimos resultados para a vida institucional, política e econômica do país.
Razão de alguns pedidos tardios de desculpas e de promessas ainda em suspenso.
O ocorrido nos últimos dias contém um prenúncio pesado e também este indicativo
promissor. O erro foi reconhecido e encerrado. Conduta rara, senão única. E,
curioso, a Folha e O Globo tiveram a correção de publicar cartas, uma
em cada um, de leitores indignados com o boicote percebido. Não parece, mas, na
imprensa tão soberba, foi um fato histórico.
Jornais e tevês,
e seus proprietários, dirigentes e jornalistas, estão
diante da responsabilidade por uma eleição presidencial limpa. Ou o serão por
um desastre institucional e social sem mais possibilidade, desta vez, de
recuperação em tempo imaginável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário