Correio Braziliense / Estado de Minas
O exame ocorre em meio ao caos na instituição,
porque 37 técnicos do órgão pediram demissão e denunciaram a interferência
indevida do ministro da Educação, Milton Ribeiro, na elaboração das provas
Um dos momentos de maior angústia nas vidas
dos nossos jovens é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que funciona como
uma espécie de portal para a vida adulta, porque seus desempenhos serão
determinantes para o acesso ao ensino superior. Hoje, 3,1 milhões de jovens em
todo o país prestarão a primeira prova do Enem, em meio a uma guerra ideológica
aberta por pressão do presidente Jair Bolsonaro sobre os técnicos do órgão
responsável pela elaboração das provas, o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para que as provas fossem
politicamente alinhadas com a suas ideias sobre os costumes e a história.
Detalhe: é o menor número de inscritos desde 2005.
O exame ocorre em meio ao caos na instituição, porque 37 técnicos do órgão pediram demissão e denunciaram a interferência indevida do ministro da Educação, Milton Ribeiro, na elaboração das provas. Ex-reitor da Universidade Mackenzie, de São Paulo, pastor presbiteriano, advogado e teólogo, seu prestígio junto ao presidente Jair Bolsonaro foi à Lua graças à confusão que arrumou. O diretor nomeado por ele para o Inep, Danilo Dupas Ribeiro, é acusado de assédio moral e manipulação das provas, com censura a determinadas questões. Há denúncias de tentativa de nomeações indevidas para cargos e funções no órgão, com pessoal não qualificado, inclusive policiais federais.
Tudo isso fez com que Bolsonaro comemorasse
a crise quando estava em viagem no Oriente Médio: “Agora o Enem tem a cara do
meu governo”. Naturalmente, a oposição foi para cima do ministro da Educação no
Congresso, mas isso somente o fortaleceu junto àquele que o nomeou. Uma das
características do governo Bolsonaro é o seu reacionarismo cultural, associado
a ideias políticas autoritárias, que idealizam o passado relativamente recente,
principalmente o “regime militar”, expressão que o presidente da República
gostaria que fosse substituída por “revolução”.
Eleito com uma agenda regressiva, Bolsonaro
não conseguiu implementá-la integralmente no Congresso, seja porque não teve
apoio parlamentar suficiente, seja por causa do papel constitucional do Supremo
Tribunal Federal (STF) em defesa do Estado Democrático de Direito. Entretanto,
nos ministérios, essa agenda avançou até onde foi possível, com consequências
que hoje respondem por muitos fracassos no seu governo. Há, de fato, uma
estratégia bem-sucedida de desmonte de políticas públicas construídas ao longo
de décadas. Seu fracasso está em não conseguir implementar nada no lugar,
devido à resistência de técnicos e gestores públicos de carreira.
Hegemonia cultural
Na área da cultura, a estratégia foi implementada de forma radical. Quanto mais
estapafúrdio, histriônico e reacionário o sujeito, mais prestigiado fica com o
presidente da República. Se espinafrar jornalistas e a imprensa, então, nem se
fala. Por isso, quem imagina a demissão do presidente do Inep ou do ministro da
Educação, pode desistir. Apesar das denúncias de que órgão vive uma “crise sem
precedentes, com perseguição aos servidores, assédio moral, uso
político-ideológico da instituição pelo MEC, e falta de comando técnico no
planejamento dos seus principais exames, avaliações e censos”. A guerra
ideológica contra o chamado “marxismo cultural” é música para Bolsonaro, porque
mobiliza sua base conservadora e evangélica.
Olavo de Carvalho, o ideólogo bolsonarista
que se mandou do país na semana passada, temendo ser preso, fez a cabeça do
presidente quanto à necessidade de erradicar as ideias progressistas da
educação, o que vem sendo um fator de crise nessa área desde o começo do
governo. Seu livro O mínimo
que você precisa saber para não se tornar um idiota (Record) é
a segunda bíblia de milhares de pastores evangélicos, que lutam contra um
inimigo imaginário cujos objetivos seriam destruir a família e corromper a
juventude.
Professores da rede pública e privada são
vistos como ameaça por adotarem uma suposta “pedagogia comunista”, cujo símbolo
seria o educador Paulo Freire. Olavo faz uma interpretação distorcida do
conceito de “hegemonia”, de Antônio Gramsci, descrito nos Cadernos do Cárcere (Civilização
Brasileira), escrito na prisão, de 1926 a 1937, durante o regime fascista de
Benito Mussolini. Grosso modo, segundo o pensador marxista italiano, no
Ocidente o poder político não depende apenas da força do Estado, mas também da
cultura social, ou seja, do consentimento da sociedade civil. Nesse aspecto, a
construção da “hegemonia” dar-se-ia também no âmbito de instituições como a
igreja e o sistema de ensino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário