Folha de S. Paulo
Por que precisamos respeitar fatos quando
fazemos declarações que têm a pretensão de falar sobre o mundo real?
Da aridez da península Arábica, Jair
Bolsonaro afirmou que a Amazônia, por
ser uma floresta úmida, não pega fogo e que não existe
desmatamento. Segundo ele, a cobertura da selva é a mesma desde a chegada de
Cabral em 1500.
Por que precisamos respeitar os fatos quando fazemos declarações que têm a pretensão de falar sobre o mundo real? A rigor, não precisamos. Há formas de pensamento, como o onírico, o poético e o religioso, que podem desprezar evidências e até as leis da física e nem por isso deixam de dizer algo sobre o mundo. Os pragmáticos, porém, sempre valorizaram mais um tipo de discurso que se autolimita. Nele, é preciso que haja uma correspondência entre a proposição e a coisa da qual se predica algo, por mais problemático que seja definir esses termos. Apenas tentar seguir essa regra já faz com que o sujeito modere sua imaginação, reduzindo a chance de ver-se presa de delírios. Na prática, o esforço para conformar a proposição ao objeto se transforma num "reality check" (teste de realidade), ainda que imperfeito.
Não é coincidência que a ciência, o ramo do saber que mergulhou mais fundo nisso, tenha se tornado quase indissociável da matemática. Não sabemos por que a matemática funciona tão bem nas ciências naturais.
Para o físico Eugene Wigner, isso deveria causar surpresa. Para Galileu, isso ocorre porque a matemática é o alfabeto no qual Deus escreveu o Universo. De forma mais modesta, podemos dizer que ela é útil porque facilita os "reality checks".
Se meu modelo diz que o resultado de operação deveria ser 18, mas meu experimento dá 5, preciso rever meus dados empíricos ou meus pressupostos teóricos. Quanto mais matematizável uma linguagem, mais facilmente ela se torna científica. Compare-se a física com o direito.
Bolsonaro não sabe matemática. Mal sabe português. Mas o grave é que minta tão despudoradamente.
PS – Dou ao leitor um hiato de duas semanas.
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