terça-feira, 9 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Difícil 2022

Folha de S. Paulo

Previsões para o próximo ano se deterioram; presidenciáveis devem zelar herança

Resta pouco a fazer a fim de reverter a recente degradação das projeções de crescimento econômico em 2022. Não parece realista, inclusive, esperar providências.

As taxas de juros devem continuar em alta. Assim, o investimento para expansão da capacidade produtiva deve ser inibido, em particular na construção civil. Dinheiro caro e incertezas sobre o futuro devem prejudicar também a indústria de transformação, o comércio e os serviços, que mal se recuperam dos impactos da pandemia.

O consumo das famílias deve crescer de modo discreto, dada a lenta recuperação do emprego e da renda média real —esta ora em baixa. A precaução deve conter impulsos de compra.

Os juros estão em alta devido à carestia persistente e a dúvidas quanto à evolução da dívida pública, agravadas pelo desgoverno de Jair Bolsonaro. Ainda que a inflação tenda a diminuir, os preços continuam pressionados por choques externos, falta de água e eletricidade e desvalorização cambial, que encarece os importados.

A escassez de energia, insumos e matérias-primas no mercado mundial deve continuar até meados do próximo ano. Na melhor das hipóteses, a crise hídrica e seus efeitos sobre a conta de luz devem durar ao menos até abril de 2022.

Não há perspectiva de baixa substantiva das cotações das commodities, embora, no atual contexto, tal fenômenos também tivesse efeitos negativos. A taxa de câmbio mudou de patamar, carregada pela aventura fiscal eleitoreira de Bolsonaro. A desconfiança quando às finanças públicas não deve se dissipar com a disputa presidencial.

As estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto mais reputadas para o próximo ano estão ainda dispersas entre uma alta de 1% e uma baixa de 0,5%. Trata-se de diferença grande neste contexto deplorável de renda baixa e pobreza grande e crescente. De qualquer modo, espera-se por ora a estagnação da renda per capita.

Os investimentos públicos de estados e municípios, com caixas gordos, evitarão o ainda pior. A indústria extrativa ainda pode se beneficiar de bons preços mundiais. Há, ademais, projeções otimistas para o agronegócio.

Mesmo com os ventos favoráveis para esses setores, a perspectiva atual é de quase estagnação do PIB, desemprego na casa de 12% (na média de 2017 a 2019) e de retração na produção industrial.

De Bolsonaro não se deve esperar um gesto de responsabilidade para restaurar a credibilidade da política econômica. Os demais candidatos ao Planalto precisam preocupar-se, desde a campanha, com a herança que pretendem receber.

Impasse radical

Folha de S. Paulo

Governo esquerdista peruano leva três meses apenas para aprovar o ministério

Governantes costumam desfrutar de certa trégua política nos primeiros dias de mandato, momento em que aproveitam para dar o tom da nova administração, cumprir promessas de campanha e lançar medidas de impacto. Não no Peru, onde o presidente Pedro Castillo só conheceu crises e turbulências em seus três meses à frente do país.

Desde que assumiu o poder, o novo mandatário vem batalhando para conseguir o mínimo: formar um gabinete funcional que lhe permita, de fato, começar a governar.

No Peru, diferentemente do Brasil, o primeiro escalão do Poder Executivo, após ser nomeado pelo presidente, ainda precisa ser confirmado pelo Congresso.

Coalhado de nomes controversos, o primeiro gabinete proposto por Castillo, um neófito na política, foi aprovado somente após duas longas sessões e em meio a um ambiente de alvoroço, com manifestantes favoráveis e contrários ao governo protestando do lado de fora do Legislativo.

O principal ponto de conflito, naquele momento, deu-se em torno do indicado para ocupar o cargo de primeiro-ministro, Guido Bellido, investigado por apologia ao terrorismo e envolvido num suposto esquema de cobrança de subornos de comerciantes e fazendeiros.

Membro da ala mais radical do partido esquerdista Perú Libre, pelo qual Castillo se elegeu, Bellido logo acumulou atritos com o presidente e declarações polêmicas, como a ameaça de nacionalizar jazidas de gás exploradas por um consórcio privado.

Pressionado pelo Congresso, Castillo promoveu em outubro uma ampla reforma governamental, na qual substituiu o premiê e trouxe nomes ligados à esquerda moderada. Diante da perda de espaço, o Perú Libre estrilou. Maior bancada do Parlamento, com 37 das 130 cadeiras, a agremiação ameaçou votar contra o novo gabinete.

A promessa foi cumprida em parte. Na quinta (4), o novo ministério foi ratificado por 68 deputados, apenas dois a mais que o necessário, e com o voto contrário de quase metade da legenda presidencial.

As dificuldades de Castillo, assim, derivam sobretudo da tarefa de conciliar os interesses e a agenda radical do partido que afinal sustenta seu governo com a busca pela moderação, crucial para obter maioria no Congresso e melhorar o diálogo com o setor produtivo.

Aparentemente não será com Castillo que o Peru, depois de vivenciar uma verdadeira vertigem política nos últimos anos, alcançará, enfim, a estabilidade.

Orçamento secreto e transparência

O Estado de S. Paulo

Em decisão liminar, a ministra Rosa Weber explicitou o caráter escandaloso do chamado orçamento secreto. A transparência é condição imprescindível para o controle

É dever do STF assegurar a transparência no uso do dinheiro público.

Em maio, o Estado revelou um esquema de distribuição de recursos públicos muito pouco transparente. Por meio das emendas de relator, o Executivo federal disponibilizava verbas para finalidades indicadas por parlamentares afinados com o Palácio do Planalto. O sistema era tão pouco transparente que, num primeiro momento, o governo Bolsonaro negou sua existência.

No entanto, mesmo depois de revelado, o esquema continuou em funcionamento, como instrumento para obter apoio político. Na semana passada, o Estado revelou o uso do mecanismo nos dias prévios à aprovação, em primeiro turno, da PEC dos Precatórios na Câmara dos Deputados. Na véspera da votação, o governo Bolsonaro distribuiu, por meio de emendas, R$ 1,2 bilhão a deputados.

Diante de tal descaramento, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, na sextafeira passada, a suspensão integral e imediata da execução dos recursos oriundos das emendas de relator relativas ao Orçamento de 2021, até que o plenário da Corte se manifeste sobre o tema. Há três Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 850, 851 e 854) questionando a constitucionalidade da prática.

Para Rosa Weber, o orçamento secreto é incompatível “com os princípios da publicidade e da impessoalidade dos atos da Administração Pública e com o regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado”.

Na decisão, a ministra explicitou o caráter escandaloso desse sistema de distribuição de verbas públicas. Após negar a existência do mecanismo, o governo Bolsonaro tentou atribuir ares de normalidade à prática. “Causa perplexidade”, disse Rosa Weber, “a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos destinados à concretização das políticas públicas a que deveriam servir as despesas, bastando, para isso, a indicação direta dos beneficiários pelos próprios parlamentares, sem qualquer justificação fundada em critérios técnicos ou jurídicos, realizada por vias informais e obscuras, sem que os dados dessas operações sequer sejam registrados para efeito de controle por parte das autoridades competentes ou da população lesada.”

A liminar determinou também duas medidas relativas à transparência dos recursos públicos já distribuídos por meio das emendas de relator. Todos os documentos que embasaram a distribuição de recursos provenientes dessas emendas nos Orçamentos de 2020 e 2021 devem ser tornados públicos. Nos últimos meses, o governo Bolsonaro dificultou o acesso do Estado a documentos relativos à prática.

A segunda medida de transparência estabelece que todas as demandas de parlamentares referentes à distribuição de emendas de relator sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada, mantida pelo órgão central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal.

Na decisão, Rosa Weber lembrou que o Tribunal de Contas da União, ao julgar as contas do presidente da República de 2020, já havia detectado aumento expressivo na quantidade de emendas apresentadas pelo relator do Orçamento (523%) e no valor das dotações consignadas (379%), sem que fossem observados, no entanto, critérios de equidade ou de eficiência na escolha dos órgãos e entidades beneficiários dos recursos públicos.

Intransigente defensora da dimensão colegial da Corte, Rosa Weber pediu que a liminar fosse submetida a referendo do plenário do Supremo. A sessão virtual extraordinária encerra-se amanhã. É dever do STF fazer cumprir a Constituição, assegurando plena vigência aos princípios da transparência e publicidade no uso do dinheiro público. Num Estado Democrático de Direito, não cabe distribuição escondida de verba pública, menos ainda se é para comprar apoio político. A transparência é condição imprescindível para que haja controle.

Promiscuidade institucional

O Estado de S. Paulo

Ao afirmar que o TCU agora se comporta como se integrasse o Executivo, Bolsonaro continua investindo na promiscuidade institucional

Para o presidente Jair Bolsonaro, “o Tribunal de Contas da União (TCU) deixou de ser um órgão que amedronta, tornou-se parceiro e participa das decisões do governo como se fosse um integrante do Poder Executivo”.

Com essa frase, pronunciada na quinta-feira passada na sessão de abertura do 5.º Fórum Nacional de Controle – Educação no Pós-pandemia: Desafios e Oportunidades, promovido pelo TCU, Bolsonaro mais uma vez mostrou que não entende – ou não quer entender – a Constituição que prometeu cumprir em sua posse.

Pela Constituição, o Brasil é uma República Federativa assentada numa estrutura tripartite de Poder, que funciona como um sistema de freios e contrapesos. É justamente por isso que cada Poder tem autonomia no cumprimento de suas funções específicas. No caso do TCU, por exemplo, apesar de ter o nome de tribunal, ele não está vinculado ao Poder Judiciário, mas ao Poder Legislativo, do qual é um órgão de assessoria, encarregado de fiscalizar os gastos e as decisões da máquina administrativa do Poder Executivo.

Ao afirmar que o TCU o “amedrontava” no passado, Bolsonaro, certamente sem notar, deixou claro que o órgão vinha cumprindo suas atribuições constitucionais – e isso o incomodava, em razão das decisões atabalhoadas, infundadas e juridicamente discutíveis de seu governo. E ao dizer que o órgão agora é “parceiro”, uma vez que alguns de seus membros e técnicos teriam participado de reuniões ministeriais no Palácio do Planalto, o que o presidente assevera é que o governo não tem mais medo de ser submetido a processos administrativos ou de ver suas contas eventualmente desaprovadas.

“Só tenho a agradecer ao TCU pela parceria conosco”, concluiu Bolsonaro. Do ponto de vista do funcionamento de um regime democrático, essa é uma fala bastante perigosa. Entre outros motivos, porque revela que o sistema de freios e contrapesos inerente a uma estrutura tripartite de Poder teria sido corroído por uma promiscuidade institucional. Ou seja, em vez de fiscalizar o governo, o TCU teria sido cooptado, deixando a função de assessorar o Legislativo para passar a agir como se fosse “integrante do Executivo”.

Essa não é a primeira vez em que o presidente da República deixa publicamente evidenciada essa estratégia de cooptação. Há alguns meses, depois da sucessão de afrontas que fez a dois ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, Bolsonaro propôs ao presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que se sentasse com ele e com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para discutir um pacto de governabilidade. Arguto, hábil e consciente de que a negociação de qualquer pacto correria o risco de acabar envolvendo tentativas do presidente da República de ir além do que chama de “quatro linhas da Constituição”, o ministro Luiz Fux percebeu em tempo os objetivos não confessados da proposta presidencial e em boa hora a recusou.

Caso o presidente do Supremo a tivesse aceitado, que autoridade teriam os demais ministros da mais alta Corte do País, que é um órgão colegiado por natureza, para exercer o controle da constitucionalidade das leis? Com que autoridade e com que legitimidade o Supremo poderia tomar decisões que contrariam os interesses políticos do atual inquilino do Palácio do Planalto? Em que medida, após uma negociação entre os chefes dos Três Poderes, Bolsonaro não se sentiria estimulado a agir do mesmo modo como se comportou no caso do TCU? Ou seja, agradecendo a “parceria” do Supremo por “se antecipar a problemas para que processos sigam adiante” e, com isso, rebaixando a instituição, um Poder classificado como independente e autônomo pela Constituição, como se na prática ela fosse “quase integrada ao governo”.

Para um presidente que, desde o primeiro dia de seu governo, tenta neutralizar os órgãos constitucionais de controle da República, o discurso que pronunciou no evento do TCU não causa espanto. Causa receio, dadas suas tentativas de corrosão das instituições de direito.

STF tem de acabar com a fraude das emendas do relator

Valor Econômico

O STF agiu para evitar transferência de recursos públicos na calada da noite

A PEC dos Precatórios é escandalosa no conteúdo, assim como o é na forma como foi aprovada pela Câmara dos Deputados. A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, com uma liminar certeira e impecável na fundamentação, pediu a suspensão da liberação de verbas pelo instrumento. O STF, em plenário virtual, decide hoje o mérito da questão. As emendas do relator são um “mensalão” à vista, segundo o interesse do projeto do governo esposado pelo Centrão. O método da votação foi fulminado pelo deputado Rodrigo Maia, antecessor do atual presidente da Câmara, em ação ao STF, mostrando que os procedimentos do encaminhamento de votos seguiram vias absolutamente tortas. Nada teria acontecido facilmente sem o dinheiro público.

Para o calote de precatórios e o estouro do teto de gastos transitaram na véspera da votação mais de R$ 900 milhões, que aliciaram votos para aprovar a PEC por 312 votos, apenas 4 a mais que o necessário.

As emendas do relator, como apontou Rosa Weber, são a chicana do processo orçamentário. Nada nelas é transparente e seu objetivo é obter o apoio de deputados e senadores a projetos do governo. O presidente da Câmara, Arthur Lira, se tornou o vice-rei de um país supostamente republicano. A proposta de emenda constitucional, com o calote de dívidas do Estado em sentenças judiciais contra as quais não cabem mais recursos, foi feita apenas para garantir que R$ 16,8 bilhões do orçamento fluam para o líder do PP e os políticos que orbitam o Centrão e sejam distribuídos a quem quiser.

Há lógica nesta falcatrua. Antes da ascensão do presidente Jair Bolsonaro, falso paladino anti-corrupção, os políticos recebiam caixa 2 de empresas que fraudavam o Estado e repassavam a eles parte do botim, como ficou claro no petrolão. A legislação, após os escândalos de corrupção, vetou o financiamento privado de campanhas eleitorais e o trocou pela subvenção pública. O orçamento passou então a ser torturado para transações eleitoreiras.

Às emendas individuais sucederam-se as de bancadas e, depois, as transferências diretas, sem finalidade específica, de recursos do orçamento para municípios, coronelismo centralizado em Brasília. Por fim, as emendas do relator (RP9) coroou o que já era sabido, o total desdém de Bolsonaro em relação à corrupção, que corroi rapidamente seu governo e da qual ele pensa tirar proveito para tentar uma duvidosa reeleição.

A entrega do governo ao Centrão foi absoluta, o que explica a desenvoltura e a falta de escrúpulos com que Lira manipula verbas orçamentárias e votações na Câmara. O dinheiro lubrifica a compra de apoio de parlamentares selecionados de acordo com a necessidade, a partir de decisão que passa pela Casa Civil, de Ciro Nogueira (PP), pela Secretaria de Governo, de Flavia Arruda (PL), e pelo comando da Câmara, do PP. Os contribuintes sempre pagam a conta da corrupção, mas o caminho da propina ficou mais curto. As reeleições dependem agora basicamente dos cofres públicos, à mercê das “criaturas do pântano político” às quais o ministro Paulo Guedes se aliou para servir a Bolsonaro.

Como talvez não fossem suficientes os R$ 900 milhões liberados em cima da hora, Lira fez o que quis com as regras e permitiu que parlamentares no exterior votassem, algo antes proibido. Além disso, inventou um acordo no dia da votação com base em uma emenda que não existia e da qual não se tinha conhecimento, contra o regimento. Venceu por 4 votos e está sendo contestado no STF.

Lira tenta aprovar uma peça legal que inscreve na Constituição o direito de o Estado ignorar decisões finais da Justiça e pagar quando e como bem entender dívidas transitadas em julgado, para as quais não existem mais recursos. Pegou carona nesta excrecência, que será contestada judicialmente pela OAB, o rombo no teto de gastos sancionado por Guedes para melhorar as chances de reeleição do chefe, nada boas.

Impedido de usar dinheiro para estimular consciências na votação do segundo turno da PEC, o esquema secreto de verbas passa por dificuldades. O STF agiu para assegurar transparência no orçamento, evitar transferência de recursos públicos na calada da noite para apaniguados desconhecidos, com fins ignorados. Lira não desistirá, mas terá de enfrentar batalhas morro acima no segundo turno, mais duas no Senado, onde a perspectiva não é favorável, e ainda o veredicto do STF. A PEC, espera-se, terá o fim inglório que merece.

Os limites do combate do TSE à desinformação

O Globo

São essenciais as medidas que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem tomado para combater a desinformação nas eleições de 2022. Pego de surpresa pela disseminação de fake news em massa em 2018, o tribunal se mostra agora disposto a não deixar que o ocorrido se repita. Como afirmou ao GLOBO o ministro Edson Fachin, que presidirá a Corte no início do ano que vem, a desinformação “tende a impactar de forma muito negativa os processos eleitorais” por prejudicar o direito de escolha com base em fatos fidedignos. A dúvida é se o poder de que o TSE dispõe será suficiente para resolver a questão.

Do ponto de vista jurídico, a perda de mandato do deputado Fernando Francischini (PSL-PR), por ter espalhado mentiras sobre a urna eletrônica depois do primeiro turno em 2018, transmite o recado certo: não serão toleradas mais atitudes do tipo. Quem se meter a usar a internet para colocar o sistema eleitoral em questão — e, por tabela, a democracia em risco — será punido na mesma medida.

O tribunal também informou que cobrará das grandes plataformas digitais políticas de conduta rígidas contra a disseminação de fake news. Noutra frente, deverá adotar medidas contra a estratégia de disparos em massa. No julgamento em outubro da campanha do presidente Jair Bolsonaro, a chapa dele foi absolvida, mas a prática condenada.

É justamente nesse ponto que a investida do TSE contra a desinformação desperta ceticismo. Não apenas por causa da existência de uma rede social como o Telegram, que permite a criação de grupos com até 200 mil integrantes e não tem representante que possa ser responsabilizado no Brasil. Mas sobretudo por causa da dificuldade intrínseca de controlar a rede mais popular e mais usada para disseminar fake news: o WhatsApp.

Reportagem do GLOBO descobriu pelo menos sete sites que continuam oferecendo o serviço de disparos em massa a preços convidativos (a partir de cinco centavos por conteúdo enviado) e fazem propaganda nas principais plataformas que dizem estar empenhadas na luta contra a desinformação. Não apenas bolsonaristas têm usado a modalidade de campanha para fins políticos, mas também candidatos de partidos de esquerda.

As soluções para o problema do WhatsApp passam pelo Projeto de Lei das Fake News, aprovado no Senado e em debate na Câmara, sob a relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Na primeira versão, o texto ordenava o armazenamento por três meses dos dados sobre mensagens encaminhadas a mais de mil usuários, sem acesso ao conteúdo, apenas para facilitar investigações. Apesar de não haver violação de sigilo, a ideia foi criticada pelas plataformas digitais.

Na última versão, a proposta é mais simples: proibir aplicativos como o WhatsApp de encaminhar mensagens a mais de um usuário. Dessa forma, eles manteriam apenas a característica de comunicação um a um e deixariam de poder ser usados como meio de atingir milhares simultaneamente. Os grupos continuariam, mas neles também seria impossível encaminhar mensagens mais de uma vez. Nada assim jamais foi tentado em nenhum país, e parece uma saída radical se o objetivo é apenas coibir a desinformação. Mas a medida corresponde à missão declarada do WhatsApp e seria mais eficaz que qualquer das iniciativas do TSE.

Governo despreza o bem-sucedido Programa Nacional de Imunizações

O Globo

É indisfarçável o empenho do governo Bolsonaro para minar a credibilidade que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) construiu ao longo de quase cinco décadas, com resultados reconhecidos mundialmente. Responsável pela vacinação contra a Covid-19, o PNI está há quatro meses acéfalo, sinal da pouca importância dada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e pelo próprio governo.

O PNI está sem titular desde 7 de julho, quando a então coordenadora, Francieli Fantinato, pediu exoneração do cargo que ocupava desde 2019. Em depoimento à CPI da Covid, ela disse que um dos motivos de sua saída foi a politização da vacinação pelo presidente Jair Bolsonaro. “Quando o líder da nação não fala favorável [à vacina], minha opinião pessoal é que isso pode trazer prejuízos”, afirmou.

A politização não cessou. Nomeado coordenador do PNI em outubro, o médico Ricardo Gurgel nem chegou a assumir. O Ministério da Saúde não deu maiores explicações, mas Gurgel disse acreditar que tenha sido vetado por criticar publicamente o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. Embora esteja comprovado cientificamente que a droga não tem eficácia contra a doença e pode causar efeitos colaterais graves, ela é defendida com ardor por Bolsonaro.

Não é a primeira vez que o ministério desconvoca alguém por razões ideológicas. Em maio, a infectologista Luana Araújo, anunciada para a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid, foi dispensada dez dias depois sem explicações convincentes. Não foi difícil descobrir o motivo. Ela postara nas redes sociais críticas ao famigerado “tratamento precoce” com drogas ineficazes, a que se referiu como “curandeirismo” e “vanguarda do atraso”.

A sanha do governo contra a ciência produz situações bizarras. Como a revogação do ato de Bolsonaro que concedeu a Ordem do Mérito Científico aos pesquisadores Marcus Lacerda e Adele Schwartz Benzaken. Lacerda é autor de um estudo que desaconselha o uso da cloroquina contra a Covid-19. Benzaken, quando esteve no Ministério da Saúde, produziu uma cartilha para pessoas trans. O descabido cancelamento da honraria à dupla levou 21 cientistas a renunciar às condecorações. Em carta aberta, acusaram o governo de perseguição aos cientistas.

Criado em 1973, o PNI teve papel importantíssimo na erradicação e no controle de doenças no Brasil. O bem-sucedido histórico do programa demandaria mais atenção por parte do governo. Mas Bolsonaro prefere jogar contra, minando a confiança nas vacinas e dando mau exemplo ao não se imunizar. Felizmente, os números mostram que o brasileiro é resiliente. A artilharia antivacina não tem acertado o alvo. Mais de 73% já tomaram a primeira dose, e mais de 56% estão completamente imunizados. Contudo ainda não se atingiu o percentual necessário para proteger a população, e a ameaça negacionista não deve ser desprezada. O governo deveria saber que ideologia e inépcia fazem mal ao Ministério da Saúde.

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