EDITORIAIS
Difícil 2022
Folha de S. Paulo
Previsões para o próximo ano se deterioram;
presidenciáveis devem zelar herança
Resta pouco a fazer a fim de reverter a
recente degradação
das projeções de crescimento econômico em 2022. Não parece
realista, inclusive, esperar providências.
As taxas de juros devem continuar em alta.
Assim, o investimento para expansão da capacidade produtiva deve ser inibido,
em particular na construção civil. Dinheiro caro e incertezas sobre o futuro
devem prejudicar também a indústria de transformação, o comércio e os serviços,
que mal se recuperam dos impactos da pandemia.
O consumo das famílias deve crescer de modo
discreto, dada a lenta recuperação do emprego e da renda média real —esta ora
em baixa. A precaução deve conter impulsos de compra.
Os juros estão em alta devido à carestia
persistente e a dúvidas quanto à evolução da dívida pública, agravadas pelo
desgoverno de Jair Bolsonaro. Ainda que a inflação tenda a diminuir, os preços
continuam pressionados por choques externos, falta de água e eletricidade e
desvalorização cambial, que encarece os importados.
A escassez de energia, insumos e matérias-primas no mercado mundial deve continuar até meados do próximo ano. Na melhor das hipóteses, a crise hídrica e seus efeitos sobre a conta de luz devem durar ao menos até abril de 2022.
Não há perspectiva de baixa substantiva das
cotações das commodities, embora, no atual contexto, tal fenômenos também
tivesse efeitos negativos. A taxa de câmbio mudou de patamar, carregada pela
aventura fiscal eleitoreira de Bolsonaro. A desconfiança quando às finanças
públicas não deve se dissipar com a disputa presidencial.
As estimativas de crescimento do Produto
Interno Bruto mais reputadas para o próximo ano estão ainda dispersas entre uma
alta de 1% e uma baixa de 0,5%. Trata-se de diferença grande neste contexto
deplorável de renda baixa e pobreza grande e crescente. De qualquer modo,
espera-se por ora a estagnação da renda per capita.
Os investimentos públicos de estados e
municípios, com caixas gordos, evitarão o ainda pior. A indústria extrativa
ainda pode se beneficiar de bons preços mundiais. Há, ademais, projeções
otimistas para o agronegócio.
Mesmo com os ventos favoráveis para esses
setores, a perspectiva atual é de quase estagnação do PIB, desemprego na casa
de 12% (na média de 2017 a 2019) e de retração na produção industrial.
De Bolsonaro não se deve esperar um gesto
de responsabilidade para restaurar a credibilidade da política econômica. Os
demais candidatos ao Planalto precisam preocupar-se, desde a campanha, com a
herança que pretendem receber.
Impasse radical
Folha de S. Paulo
Governo esquerdista peruano leva três meses
apenas para aprovar o ministério
Governantes costumam desfrutar de certa
trégua política nos primeiros dias de mandato, momento em que aproveitam para
dar o tom da nova administração, cumprir promessas de campanha e lançar medidas
de impacto. Não no Peru, onde o presidente Pedro Castillo só conheceu crises e
turbulências em seus três meses à frente do país.
Desde que assumiu o poder, o novo
mandatário vem batalhando para conseguir o mínimo: formar um gabinete funcional
que lhe permita, de fato, começar a governar.
No Peru, diferentemente do Brasil, o
primeiro escalão do Poder Executivo, após ser nomeado pelo presidente, ainda
precisa ser confirmado pelo Congresso.
Coalhado de nomes controversos, o primeiro
gabinete proposto por Castillo, um neófito na política, foi aprovado somente
após duas longas sessões e em meio a um ambiente de alvoroço, com manifestantes
favoráveis e contrários ao governo protestando do lado de fora do Legislativo.
O principal ponto de conflito, naquele
momento, deu-se em torno do indicado para ocupar o cargo de primeiro-ministro,
Guido Bellido, investigado por apologia ao terrorismo e envolvido num suposto
esquema de cobrança de subornos de comerciantes e fazendeiros.
Membro da ala mais radical do partido
esquerdista Perú Libre, pelo qual Castillo se elegeu, Bellido logo acumulou
atritos com o presidente e declarações polêmicas, como a ameaça de nacionalizar
jazidas de gás exploradas por um consórcio privado.
Pressionado pelo Congresso, Castillo
promoveu em outubro uma ampla reforma governamental, na qual substituiu o
premiê e trouxe nomes ligados à esquerda moderada. Diante da perda de espaço, o
Perú Libre estrilou. Maior bancada do Parlamento, com 37 das 130 cadeiras, a
agremiação ameaçou votar contra o novo gabinete.
A promessa foi cumprida em parte. Na quinta
(4), o novo ministério
foi ratificado por 68 deputados, apenas dois a mais que o
necessário, e com o voto contrário de quase metade da legenda presidencial.
As dificuldades de Castillo, assim, derivam
sobretudo da tarefa de conciliar os interesses e a agenda radical do partido
que afinal sustenta seu governo com a busca pela moderação, crucial para obter
maioria no Congresso e melhorar o diálogo com o setor produtivo.
Aparentemente não será com Castillo que o
Peru, depois de vivenciar uma verdadeira vertigem política nos últimos anos,
alcançará, enfim, a estabilidade.
Orçamento secreto e transparência
O Estado de S. Paulo
Em decisão liminar, a ministra Rosa Weber
explicitou o caráter escandaloso do chamado orçamento secreto. A transparência
é condição imprescindível para o controle
É dever do STF assegurar a transparência no
uso do dinheiro público.
Em maio, o Estado revelou um esquema de
distribuição de recursos públicos muito pouco transparente. Por meio das
emendas de relator, o Executivo federal disponibilizava verbas para finalidades
indicadas por parlamentares afinados com o Palácio do Planalto. O sistema era
tão pouco transparente que, num primeiro momento, o governo Bolsonaro negou sua
existência.
No entanto, mesmo depois de revelado, o
esquema continuou em funcionamento, como instrumento para obter apoio político.
Na semana passada, o Estado revelou o uso do mecanismo nos dias prévios à
aprovação, em primeiro turno, da PEC dos Precatórios na Câmara dos Deputados.
Na véspera da votação, o governo Bolsonaro distribuiu, por meio de emendas, R$
1,2 bilhão a deputados.
Diante de tal descaramento, a ministra Rosa
Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, na sextafeira passada, a
suspensão integral e imediata da execução dos recursos oriundos das emendas de
relator relativas ao Orçamento de 2021, até que o plenário da Corte se
manifeste sobre o tema. Há três Arguições de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF 850, 851 e 854) questionando a constitucionalidade da
prática.
Para Rosa Weber, o orçamento secreto é
incompatível “com os princípios da publicidade e da impessoalidade dos atos da
Administração Pública e com o regime de transparência no uso dos recursos
financeiros do Estado”.
Na decisão, a ministra explicitou o caráter
escandaloso desse sistema de distribuição de verbas públicas. Após negar a
existência do mecanismo, o governo Bolsonaro tentou atribuir ares de
normalidade à prática. “Causa perplexidade”, disse Rosa Weber, “a descoberta de
que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a
grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre
coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos
conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos
destinados à concretização das políticas públicas a que deveriam servir as
despesas, bastando, para isso, a indicação direta dos beneficiários pelos
próprios parlamentares, sem qualquer justificação fundada em critérios técnicos
ou jurídicos, realizada por vias informais e obscuras, sem que os dados dessas
operações sequer sejam registrados para efeito de controle por parte das
autoridades competentes ou da população lesada.”
A liminar determinou também duas medidas
relativas à transparência dos recursos públicos já distribuídos por meio das
emendas de relator. Todos os documentos que embasaram a distribuição de
recursos provenientes dessas emendas nos Orçamentos de 2020 e 2021 devem ser
tornados públicos. Nos últimos meses, o governo Bolsonaro dificultou o acesso
do Estado a documentos relativos à prática.
A segunda medida de transparência
estabelece que todas as demandas de parlamentares referentes à distribuição de
emendas de relator sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada,
mantida pelo órgão central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal.
Na decisão, Rosa Weber lembrou que o
Tribunal de Contas da União, ao julgar as contas do presidente da República de
2020, já havia detectado aumento expressivo na quantidade de emendas
apresentadas pelo relator do Orçamento (523%) e no valor das dotações
consignadas (379%), sem que fossem observados, no entanto, critérios de
equidade ou de eficiência na escolha dos órgãos e entidades beneficiários dos
recursos públicos.
Intransigente defensora da dimensão
colegial da Corte, Rosa Weber pediu que a liminar fosse submetida a referendo
do plenário do Supremo. A sessão virtual extraordinária encerra-se amanhã. É
dever do STF fazer cumprir a Constituição, assegurando plena vigência aos
princípios da transparência e publicidade no uso do dinheiro público. Num
Estado Democrático de Direito, não cabe distribuição escondida de verba
pública, menos ainda se é para comprar apoio político. A transparência é
condição imprescindível para que haja controle.
Promiscuidade institucional
O Estado de S. Paulo
Ao afirmar que o TCU agora se comporta como
se integrasse o Executivo, Bolsonaro continua investindo na promiscuidade
institucional
Para o presidente Jair Bolsonaro, “o
Tribunal de Contas da União (TCU) deixou de ser um órgão que amedronta,
tornou-se parceiro e participa das decisões do governo como se fosse um
integrante do Poder Executivo”.
Com essa frase, pronunciada na quinta-feira
passada na sessão de abertura do 5.º Fórum Nacional de Controle – Educação no
Pós-pandemia: Desafios e Oportunidades, promovido pelo TCU, Bolsonaro mais uma
vez mostrou que não entende – ou não quer entender – a Constituição que
prometeu cumprir em sua posse.
Pela Constituição, o Brasil é uma República
Federativa assentada numa estrutura tripartite de Poder, que funciona como um
sistema de freios e contrapesos. É justamente por isso que cada Poder tem
autonomia no cumprimento de suas funções específicas. No caso do TCU, por
exemplo, apesar de ter o nome de tribunal, ele não está vinculado ao Poder
Judiciário, mas ao Poder Legislativo, do qual é um órgão de assessoria,
encarregado de fiscalizar os gastos e as decisões da máquina administrativa do Poder
Executivo.
Ao afirmar que o TCU o “amedrontava” no
passado, Bolsonaro, certamente sem notar, deixou claro que o órgão vinha
cumprindo suas atribuições constitucionais – e isso o incomodava, em razão das
decisões atabalhoadas, infundadas e juridicamente discutíveis de seu governo. E
ao dizer que o órgão agora é “parceiro”, uma vez que alguns de seus membros e
técnicos teriam participado de reuniões ministeriais no Palácio do Planalto, o
que o presidente assevera é que o governo não tem mais medo de ser submetido a
processos administrativos ou de ver suas contas eventualmente desaprovadas.
“Só tenho a agradecer ao TCU pela parceria
conosco”, concluiu Bolsonaro. Do ponto de vista do funcionamento de um regime
democrático, essa é uma fala bastante perigosa. Entre outros motivos, porque
revela que o sistema de freios e contrapesos inerente a uma estrutura
tripartite de Poder teria sido corroído por uma promiscuidade institucional. Ou
seja, em vez de fiscalizar o governo, o TCU teria sido cooptado, deixando a
função de assessorar o Legislativo para passar a agir como se fosse “integrante
do Executivo”.
Essa não é a primeira vez em que o
presidente da República deixa publicamente evidenciada essa estratégia de
cooptação. Há alguns meses, depois da sucessão de afrontas que fez a dois
ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes e Luís Roberto
Barroso, Bolsonaro propôs ao presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que se
sentasse com ele e com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal para discutir um pacto de governabilidade. Arguto, hábil e consciente
de que a negociação de qualquer pacto correria o risco de acabar envolvendo
tentativas do presidente da República de ir além do que chama de “quatro linhas
da Constituição”, o ministro Luiz Fux percebeu em tempo os objetivos não
confessados da proposta presidencial e em boa hora a recusou.
Caso o presidente do Supremo a tivesse
aceitado, que autoridade teriam os demais ministros da mais alta Corte do País,
que é um órgão colegiado por natureza, para exercer o controle da
constitucionalidade das leis? Com que autoridade e com que legitimidade o
Supremo poderia tomar decisões que contrariam os interesses políticos do atual
inquilino do Palácio do Planalto? Em que medida, após uma negociação entre os
chefes dos Três Poderes, Bolsonaro não se sentiria estimulado a agir do mesmo
modo como se comportou no caso do TCU? Ou seja, agradecendo a “parceria” do
Supremo por “se antecipar a problemas para que processos sigam adiante” e, com
isso, rebaixando a instituição, um Poder classificado como independente e
autônomo pela Constituição, como se na prática ela fosse “quase integrada ao
governo”.
Para um presidente que, desde o primeiro
dia de seu governo, tenta neutralizar os órgãos constitucionais de controle da
República, o discurso que pronunciou no evento do TCU não causa espanto. Causa
receio, dadas suas tentativas de corrosão das instituições de direito.
STF tem de acabar com a fraude das emendas
do relator
Valor Econômico
O STF agiu para evitar transferência de
recursos públicos na calada da noite
A PEC dos Precatórios é escandalosa no
conteúdo, assim como o é na forma como foi aprovada pela Câmara dos Deputados.
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, com uma liminar certeira e
impecável na fundamentação, pediu a suspensão da liberação de verbas pelo
instrumento. O STF, em plenário virtual, decide hoje o mérito da questão. As
emendas do relator são um “mensalão” à vista, segundo o interesse do projeto do
governo esposado pelo Centrão. O método da votação foi fulminado pelo deputado
Rodrigo Maia, antecessor do atual presidente da Câmara, em ação ao STF,
mostrando que os procedimentos do encaminhamento de votos seguiram vias
absolutamente tortas. Nada teria acontecido facilmente sem o dinheiro público.
Para o calote de precatórios e o estouro do
teto de gastos transitaram na véspera da votação mais de R$ 900 milhões, que
aliciaram votos para aprovar a PEC por 312 votos, apenas 4 a mais que o
necessário.
As emendas do relator, como apontou Rosa
Weber, são a chicana do processo orçamentário. Nada nelas é transparente e seu
objetivo é obter o apoio de deputados e senadores a projetos do governo. O
presidente da Câmara, Arthur Lira, se tornou o vice-rei de um país supostamente
republicano. A proposta de emenda constitucional, com o calote de dívidas do
Estado em sentenças judiciais contra as quais não cabem mais recursos, foi
feita apenas para garantir que R$ 16,8 bilhões do orçamento fluam para o líder
do PP e os políticos que orbitam o Centrão e sejam distribuídos a quem quiser.
Há lógica nesta falcatrua. Antes da
ascensão do presidente Jair Bolsonaro, falso paladino anti-corrupção, os
políticos recebiam caixa 2 de empresas que fraudavam o Estado e repassavam a
eles parte do botim, como ficou claro no petrolão. A legislação, após os
escândalos de corrupção, vetou o financiamento privado de campanhas eleitorais
e o trocou pela subvenção pública. O orçamento passou então a ser torturado
para transações eleitoreiras.
Às emendas individuais sucederam-se as de
bancadas e, depois, as transferências diretas, sem finalidade específica, de
recursos do orçamento para municípios, coronelismo centralizado em Brasília.
Por fim, as emendas do relator (RP9) coroou o que já era sabido, o total desdém
de Bolsonaro em relação à corrupção, que corroi rapidamente seu governo e da
qual ele pensa tirar proveito para tentar uma duvidosa reeleição.
A entrega do governo ao Centrão foi
absoluta, o que explica a desenvoltura e a falta de escrúpulos com que Lira
manipula verbas orçamentárias e votações na Câmara. O dinheiro lubrifica a
compra de apoio de parlamentares selecionados de acordo com a necessidade, a
partir de decisão que passa pela Casa Civil, de Ciro Nogueira (PP), pela
Secretaria de Governo, de Flavia Arruda (PL), e pelo comando da Câmara, do PP.
Os contribuintes sempre pagam a conta da corrupção, mas o caminho da propina
ficou mais curto. As reeleições dependem agora basicamente dos cofres públicos,
à mercê das “criaturas do pântano político” às quais o ministro Paulo Guedes se
aliou para servir a Bolsonaro.
Como talvez não fossem suficientes os R$
900 milhões liberados em cima da hora, Lira fez o que quis com as regras e
permitiu que parlamentares no exterior votassem, algo antes proibido. Além
disso, inventou um acordo no dia da votação com base em uma emenda que não
existia e da qual não se tinha conhecimento, contra o regimento. Venceu por 4
votos e está sendo contestado no STF.
Lira tenta aprovar uma peça legal que
inscreve na Constituição o direito de o Estado ignorar decisões finais da
Justiça e pagar quando e como bem entender dívidas transitadas em julgado, para
as quais não existem mais recursos. Pegou carona nesta excrecência, que será
contestada judicialmente pela OAB, o rombo no teto de gastos sancionado por
Guedes para melhorar as chances de reeleição do chefe, nada boas.
Impedido de usar dinheiro para estimular
consciências na votação do segundo turno da PEC, o esquema secreto de verbas
passa por dificuldades. O STF agiu para assegurar transparência no orçamento,
evitar transferência de recursos públicos na calada da noite para apaniguados
desconhecidos, com fins ignorados. Lira não desistirá, mas terá de enfrentar
batalhas morro acima no segundo turno, mais duas no Senado, onde a perspectiva
não é favorável, e ainda o veredicto do STF. A PEC, espera-se, terá o fim
inglório que merece.
Os limites do combate do TSE à
desinformação
O Globo
São essenciais as medidas que o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) tem tomado para combater a desinformação nas eleições
de 2022. Pego de surpresa pela disseminação de fake news em massa em 2018, o
tribunal se mostra agora disposto a não deixar que o ocorrido se repita. Como
afirmou ao GLOBO o ministro Edson Fachin, que presidirá a Corte no início do
ano que vem, a desinformação “tende a impactar de forma muito negativa os
processos eleitorais” por prejudicar o direito de escolha com base em fatos
fidedignos. A dúvida é se o poder de que o TSE dispõe será suficiente para
resolver a questão.
Do ponto de vista jurídico, a perda de
mandato do deputado Fernando Francischini (PSL-PR), por ter espalhado mentiras
sobre a urna eletrônica depois do primeiro turno em 2018, transmite o recado
certo: não serão toleradas mais atitudes do tipo. Quem se meter a usar a
internet para colocar o sistema eleitoral em questão — e, por tabela, a
democracia em risco — será punido na mesma medida.
O tribunal também informou que cobrará das
grandes plataformas digitais políticas de conduta rígidas contra a disseminação
de fake news. Noutra frente, deverá adotar medidas contra a estratégia de
disparos em massa. No julgamento em outubro da campanha do presidente Jair
Bolsonaro, a chapa dele foi absolvida, mas a prática condenada.
É justamente nesse ponto que a investida do
TSE contra a desinformação desperta ceticismo. Não apenas por causa da
existência de uma rede social como o Telegram, que permite a criação de grupos
com até 200 mil integrantes e não tem representante que possa ser
responsabilizado no Brasil. Mas sobretudo por causa da dificuldade intrínseca
de controlar a rede mais popular e mais usada para disseminar fake news: o
WhatsApp.
Reportagem do GLOBO descobriu pelo menos
sete sites que continuam oferecendo o serviço de disparos em massa a preços
convidativos (a partir de cinco centavos por conteúdo enviado) e fazem
propaganda nas principais plataformas que dizem estar empenhadas na luta contra
a desinformação. Não apenas bolsonaristas têm usado a modalidade de campanha
para fins políticos, mas também candidatos de partidos de esquerda.
As soluções para o problema do WhatsApp
passam pelo Projeto de Lei das Fake News, aprovado no Senado e em debate na
Câmara, sob a relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Na primeira
versão, o texto ordenava o armazenamento por três meses dos dados sobre
mensagens encaminhadas a mais de mil usuários, sem acesso ao conteúdo, apenas
para facilitar investigações. Apesar de não haver violação de sigilo, a ideia
foi criticada pelas plataformas digitais.
Na última versão, a proposta é mais
simples: proibir aplicativos como o WhatsApp de encaminhar mensagens a mais de
um usuário. Dessa forma, eles manteriam apenas a característica de comunicação
um a um e deixariam de poder ser usados como meio de atingir milhares
simultaneamente. Os grupos continuariam, mas neles também seria impossível
encaminhar mensagens mais de uma vez. Nada assim jamais foi tentado em nenhum
país, e parece uma saída radical se o objetivo é apenas coibir a desinformação.
Mas a medida corresponde à missão declarada do WhatsApp e seria mais eficaz que
qualquer das iniciativas do TSE.
Governo despreza o bem-sucedido Programa
Nacional de Imunizações
O Globo
É indisfarçável o empenho do governo
Bolsonaro para minar a credibilidade que o Programa Nacional de Imunizações
(PNI) construiu ao longo de quase cinco décadas, com resultados reconhecidos
mundialmente. Responsável pela vacinação contra a Covid-19, o PNI está há
quatro meses acéfalo, sinal da pouca importância dada pelo ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga, e pelo próprio governo.
O PNI está sem titular desde 7 de julho,
quando a então coordenadora, Francieli Fantinato, pediu exoneração do cargo que
ocupava desde 2019. Em depoimento à CPI da Covid, ela disse que um dos motivos
de sua saída foi a politização da vacinação pelo presidente Jair Bolsonaro.
“Quando o líder da nação não fala favorável [à vacina], minha opinião pessoal é
que isso pode trazer prejuízos”, afirmou.
A politização não cessou. Nomeado
coordenador do PNI em outubro, o médico Ricardo Gurgel nem chegou a assumir. O
Ministério da Saúde não deu maiores explicações, mas Gurgel disse acreditar que
tenha sido vetado por criticar publicamente o uso da cloroquina no tratamento
da Covid-19. Embora esteja comprovado cientificamente que a droga não tem
eficácia contra a doença e pode causar efeitos colaterais graves, ela é
defendida com ardor por Bolsonaro.
Não é a primeira vez que o ministério
desconvoca alguém por razões ideológicas. Em maio, a infectologista Luana
Araújo, anunciada para a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid,
foi dispensada dez dias depois sem explicações convincentes. Não foi difícil
descobrir o motivo. Ela postara nas redes sociais críticas ao famigerado
“tratamento precoce” com drogas ineficazes, a que se referiu como
“curandeirismo” e “vanguarda do atraso”.
A sanha do governo contra a ciência produz
situações bizarras. Como a revogação do ato de Bolsonaro que concedeu a Ordem
do Mérito Científico aos pesquisadores Marcus Lacerda e Adele Schwartz
Benzaken. Lacerda é autor de um estudo que desaconselha o uso da cloroquina
contra a Covid-19. Benzaken, quando esteve no Ministério da Saúde, produziu uma
cartilha para pessoas trans. O descabido cancelamento da honraria à dupla levou
21 cientistas a renunciar às condecorações. Em carta aberta, acusaram o governo
de perseguição aos cientistas.
Criado em 1973, o PNI teve papel importantíssimo na erradicação e no controle de doenças no Brasil. O bem-sucedido histórico do programa demandaria mais atenção por parte do governo. Mas Bolsonaro prefere jogar contra, minando a confiança nas vacinas e dando mau exemplo ao não se imunizar. Felizmente, os números mostram que o brasileiro é resiliente. A artilharia antivacina não tem acertado o alvo. Mais de 73% já tomaram a primeira dose, e mais de 56% estão completamente imunizados. Contudo ainda não se atingiu o percentual necessário para proteger a população, e a ameaça negacionista não deve ser desprezada. O governo deveria saber que ideologia e inépcia fazem mal ao Ministério da Saúde.
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