O mistério do fatiamento do tempo como
alavanca para a renovação da esperança é um mistério que nos acompanha há
séculos. Como se a vida inaugurada no dia primeiro de janeiro fosse
radicalmente diferente.
Infelizmente, o Ano Novo descortina para o
Brasil um cenário nada promissor. A economia brasileira não poderia entrar de
maneira pior em 2022. Inflação em alta corroendo o poder de compra dos salários.
Juros subindo, inibindo o crédito e determinando mais recessão. Credibilidade
em relação à política fiscal entre o taco e o carpete após a implosão da âncora
fiscal, o teto dos gastos, e a pulverização dos gastos orçamentários sem bases
sólidas e a consagração do princípio do calote em relação aos precatórios.
O real excessivamente desvalorizado, encarecendo os preços dos importados e de produtos como os combustíveis, realimentando a inflação. O emprego revelando uma leve reação mas ainda com mais de 12 milhões de brasileiros desempregados, e outros tantos, subempregados e desalentados. A economia não deverá crescer. Isso depois das severas recessões de 2014, 2015,2016 e 2020. Reformas estruturais em ano eleitoral, chance zero. Vamos empurrar com a barriga os desafios inadiáveis mais uma vez.
No plano social, não avançamos muito diante
das crônicas desigualdades sociais herdadas desde o escravismo colonial e reafirmadas,
ao longo dos anos seguintes, por uma sociedade excludente. Viramos o ano com 19
milhões de brasileiros ameaçados pela fome. A pandemia aguçou as distâncias
entre pobres e ricos. O Auxílio Brasil, substituto improvisado do Bolsa
Família, terá boa parte de seus efeitos redistributivos engolidos pela
inflação.
Várias decisões em 2021 reafirmaram a
preservação de privilégios corporativos. Os dois principais sistemas
governamentais, o tributário e o previdenciário, continuam regressivos fazendo
o papel de Robin Hood às avessas. A educação terá mais claros os efeitos da
interrupção parcial do processo pedagógico em função da pandemia, mas eles serão
certamente mais graves junto às crianças pobres. O SUS saiu fortalecido junto à
sociedade, deu respostas heroicas, apesar de tantas controvérsias inúteis.
Talvez, o único dado positivo. Portanto, a construção de um país mais justo e
solidário continua uma agenda para o futuro.
Por último, a oportunidade aberta em 2022
vem da política. Teremos eleições nacionais em outubro. As eleições na
democracia tem o papel permanente de mudar ou confirmar rumos. Em 45 anos de
militância política, nunca presenciei uma relação tão estranha e pouco empática
de um governo com a população. A manutenção da briga contra a vacina e a
ausência de solidariedade simbólica e efetiva com as famílias desabrigadas pelas
chuvas, reafirmam um caso inédito de estilo político. Vamos ver o que saí da
radicalização natural que haverá da atual polarização política. Que os
candidatos optem por uma discussão profunda dos reais problemas brasileiros e do
rumo a ser adotado, e não se percam no populismo fácil e no desrespeito aos
adversários legítimos.
A notícia boa para 2022 é que o futuro
estará nas nossa mãos. Que nossas escolhas produzam um Brasil decente e
renovado.
*Marcus Pestana, Presidente do Conselho
Curador ITV – Instituto Teotônio Vilela (PSDB)
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