sábado, 1 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

2022 traz oportunidade de recomeço

O Globo

O Ano-Novo é época de pensar em resoluções, sonhar e planejar as metas para 2022, refletir sobre os acertos e erros de 2021, tecer novos planos. É também tempo de projetar o que faremos conjuntamente, como sociedade, o que queremos como nação.

Em 2022 comemoraremos o bicentenário da data em que Dom Pedro I, às margens plácidas do Ipiranga, proclamou a Independência do Brasil. Nestes dois séculos, forjamos um país que evitou o esfacelamento territorial, acabou com a escravidão, recebeu imigrantes de todos os cantos do mundo, tornou-se plural, viu nascer polos de excelência em diferentes áreas do saber e da economia, criou e expandiu sistemas de educação, saúde e previdência. A partir dos anos 1980, consolidou a democracia, derrotou a hiperinflação e ampliou a rede de proteção aos mais pobres.

Mesmo em momentos de extrema dificuldade, o Brasil tem conseguido demonstrar sua força e resiliência. A magnitude dos desafios enfrentados nos últimos dois anos foi gigantesca. Bem quando sofremos a pior crise sanitária em pelo menos um século, o comando do Palácio do Planalto é exercido por uma figura negacionista, incompetente e autoritária. Com a saúde, o meio ambiente, a democracia, o crescimento econômico e o bom senso sob intenso ataque, o Brasil mostrou que conta com instituições capazes de resistir aos avanços do autoritarismo.

O Supremo Tribunal Federal e o comando das Forças Armadas deram inúmeras demonstrações de que não permitirão que a democracia seja atropelada. O Tribunal Superior Eleitoral respondeu à altura à campanha difamatória contra as urnas eletrônicas e à tentativa de deslegitimar o processo eleitoral. Parcela importante da sociedade civil, da classe política e do empresariado se manifestou publicamente em defesa da democracia quando a situação exigiu.

Mais recentemente, o Banco Central demonstrou ter independência para cumprir seu mandato de controlar a alta dos preços, apesar das pressões do governo. A sociedade tem dado exemplo de força na defesa da Amazônia, alvo de destruição acelerada no atual governo. Por fim, o povo brasileiro disse “não” ao negacionismo e foi em massa aos postos de saúde se vacinar contra a Covid-19. Mais uma vez o brasileiro demonstrou ser melhor que seu governo.

O país poderia ter avançado mais em 200 anos? Decerto que sim. Poderia ter resolvido mais problemas desde a redemocratização? Sem dúvida. Deveria ter evitado os retrocessos desde 2019? Com certeza. Refletir por que não progredimos na velocidade desejada nos ajudará a pensar e a construir um futuro melhor. Não há tempo nem energia para autocomiseração ou teorias derrotistas.

O ano de 2022 poderá representar uma virada, pois traz a oportunidade para a eleição de um novo governo. O Brasil precisará de alguém com visão de longo prazo, que saiba priorizar o mais importante, que tenha competência para executar seus planos, que não seja uma fábrica de crises desnecessárias, que deixe os empreendedores trabalhar e ataque as mazelas sociais. Temos problemas demais para perder tempo com inépcia ou debates ideológicos sem sentido que paralisam a cena política.

Antes de tudo, o Brasil precisa combater a fome e a miséria que voltaram a se alastrar, desfazendo décadas de avanços nos indicadores sociais. Será preciso resgatar as políticas de assistência social bem-sucedidas e retomar nossa trajetória exitosa na educação.

Mais que isso, o Brasil precisará consolidar uma agenda mínima de mudanças que nos permita crescer e gerar empregos com equidade. Não bastará corrigir os inúmeros erros da atual administração, em especial os estragos na proteção ambiental, na área fiscal ou na educação.

Precisaremos ir além, fazendo deslanchar a agenda de reformas sempre adiada — e sempre urgente. O Brasil exige um sistema de tributos que estimule o investimento e a alocação eficiente dos recursos, não o festival de privilégios e isenções que tornam nossos impostos injustos e regressivos, punindo quem investe, quem trabalha e quem ganha menos.

É preciso promover uma ampla reforma administrativa para aumentar a capacidade de gestão do Estado e melhorar a qualidade dos serviços públicos. O país quer de suas lideranças a coragem de enfrentar os privilégios incrustados na máquina do Estado, que se perpetuam à custa do poder de influência das corporações do funcionalismo.

É necessário, além disso, provocar um choque de eficiência com a abertura da economia a produtos importados e a costura de acordos comerciais que abram mercados externos às mercadorias que o Brasil é capaz de produzir melhor em virtude de suas vantagens comparativas.

É fundamental garantir a segurança jurídica necessária ao florescimento de toda economia, com regras estáveis e uma Justiça que funcione para todos. Que puna com rigor corruptos e criminosos do colarinho branco, não apenas os desfavorecidos, perseguidos e mortos por uma polícia despreparada em virtude de sua cor ou aparência.

Que em 2022 o Brasil consiga sair do atoleiro em que se enfiou em razão de anos de políticas equivocadas ou omissas, deste governo e dos anteriores. As urnas nos trarão essa oportunidade. Precisaremos saber aproveitá-la.

Pandemia, ano 3

Folha de S. Paulo

Covid não nos deixará logo, mas letalidade menor deve permitir vida mais normal

recorde mundial de novos casos de Covid-19 registrado nesta semana, passados quase dois anos do início da pandemia, serve como um lembrete desagradável de que o coronavírus não irá desaparecer do planeta tão cedo.

Ao mesmo tempo, a constatação de que, apesar da marca adversa, o número de mortes vem se mantendo em patamares baixos alimenta as esperanças gerais de que o pior já tenha ficado para trás.

Na segunda-feira (27), a média móvel diária de contaminações no mundo, que considera os sete dias anteriores, atingiu novo pico de 854,6 mil casos, superando o recorde estabelecido em 25 de abril, quando a vacinação ainda engatinhava na maioria dos países.

A escalada de infecções não ocorre de forma homogênea no mundo. Vem sendo impulsionada sobretudo por nações do hemisfério Norte, que agora vivem o inverno, mais propenso à propagação de doenças transmitidas pelo ar.

Especula-se que a onda resulte do rápido espraiamento da variante ômicron, que já representa a maioria dos casos nos EUA e no Reino Unido. Estudos preliminares vêm mostrando que a cepa é várias vezes mais contagiosa que o vírus original e suas versões anteriores.

Em reação, essas nações vêm encurtando o prazo para a aplicação da dose de reforço, que, tudo indica, aumenta a proteção contra a variante. Ao mesmo tempo, países como Alemanha, França, Portugal e Holanda ampliaram as restrições para frear o aumento de casos.

A despeito do quadro preocupante no que tange às contaminações, o avanço da vacinação e a agressividade aparentemente menor da ômicron têm, até o momento, mantido os óbitos pela doença em nível bastante abaixo do contabilizado em outras ondas. No começo da semana, a média móvel de mortes diárias no mundo foi de pouco mais 6.400, número semelhante ao de outubro de 2020.

Já o Brasil segue desorientado diante do vexaminoso apagão de dados do Ministério da Saúde e da crônica falta de testes no país. A desídia governamental, que torna impossível ter uma ideia precisa do estágio da doença no país, é compensada pela ampla adesão à vacinação, sinal inequívoco de que a população deu de ombros para o negacionismo estatal.

O Sars-CoV-2 certamente continuará aturdindo o planeta em 2022. Encontrará, contudo, sistemas de saúde não só mais experientes como também mais bem preparados, equipados com uma gama de vacinas eficientes e novas drogas contra a doença sendo aperfeiçoadas.

Se formos capazes de utilizar bem todos os recursos à disposição e nos mantivermos vigilantes, é possível que, neste ano, enfim consigamos viver vidas mais normais.

Esperanças e riscos

Folha de S. Paulo

Economia global enseja otimismo cauteloso, e o Brasil padece com más políticas

Tal como na entrada de 2021, as esperanças para este ano estão voltadas para a superação da pandemia e para a retomada da normalidade, na vida e na economia.

Com o avanço da vacinação, é plausível que o mundo vislumbre a possibilidade de convivência com o vírus e assim possa retomar gradualmente atividades ainda afetadas ao longo de 2022.

Se os melhores cenários para a doença se confirmarem, haverá continuidade da expansão econômica, sobretudo nos serviços mais intensivos em trabalho, e será possível reduzir o desemprego que grassa na maior parte do mundo.

Já a permanência de restrições, se necessária, também manterá a demanda por proteção social e trará novas dificuldades para a gestão dos orçamentos públicos, com os riscos associados, como inflação e descontrole financeiro.

A escalada de preços, aliás, é outro tema que dominará as atenções. Em 2021 o choque inflacionário se revelou mundialmente de modo mais amplo e persistente que o esperado. Agora, a expectativa é de normalização gradual dos gargalos logísticos e de produção, o que contribuiria para estabilizar o poder de compra.

Mas o risco de um fenômeno mais duradouro está presente e já domina a ação dos principais bancos centrais do mundo, levando a juros mais altos e condições financeiras mais restritivas.

O lado positivo é que as expectativas de inflação de longo prazo ainda estão baixas, sugerindo que não será preciso jogar a economia mundial numa nova recessão para conter os índices.

A atenção dos mercados financeiros estará voltada para qualquer evidência que lance sombras sobre esse quadro ainda benigno.

O ambiente internacional parece compatível com um ciclo ainda longo de crescimento, embora condicionado a uma evolução favorável da pandemia. As principais regiões do mundo devem ter crescimento. Mesmo a China, que mantém tolerância zero com o vírus e enfrenta prolongada desaceleração em setores importantes, ainda deve sustentar atividade vigorosa.

O panorama global, assim, não se revela negativo para o Brasil, cujo desempenho dependerá do retorno a políticas públicas minimamente consistentes em áreas fundamentais como saúde, educação e gestão orçamentária. O governo Jair Bolsonaro não vai propiciar neste ano tal esperança, que ficará condicionada ao debate eleitoral.

A responsabilidade do País

O Estado de S. Paulo.

O ano de 2022 é desafiador. O País será capaz de enfrentar responsavelmente os seus problemas? Talvez o grande perigo seja repetir erros do passado, insistindo em opções populistas

O ano de 2022 é desafiador. O País será capaz de enfrentar seus problemas?

Ano Novo é tempo de esperança: de olhar para a frente com otimismo, aprendendo com os erros do passado e renovando os melhores sonhos para o futuro. Essa dinâmica pode ser aplicada não apenas na vida pessoal e familiar, mas também nos rumos do País. E aqui o prognóstico brota imediatamente: 2022 será um ano de grandes desafios, seja pela gravidade da crise social e econômica – há muitos brasileiros passando fome –, seja pelas decisões que a população terá de tomar nas eleições do segundo semestre.

Neste ano, muita coisa está em jogo. Não é tanto saber se o próximo governo será de esquerda ou de direita ou se qual parcela da população ficará contente com o resultado eleitoral. O tema é muito mais grave. O País será capaz de enfrentar responsavelmente os seus problemas, tanto os de curto prazo, como os de médio e longo prazos? A sociedade brasileira será capaz de dar em 2022 os passos necessários para enfrentar, de forma prioritária e responsável, a fome, a miséria, a falta de oportunidades educativas e profissionais para tantos jovens, o desemprego que assola tantas famílias?

Os últimos dois anos foram especialmente difíceis. A pandemia de covid-19 tirou muitas vidas, impôs enormes restrições econômicas e agravou questões sociais antigas, em especial reforçou desigualdades e multiplicou vulnerabilidades. Junto a isso, e de forma ainda mais desanimadora – pois a atuação federal podia ter sido muito diferente –, o presidente Jair Bolsonaro esbanjou irresponsabilidade, negacionismo e absoluta incapacidade de governar.

Para piorar, o Legislativo foi muitas vezes conivente com o desequilíbrio do Executivo federal, além de se aproveitar da falta de rumo do governo para fazer prevalecer interesses e modos pouco republicanos. O orçamento secreto, em meio a uma pandemia – quando a ação estatal deveria ser ainda mais transparente e mais informada por critérios técnicos –, é sintoma paradigmático de um cenário que guarda poucas razões para o otimismo.

Além disso, não se deve esquecer que esse Executivo e esse Legislativo – que trouxeram tanta desesperança nos últimos tempos – foram eleitos precisamente no pleito de 2018, marcado pelo desejo de mudança e renovação por parte do eleitor. Ou seja, o cenário é, sem nenhum exagero, profundamente desafiador. Abundam os motivos para a frustração com a política, as condições sociais e econômicas são especialmente adversas e, diante de tudo isso, o eleitor será instado a escolher os rumos do País.

Nessa situação, talvez o principal perigo seja repetir os erros do passado, insistindo em opções populistas que, em vez de oferecerem novas propostas e caminhos, reafirmam justamente as escolhas que gestaram a atual crise. O bolsonarismo não foi solução para o lulopetismo. Basta ver que Jair Bolsonaro tentou, tal como fez o PT, “ocupar” com seus seguidores a máquina pública, sua rigorosa inaptidão para melhorar a eficiência estatal e seu interesse exclusivo, desde que chegou ao Palácio do Planalto, pela questão eleitoral. Da mesma forma, o lulopetismo não é solução para o bolsonarismo.

Lula e Bolsonaro têm muitas diferenças, mas possuem uma radical semelhança: os dois são parte do problema, tendo contribuído, cada um a seu modo, para a atual crise social, econômica, política, cívica e moral. Um dos aspectos mais perversos da similaridade entre Lula e Bolsonaro é o modo como tratam as classes mais pobres. Uma vez que medem tudo pelo interesse eleitoral, a vulnerabilidade social, em vez de ser enfrentada responsavelmente, é usada como oportunidade eleitoreira. Para os populistas, a autonomia do cidadão é obstáculo para a instauração do seu projeto de poder.

Em 2022, o País tem o desafio de enfrentar responsavelmente o drama social e econômico que recai sobre boa parte da população. Em vez de cabresto político, a pobreza deve ser o grande estímulo para políticas públicas responsáveis. É hora de cuidar generosamente dos mais vulneráveis, é hora de construir soluções efetivas e sustentáveis. Basta de retrocesso.

A ‘contrarrevolução democrática’

O Estado de S. Paulo.

A nossa geração tem o desafio de organizar uma estrutura da comunicação digital que seja compatível com a democracia

No fim dos anos 90 era comum ler articulistas entusiasmados com o formidável potencial da rede digital de turbinar a democratização da informação e a participação democrática. Duas décadas depois, há amplas evidências de agentes políticos manipulando eleições por meio de instrumentos algorítmicos de publicidade das redes sociais, como mensagens subliminares, microestímulos psicológicos ou ferramentas de recompensas e punições em tempo real. Computando traços de personalidade, disposições comportamentais, interesses, preocupações e vulnerabilidades, mecanismos de Inteligência Artificial podem, por exemplo, identificar prováveis eleitores de adversários políticos e bombardeá-los com conteúdo tóxico projetado para dissuadi-los de ir às urnas.

Os mecanismos para provocar essas e outras mudanças comportamentais em escala massiva foram forjados pelo novo sistema econômico que Shoshana Zuboff, uma das principais pesquisadoras da Era da Informação, denominou “Capitalismo de Vigilância”. Ele mantém elementos do capitalismo tradicional – como propriedade privada, trocas comerciais e lucros –, mas que só são concretizados através de relações de vigilância. Experiências humanas outrora consideradas privadas são computadas, armazenadas como propriedade privada e codificadas em dados comportamentais originariamente manipulados a serviço de interesses comerciais, mas cada vez mais como arsenais de guerras políticas ou culturais.

“Nossos espaços de informação e comunicação como um projeto de mercado são um experimento social fracassado, e esse experimento deixou um rastro de destroços sociais”, disse Zuboff, em seminário do Instituto FHC. “Entre esses destroços vemos a completa destruição da privacidade, a anulação de direitos fundamentais, a intensificação da desigualdade social, o envenenamento do discurso social, sociedades divididas, normas sociais demolidas e instituições democráticas enfraquecidas.”

Há um século as democracias forjaram leis para quebrar concentrações de poder econômico que vulneravam trabalhadores e consumidores. Mas essas leis não são capazes de proteger as sociedades contemporâneas da economia de vigilância digital. O poder das Big Techs não é primariamente econômico, mas social. Seus danos não estão restritos à cadeia econômica de trabalhadores e consumidores, mas a uma nova categoria humana, os “usuários”, ou seja, todos nós, a todo tempo, em todo lugar.

Em uma civilização da informação, diz Zuboff, os princípios da ordem social derivam de três questões cruciais, sobre o conhecimento, a autoridade sobre o conhecimento e o poder que sustenta essa autoridade: 1) quem conhece?; 2) quem escolhe quem conhece?; e 3) quem escolhe quem escolhe quem conhece? “As gigantes tecnológicas detêm a resposta a cada uma dessas perguntas, embora não as tenhamos eleito para governar.”

As democracias enfrentam uma questão fundamental: como estruturar, organizar e governar a informação e a infraestrutura de comunicação de modo que elas sejam não só compatíveis com a democracia, mas a fortaleçam? Para respondê-la, ao menos quatro desafios precisarão ser encarados de frente: a atualização das leis antimonopólio; o modelo de negócios das gigantes digitais fundado no armazenamento e manipulação de dados pessoais; o seu poder de controle da informação e censura; e o seu alcance sobre jovens e crianças.

Não há soluções pré-fabricadas para esses desafios, e é bom que assim seja, porque elas precisarão ser forjadas no crisol do debate democrático e em suas instâncias de representação política. O desafio é ainda maior quando se considera que a revolução digital é transnacional, e, tal como com as mudanças climáticas, só um esforço global coordenado poderá conduzi-la aos fins esperados.

“A democracia é a única ordem institucional com autoridade legítima para mudar nossos rumos”, ponderou Zuboff. “Para que o ideal do autogoverno humano sobreviva ao século digital, então todas as soluções apontam para uma solução: uma contrarrevolução democrática.”

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