EDITORIAIS
Amazônia perto da
devastação irreversível
O Globo
O sobrevoo da
floresta em boa parte da Amazônia dá a impressão de um verde sem fim para
qualquer lado que se olhe. A vastidão da vegetação faz quem não conhece a
região perder a direção. Esse “mar verde” também tem efeito desorientador no
debate público ao provocar questões descabidas como: por que tanta gritaria dos
ambientalistas se ainda há tanta floresta? A resposta, mais uma vez, vem sendo
dada pela ciência.
Um estudo publicado na semana passada na revista Nature Climate Change por três pesquisadores de instituições europeias reforça a hipótese de que a Amazônia esteja perto de um ponto em que a devastação será irreversível — ou “ponto de não retorno” na tradução do inglês. A partir de certo nível de desmatamento, a floresta provavelmente perderia a capacidade de se recompor e entraria em autodestruição, sem que nenhuma ação humana pudesse reverter seu destino. Não haveria árvores suficientes para manter o atual regime de chuvas.
Como alguém que
se balança sobre os pés de trás de uma cadeira até que perde o equilíbrio, não
haverá como voltar. Confirmado esse cenário, mais da metade da atual vastidão
verde dará lugar a um cerrado, com tremendas consequências para a
biodiversidade, o clima, a vida e a economia não apenas dentro das fronteiras
do Brasil.
A pesquisa,
intitulada “Perda pronunciada da resiliência da Floresta Amazônica desde o
começo da primeira década deste século”, se concentrou na degradação entre 1991
e 2016. A conclusão é que mais de 75% da floresta vem perdendo poder de se
regenerar depois de períodos de perturbação, como secas prolongadas. Até mesmo
áreas densas em vegetação têm sofrido. O estudo é uma espécie de check-up da
Amazônia. O diagnóstico é que ela está doente.
Originalmente, a
floresta ocupava 4 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro.
Por volta de 17% já foram desmatados. Estimativas anteriores, em particular do
climatologista brasileiro Carlos Nobre, um dos pioneiros na área, sugeriam que
o “ponto de não retorno” seria alcançado quando se chegasse a 25% de
destruição. A pesquisa publicada nesta semana, embora não aponte percentual
específico, sugere que talvez o limite esteja mais próximo.
As consequências
da transformação da floresta em cerrado são aterradoras. O lugar que abriga 15%
da biodiversidade da Terra seria palco da extinção de incontáveis espécies. Em
vez de absorver CO2, a região passaria a emitir bilhões de toneladas de
carbono, pondo em risco as metas globais de redução de emissões. O regime de
chuvas no Brasil e países vizinhos seria transformado com a alteração dos “rios
voadores”, umidade gerada na Amazônia que circula pela atmosfera. O impacto na
agricultura e na pecuária seria devastador. Conflitos armados decorrentes
desses efeitos não são devaneios.
Para evitar esse
futuro apocalíptico, o desmatamento precisa ser interrompido. O Brasil já
reduziu de forma considerável a destruição da floresta no passado. Não se trata
de meta inalcançável. Nos últimos anos, houve retrocesso, com aumento das áreas
desmatadas. Quem decidirá sobre o futuro serão os eleitores brasileiros no final
do ano. Examinar os planos dos candidatos nunca foi tão decisivo.
TCU precisa
imprimir urgência à liquidação da estatal de chips Ceitec
O Globo
O Tribunal de
Contas da União (TCU) deveria dar prioridade à liquidação do Centro Nacional de
Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal criada em 2008 num delírio do
nacional-desenvolvimentismo petista, com a missão de produzir chips no Brasil.
O caso está parado desde o ano passado à espera da decisão da Corte. O caso
está parado desde o ano passado à espera da decisão da Corte, como revelou
reportagem do GLOBO.
É legítimo
questionar, como faz o TCU, de onde sairão os recursos necessários à liquidação
e outros detalhes, como a descontaminação do prédio. Mas é um devaneio crer que
a produção de semicondutores seja um setor estratégico para o Brasil. Esse é um
bonde tecnológico que o país perdeu faz quase 30 anos — e infelizmente não
passará novamente. Nenhuma estatal terá o condão de colocar o país na vanguarda
de um setor hoje dominado por fabricantes de Taiwan, Coreia do Sul e Japão.
O exemplo da
Ceitec é pedagógico. A empresa com sede em Porto Alegre recebeu mais de R$ 800
milhões em aportes públicos, demanda dos cofres do Tesouro R$ 80 milhões por
ano para cobrir despesas e, ainda assim, não tem a menor chance de ter
relevância no mercado internacional ou nacional.
É verdade que a
crise nas cadeias globais de suprimentos na pandemia acirrou a corrida pela
produção local de semicondutores. A concentração na Ásia passou a ser problema.
Mas isso não quer dizer que o Brasil tenha chance num setor em que até os
Estados Unidos enfrentam dificuldades.
Um projeto do
presidente Joe Biden prevê subsídios da ordem de US$ 52 bilhões para empresas
interessadas em fabricar semicondutores em solo americano. No mês passado, a
União Europeia anunciou um plano de investimento de € 43 bilhões para alavancar
a pesquisa e a produção de chips. Tais iniciativas deverão levar anos para
maturar, com chances escassas de vencer os asiáticos na corrida por preço e
qualidade. Se o Brasil dispusesse de recursos dessa monta, faria melhor em
investi-los em saúde, educação, saneamento ou qualquer área de fato
estratégica.
Um dos projetos
na Europa é construir três fábricas compartilhadas, para que empresas privadas
possam usá-las no desenvolvimento de seus chips. A americana Intel planeja duas
fábricas na Alemanha. Quando havia chance de abrir instalações no Brasil, nos
anos 1990, as dificuldades impostas pelo ambiente inóspito de negócios (em
particular a tributária) levaram a Intel a escolher a Costa Rica.
É ridícula, por
isso, a justificativa da Associação dos Colaboradores da Ceitec (Acceitec) para
tentar manter o Ceitec aberto: dizer que é a única empresa da América Latina
com domínio dos projetos dos circuitos integrados, passando pela fabricação em
lâminas de silício até finalização e montagem. Ora, a questão é outra: quem se
interessa por comprar esses produtos? A maior contribuição da estatal foi
mostrar que, se o Brasil quiser avançar no setor, não será com a estratégia
atual. No dia em que tivermos condição de atrair o capital privado, talvez tenhamos
chance. Até agora, não deu certo.
Guerra
aos fatos
Folha
de S. Paulo
Não
se confunda a máquina de falsificação de Putin com o que ocorre no Ocidente
Tornou-se
um lugar-comum a máxima de que, na guerra, a primeira vítima é a verdade. Não
se trata de um enunciado vazio de conteúdo, o que a invasão militar da Ucrânia
pela Rússia tem deixado patente.
O
controle e a manipulação das informações em períodos bélicos justificam-se
porque está em jogo a vida, a morte e a liberdade de uma nação, costumam
argumentar os defensores desses estratagemas. De fato, a distorção
propagandística e a censura à imprensa foram recursos utilizados por todos os
lados em conflitos passados.
Sobre
o atual confronto no Leste Europeu, por vezes se nota viés favorável à Ucrânia
em veículos e comentaristas ocidentais. Isso ocorre seja porque o desgaste da
Rússia interessa aos serviços de inteligência de países como EUA e Reino Unido,
fontes frequentes do noticiário, seja porque há afinidades óbvias entre povos
democráticos.
Nesses
quadros parciais, as defesas ucranianas podem exibir mais força e eficiência do
que possuem na realidade, e os russos, menos capacidade e competência militar
do que de fato detêm. Através desses filtros, os efeitos colaterais nada
triviais para as economias do Ocidente das sanções contra Moscou amiúde
aparecem suavizados.
Seria
um despropósito, no entanto, deixar de notar que estão presentes nas próprias
engrenagens dos regimes abertos democráticos os antídotos para esse gênero de
má comunicação. Há ampla liberdade de crítica e de imprensa; organizações
públicas e privadas dedicam-se sem embaraços a fiscalizar os Poderes
constituídos.
Pouco
disso ocorria na autocracia de Vladimir Putin em situação de paz. Nada disso
funciona agora, com a mobilização de guerra. A máquina de falsificações, de
censura e de repressão à crítica e à livre expressão do Kremlin converge para o
padrão da ditadura soviética.
Quem
mencionar a palavra "guerra" para referir-se à agressão contra a
Ucrânia ou divulgar o que o governo considerar notícia falsa está sujeito a
prisão. A propaganda de Putin —de que os militares estariam apenas defendendo
russos étnicos de "genocídio" perpetrado por "neonazistas"
na Ucrânia— atinge sem contrastes a massa dos telespectadores na Rússia.
O
soerguimento de uma cortina de fumaça para confundir o que ocorre no regime
russo em termos de desinformação, de um lado, com a veiculação de informações
distorcidas ou parciais na mídia ocidental, do outro, só interessa aos
defensores do autoritarismo.
Como
não há dúvidas sobre quem é a agressora —a Rússia— e quem é agredida —a
Ucrânia— no conflito, tampouco as há sobre quem representa o silenciamento do
que não é conveniente ao tirano nesse episódio: Vladimir Putin.
Constituição
sagrada
Folha
de S. Paulo
Com
ajuda do PT ao PL, avança projeto estapafúrdio para regular o termo 'Bíblia'
Com
um português ruim e uma lógica pior, o deputado federal Pastor Sargento
Isidório (Avante-BA) apresentou no começo de 2019 um projeto de lei que, em
condições normais de temperatura e pressão, estaria fadado ao solene
esquecimento nas gavetas da Câmara.
O
pastor deputado quer proibir o uso da palavra "Bíblia" e da expressão "Bíblia
sagrada" fora do contexto tradicional cristão. O veto valeria
para publicações impressas e eletrônicas, e seu descumprimento configuraria
estelionato e crime contra o sentimento religioso.
Na
forma e no conteúdo, não passa de iniciativa parlamentar estapafúrdia como
tantas outras que encorpam o folclore do Congresso.
Ocorre
que, em dezembro de 2021, um conjunto de 16 líderes e ex-líderes de partidos
assinaram um requerimento para a proposta tramitar em regime de urgência, de
modo que ela estaria dispensada de passar pelas comissões da Casa e saltaria
direto para o plenário.
A
mobilização chama a atenção pelo que tem de eclética. Ela não só reuniu
agremiações da esquerda à direita como contou com siglas de três candidatos a
presidente bem colocados nas pesquisas: o PT de Lula, o PL de Jair Bolsonaro e
o Podemos de Sergio Moro.
Nenhum
deles ignora que o eleitorado religioso parece ganhar relevância nas disputas majoritárias,
e seus partidos decerto traçam estratégias para conquistar a simpatia desse segmento.
Convencer a população a votar neste ou naquele candidato faz parte do jogo.
Rasgar a Constituição, entretanto, não faz.
A
sugestão de proibir o uso de alguma palavra ou expressão contraria princípios
caros ao Estado democrático de Direito, como a livre manifestação do pensamento
e o veto a qualquer forma de censura.
O
caso é ainda mais grave porque, ao justificar sua proposta, o deputado se
revela preocupado com a edição de uma "Bíblia Gay" e diz: "Há
indícios que tal livro pretende tirar as referências que condenam o
homossexualismo".
Ou
seja, ele se escora na homofobia, prática que por boas razões o Supremo
Tribunal Federal equiparou ao racismo —um crime imprescritível e inafiançável.
Na
última quinta (10), o requerimento para acelerar a tramitação do projeto entrou
na ordem do dia da Câmara, mas sua votação acabou adiada. Quando voltar à
pauta, que os deputados se lembrem de que o livro mais sagrado do Estado
brasileiro é a Constituição.
O País precisa dos votos
dos jovens
O Estado de S. Paulo.
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